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Conflito Armado Interno: Ruas vazias, comércio limitado e aulas online impactam equatorianos, que vivem com medo

Desde a fuga de Fito, líder da maior facção criminosa do país, país vive em meio ao caos, com pessoas mortas e presas, policiais sequestrados e ataques à jornalistas; território está sob estado de "Conflito Armado Interno"

Agência O Globo - 10/01/2024
Conflito Armado Interno: Ruas vazias, comércio limitado e aulas online impactam equatorianos, que vivem com medo

Criminosos e narcotraficantes seguem espalhando, pelo terceiro dia seguido, o caos e a violência no Equador. Em meio à guinada da violência, os cidadãos equatorianos têm tentado adaptar suas rotinas para seguirem da melhor forma possível: as aulas migraram para o online, o comércio têm fechado mais cedo, e apenas serviços de emergência estão disponíveis nos hospitais. As ruas e os transportes públicos estão vazios, e quem se arrisca anda apressado. Em todas as adaptações, porém, o medo persiste.

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— Há medo, é preciso ter cautela, olhar para um lado, olhar para outro, se pego ou não esse ônibus, o que pode acontecer — disse à AFP uma mulher de 68 anos, que não quis revelar a sua identidade e que, "aterrorizada", saiu para trabalhar num escritório no norte de Quito.

Desde a fuga de Fito, líder da maior facção criminosa do país, balanços preliminares apontam dez mortos, dezenas de presos, policiais e agentes penitenciários foram sequestrados e jornalistas sofreram ataques. Para manter as rédeas e voltar à normalidade, o presidente Daniel Noboa decretou um estado de exceção, mas sem sucesso. Em menos de um dia, um novo decreto foi emitido, declarando estado de "Conflito Armado Interno" em todo o território nacional.

Em diversas cidades, os comércios têm fechado cedo e as ruas são tomadas por pessoas apressadas a voltarem para casa. Em Quito, centenas de soldados guardam as ruas desertas em torno da sede presidencial, enquanto no norte o parque La Carolina, o maior da cidade de quase três milhões de habitantes, estava vazio, sem os seus habituais praticantes de esportes.

A Embaixada da China e o consulado em Guayaquil anunciaram, na terça-feira, a suspensão temporária de seu atendimento ao público, sem informar quando voltarão a funcionar.

Os ônibus, suspensos na terça-feira, voltaram a circular às 5h30 desta quarta-feira. O metrô também está operando normalmente. Ainda assim, a costumeira lotação no horário de pico deu lugar aos bancos vazios.

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Poucos carros também circulavam nas avenidas da capital e em Guayaquil — onde, na tarde de terça-feira, o ataque à sede da TC Televisión aumentou o pânico dos seus moradores, que rapidamente abandonaram as ruas para se refugiarem em suas casas.

Homens armados com espingardas e granadas tomaram a estação de televisão pública durante o noticiário do meio-dia, ameaçando jornalistas e disparando sobre dois trabalhadores. Ninguém foi morto e vários agressores foram detidos.

Devido à sua localização estratégica, Guayaquil tornou-se nos últimos anos o epicentro do tráfico de droga para os Estados Unidos e a Europa.

No mesmo dia, as aulas foram transferidas para o modelo online nas escolas de todo o país, abrangendo também os funcionários do sistema educacional. A medida seguirá, a princípio, até sexta-feira.

O Ministério da Saúde suspendeu as consultas marcadas e informou que as cirurgias serão reprogramadas. Apenas os serviços de emergência e hospitais de segundo e terceiro nível seguem funcionando. Não há informações sobre até quando seguirão as restrições.

Fuga de Fito

O terror foi imposto após a fuga de José Adolfo Macías Villamar, conhecido como Fito, chefe do Los Choneros, a maior e mais temida facção do Equador. Ele estava detido desde 2011 na Prisão Regional de Guayaquil, onde cumpria uma pena de 34 anos por crime organizado, narcotráfico e homicídio.

Fito teria fugido "horas antes" de uma operação de revista no presídio onde cumpria pena, segundo o secretário de Comunicação do governo, Roberto Izurieta. Ele foi foi visto em público pela última vez em setembro, quando foi enviado a outra prisão de segurança máxima após o assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio. A sua figura obesa e o seu cabelo rebelde deram a volta ao mundo após o caso.

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Para a transferência de Fito, uma megaoperação militar e policial foi montada: ao todo, 4 mil policiais foram mobilizados. A mudança, porém, durou pouco. Menos de um mês depois, ele retornou à sua “prisão favorita” e desafiou o sistema ao lançar um clipe musical dentro da cadeia.

O governo pôs centenas de soldados e polícias à procura do fugitivo, cujo paradeiro, até o momento, é desconhecido. Ainda na terça-feira, outro chefe criminoso, Fabricio Colón Pico, um dos chefes de Los Lobos, fugiu da prisão. Pico é acusado de sequestro e de planejar o assassinato da procuradora-geral.

Conflito armado interno

Perante uma nova vaga de violência, Noboa, de apenas 36 anos, e que enfrenta sua primeira crise desde que tomou posse, em novembro, declarou o Equador em "conflito armado interno" na terça-feira, um dia após ter decretado o estado de exceção.

Com a medida, as Forças Armadas foram ordenadas a "neutralizar" 22 grupos criminosos, que passaram a ser considerados "organizações terroristas".

Apesar do decreto de Noboa, os tiroteios, os raptos, as extorsões, as fugas e os motins nas prisões continuam. Em uma delas, os detentos fizeram mais de 100 guardas prisionais como reféns.

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Vídeos não verificados pela AFP que circulam nas redes sociais mostram as supostas vítimas sendo ameaçadas com faca e a suposta execução de pelo menos dois guardas, um baleado e outro enforcado.

Preocupação internacional

O Brasil, a Colômbia, o Chile, a Venezuela, a República Dominicana, os Estados Unidos, a Espanha e a União Europeia rejeitaram a violência. A França e a Rússia avisaram os seus cidadãos para não viajarem para o Equador e o Peru declarou o estado de emergência ao longo da sua fronteira com o Equador.

Situado entre a Colômbia e o Peru, os maiores produtores de cocaína, o Equador foi durante muitos anos um país a salvo dos traficantes de droga, mas nos últimos tempos tornou-se um novo bastião do narcotráfico, com cerca de vinte bandos a lutar pelo controlo do território, mas unidos na sua guerra contra o Estado.

Dolarização da economia equatoriana foi determinante para crescimento do narcotráfico e aumentou desemprego no país

O ano de 2023 fechou com mais de 7.800 homicídios e 220 toneladas de droga apreendidas, novos recordes no país de 17 milhões de habitantes.

Noboa chegou ao poder como o mais jovem presidente da história do país, com a promessa de adotar uma linha dura contra os narcóticos. Ele foi eleito por 17 meses para completar o mandato de quatro anos de seu antecessor, Guillermo Lasso.

Esta é a segunda vez que Fito foge da prisão. Em 2013, juntamente com outros prisioneiros, conseguiu escapar aos controlos da prisão de segurança máxima conhecida como La Roca, em Guayaquil. Ele foi recapturado após três meses. (Com AFP)