Internacional

Maquiador de canal de TV invadido por criminosos no Equador relata momentos de angústia

País vive escalada de violência desde domingo, quando Fito, líder da maior facção criminosa do país, fugiu da prisão; presidente Daniel Noboa decretou "Conflito Armado Interno", que se soma ao estado de exceção

Agência O Globo - 10/01/2024
Maquiador de canal de TV invadido por criminosos no Equador relata momentos de angústia

“Momento tristes, feios e de angústia”. Foi assim que Héctor Alvarado, do canal de televisão TC, descreveu os instantes que se seguiram à invasão do estúdio de TV por homens armados, na terça-feira. O ataque ocorreu em meio a uma escalada de violência no Equador, após a fuga de Fito, líder da maior organização criminosa do país, e foi transmitido ao vivo.

Conflito Armado Interno: Ruas vazias, comércio limitado e aulas online impactam equatorianos, que vivem com medo

Contexto: Presidente do Equador enfrenta sua primeira crise após fuga de líder da maior facção criminosa do país

Maquiador e participante de um reality de dança da emissora, Alvarado conta que ensaiava para a competição quando seu coreógrafo recebeu uma ligação, alertando para que fizessem silêncio e desligassem o celular. Em questão de segundos, a confusão sobre o que poderia estar acontecendo deu lugar ao medo quando sons de tiro foram ouvidos.

— Nos escondemos, nos agachamos e rastejamos [devido aos disparos] — disse à imprensa local, que estava com outros colegas de trabalho no momento da invasão. — Queríamos sair, mas não sabia quem estava lá fora. O que mais desejávamos era que não fôssemos encontrados.

Alvarado registrou alguns momentos em sua rede social. Em um dos vídeos, que não contém áudio, é possível ver algumas pessoas sentadas em uma sala escura, parecendo aflitas. Apesar da angústia, o maquiador lembra com ternura de um momento de oração, iniciado por outros colegas escondidos. Para ele, a oração pôde “salvá-los de muita coisa”:

— Creio que Deus nos iluminou. Foram momentos que nos uniram mais como amigos e com Deus.

Perfil: Quem é Fito, líder da maior facção criminosa do Equador que fugiu da prisão e fez país decretar estado de exceção

A invasão ao estúdio ocorreu por volta de 16h30 (14h30, no horário local), durante o estado de exceção, decretado pelo presidente Daniel Noboa, na segunda-feira. Durante a transmissão, foram ouvidos tiros e gritos desesperados de pessoas pedindo para não atirar.

Na terça-feira, devido à escalada vertiginosa da crise, Noboa declarou estado de Conflito Armado Interno. Com a medida, as Forças Armadas foram ordenadas a "neutralizar" 22 grupos criminosos, que passaram a ser considerados "organizações terroristas". Em apenas três dias mais de 100 policiais e agentes penitenciários foram retidos por presos, houve agressões a jornalistas e ataques armados. As autoridades divulgaram balanços preliminares indicando que a violência deixou ao menos dez mortos e dezenas de detidos.

Entenda a crise no Equador

O estopim da escalada da violência no Equador foi a fuga de José Adolfo Macías Villamar, conhecido como Fito, líder da principal facção criminosa do Equador, a Los Choneros, da Prisão Regional de Guayaquil no domingo. Em apenas 48 horas, sete policiais foram sequestrados, tumultos foram registrados em presídios, houve ataques com explosivos nas ruas, além da invasão ao canal de TV. A casa do presidente do Tribunal Nacional foi incendiada. Até o momento, não há relatos de mortos ou feridos.

— São dias extremamente difíceis porque [...] a decisão importante é enfrentar essas ameaças com características terroristas — disse o secretário de Comunicação do governo, Roberto Izurieta, em entrevista ao canal digital Visionarias.

Desde 2011, o chefe do Los Choneros cumpria uma pena de 34 anos por crime organizado, narcotráfico e homicídio. O grupo é considerado um dos braços operacionais do cartel de Sinaloa, no México. Fito teria fugido "horas antes" de uma operação de revista no presídio onde cumpria pena, segundo Izurieta. O Ministério Público investiga a participação de agentes do Estado infiltrados que teriam colaborado com a fuga.

Tiburones, Corvicheros e Cuartel de Las Feas: Conheça as 'organizações terroristas' que estão na mira do governo do Equador

Fito foi visto em público pela última vez em setembro, quando foi enviado a outra prisão de segurança máxima após o assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio. O político de 59 anos havia relatado, uma semana antes, que o chefe da gangue o havia ameaçado de morte. Para a transferência de Fito, uma megaoperação militar e policial foi montada: ao todo, 4 mil policiais foram mobilizados. A mudança, porém, durou pouco. Menos de um mês depois, ele retornou à sua “prisão favorita” e desafiou o sistema ao lançar um clipe musical de dentro da cadeia.

Localizado entre a Colômbia e o Peru, os maiores produtores mundiais de cocaína, o Equador deixou de ser uma ilha de paz para se tornar um forte de guerra às drogas. O ano de 2023 terminou com mais de 7,8 mil homicídios e 220 toneladas de drogas apreendidas, novos recordes no país de 17 milhões de habitantes.

Desde 2021, os confrontos entre presidiários deixaram mais de 460 mortos. Além disso, os homicídios nas ruas entre 2018 e 2023 cresceram quase 800%, passando de 6 para 46 por 100 mil habitantes.