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Militantes fascistas fazem saudação romana e levantam críticas da oposição na Itália

Evento recordava a morte de três integrantes do Movimento Social Italiano pós-fascista (MSI), que precede o partido da atual premier Giorgia Meloni, por um esquadrão de extrema esquerda

Agência O Globo - 09/01/2024
Militantes fascistas fazem saudação romana e levantam críticas da oposição na Itália
Militantes fascistas fazem saudação romana e levantam críticas da oposição na Itália - Foto: Reprodução

A imagem e o som — de mil fascistas militantes e nostálgicos erguendo os braços perfeitamente sincronizados e gritando “presente” em uníssono — foi como uma viagem no tempo para a maioria dos italianos. Um século depois da ascensão do fascismo ao poder, estes tipos de concentrações ainda acontecem. Não é novidade.

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O evento de domingo, que recordava o assassinato de três militantes do Movimento Social Italiano pós-fascista (MSI) há 47 anos pelas mãos de um esquadrão de extrema esquerda, acontece todos os anos. E não é um evento isolado. Esta edição, porém, que foi precedida de uma comemoração oficial, desencadeou a ira da oposição, que pede explicações à primeira-ministra, Giorgia Meloni.

A manifestação acontece todos os anos em frente à sede do MSI, onde os três jovens foram assassinados no que ficou conhecido como massacre de Acca Larentia (na rua onde fica o prédio), em Roma. Mas a novidade é que o MSI é também o partido de onde procede o Irmãos da Itália, formação presidida por Meloni, ocupante do Palácio Chigi e que ainda mantém vários elementos em seu logotipo daquela época.

O MSI, fundado pelo fascista Giorgio Almirante em 1946, foi transformado na Aliança Nacional, sua versão mais democrática, por Gianfranco Fini em 1995. Após sua dissolução, alguns desses militantes fundaram o Irmãos da Itália, com uma visão atual e renovada de seus postulados.

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Mas, esse partido sempre teve dificuldade para desvincular-se daquele passado: o próprio presidente do Senado e fundador do partido, Ignazio Benito La Russa, tem em sua casa um busto de Mussolini. E sempre reivindicou a memória desses militantes assassinados. Meloni, em particular, tem feito desta causa uma bandeira.

A Câmara Municipal, presidida pelo socialista Roberto Gualtieri, decidiu este ano participar da comemoração do assassinato daqueles três militantes da Fronte della Gioventù (os jovens do MSI) como um ato civil, como forma de expurgar-lhe sua ideologia. Isso foi feito pelo conselheiro da Cultura, Miguel Gotor, que estava acompanhado do presidente da região e membro dos Irmãos da Itália, Francesco Rocca. O ato oficial ocorreu antes do que o sucedeu, com os mil fascistas.

Vítimas dos anos de chumbo

O governador foi acusado de apoiar o comício posterior, mas distanciou-se do ocorrido, garantindo que os cumprimentos não aconteceram durante aquela celebração oficial, cujo “único objetivo foi recordar as três vítimas dos anos de chumbo”, disse em referência às décadas de 1960 a 1980, marcadas por inúmeros atentados políticos no país.

— Se houvesse saudações romanas, eu não teria hesitado em estigmatizá-las e me distanciar delas. Me acusar de ter dado cobertura institucional a reuniões fascistas é difamatório — acrescentou.

A Constituição proíbe a apologia do fascismo e quase toda a oposição criticou duramente as saudações fascistas da comemoração.

— Roma, 7 de janeiro de 2024. E parece que estamos em 1924. Apresentaremos uma pergunta ao ministro [do Interior, Matteo] Piantedosi. O que aconteceu não é aceitável. As organizações neofascistas devem ser dissolvidas, como diz a Constituição — denunciou a líder da oposição e do Partido Democrata (PD) social-democrata, Elly Schlein.

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O senador, líder do Italia Viva e ex-primeiro-ministro Matteo Renzi, também levantou a voz:

— Será que Meloni conseguirá, entre uma postagem e outra sobre Chiara Ferragni [influencer com quem a premier discutiu recentemente], dizer que se trata de algo equivocado? Esperamos por isso.

Cada vez que ocorre um ato dessa natureza, a oposição mira o partido de Meloni. A sua matriz pós-fascista ainda não foi esclarecida e ela própria foi forçada, em diversas ocasiões, a condenar atos deste tipo entre os nostálgicos do fascismo na Itália e o seu governo para se libertar dessa marca.

Até há pouco mais de um ano, a imprecisão ou as desculpas dos membros do seu partido para se afastarem daquela época eram irrelevantes. Agora, quando ocupam a maioria dos cargos do Executivo, o assunto ganha outras nuances. Precisamente, um dos vice-presidentes do governo, Antonio Tajani (Forza Italia), distanciou-se claramente do assunto:

— Somos uma força que não é fascista, somos antifascistas. Qualquer pessoa que tenha se envolvido em comportamentos deste tipo deveria ser condenada por todos, tal como os atos de apoio às ditaduras. A lei prevê que nenhum pedido de desculpas pelo fascismo pode ser feito em nosso país.