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Venezuela: presos políticos libertados por Maduro nos últimos três meses se sentem no limbo mesmo em casa

Prisioneiros, soltos em outubro e dezembro, têm plena consciência de que se tornaram moeda de troca e abordam incerteza do futuro

Agência O Globo - 07/01/2024
Venezuela: presos políticos libertados por Maduro nos últimos três meses se sentem no limbo mesmo em casa
Nicolás Maduro - Foto: Tv Brasil

Os 20 presos políticos que acabam de ser libertados na Venezuela estão aliviados por estarem de volta às ruas. Contudo, eles ainda não sabem qual é o seu estatuto jurídico e quais são os limites das medidas cautelares que lhes foram concedidas. Vários desses ativistas civis foram informados que estavam sendo libertados depois de terem enfrentado duras penas em forma de sentença, na maioria dos casos acusados ​​de terrorismo, sedição e traição.

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No meio da alegria pelo regresso inesperado à casa — alguns deles tinham sido condenados a até 16 anos de prisão — os prisioneiros recém libertados têm plena consciência de que se tornaram moeda de troca no meio de um acordo-quadro que os ultrapassa e, por isso, relutam muitas vezes em contar as suas histórias.

— Há cerca de 20 presos que puderam ser libertados no acordo que permitiu a libertação de Alex Saab — explica o advogado Alonso Medina Roa, especializado em direitos humanos, envolvido neste processo. — Há uma enorme incerteza sobre o seu estatuto processual, qual é o seu futuro. Não houve clareza nos tribunais. Através dos meios públicos, fomos inteirados sobre um regime de apresentação, a cada 15 dias, o qual cuidaremos agora que o ano começa.

Um dirigente estudantil que preferiu não se identificar e que tomou conhecimento desta medida gratuita depois de enfrentar duras condições de reclusão, garante que, apesar da pena, sempre teve a convicção de que seria libertado.

— Estabeleci como meta 2025 com a conclusão do ciclo eleitoral — afirma.

'Não tenho medo do governo'

Sobre sua vida na prisão, ele explica que tudo gira em torno de dinheiro:

— Tudo o que você precisar você tem que pagar aos guardas, aos zeladores. Fiquei detido em La Yaguara com presos comuns. Me surpreendi com eles, porque conseguimos nos organizar. Fui torturado durante os interrogatórios, mas devo dizer que depois do ocorrido, o tratamento deixou de ser hostil.

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Para Joel García, advogado de defesa de alguns desses presos políticos, os critérios utilizados pelo governo Chavista para libertar presos em detrimento de outros não são coerentes.

— Na Venezuela ainda existem cerca de 300 presos políticos, entre civis e militares. Em outubro saíram cinco deles, dois dos quais [foram] defendidos por mim, como Roland Carreño e Juan Requessens. — explicou o advogado, acrescentando: — Em dezembro, 10 americanos foram libertados, juntamente com os seis líderes sindicais condenados no ano passado por conspiração. No dia 23, John Alvarez sai. Muitos outros prisioneiros estavam esperançosos [com] medidas para eles, mas não há nada de concreto sobre futuras libertações. Não se deve [a soltura] à duração do confinamento ou à gravidade dos casos.

García garante que nos grupos envolvidos neste caso, acredita-se que a médio prazo poderá ser considerada a libertação de cerca de 15 ou 20 pessoas mais.

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Um dos dirigentes sindicais condenados a 16 anos de prisão acusado de terrorismo, Néstor Astudillo, fala sobre si.

— Fui feito prisioneiro por motivos de perseguição política. Não tenho medo do governo. A Venezuela vive uma ditadura disfarçada de democracia.

Detido com presos comuns, Astudillo passou quatro meses preso.

Sensação de incerteza

Quando foram condenados por terrorismo, em agosto do ano passado, o procurador-geral, Tarek William Saab, justificou a medida alegando que pessoas como Astudillo, supostos dirigentes sindicais segundo a imprensa, “não estão inscritos na segurança social como empregados, nem pertencem a nenhum sindicato, nem nunca trabalharam como luta sindical, nem apresentaram provas de serem supostamente dirigentes sindicais no próprio julgamento”.

Astudillo relata a sua detenção:

— Fui levado para uma cela da DGICIM [Direção Geral de Contrainteligência Militar], estava no início numas masmorras subterrâneas, isolado. Não me bateram, mas é um centro clandestino e conheço outros presos políticos que foram torturados, como o capitão Acosta Arévalo. Prisioneiros comuns são extorquidos, amarrados. Não nos agrediram fisicamente, mas direitos são violados, água e luz solar são cobradas, tudo é pago, a comida não é garantida, tudo deve ser pago. O sistema prisional na Venezuela está de fato privatizado.

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Outro ativista que preferiu não se identificar diz que está “feliz por estar com a família, em casa, mas com uma enorme incerteza”.

— Não sabemos o que o futuro nos reserva, mas continuaremos com a nossa luta no país — acrescenta.

Essa sensação de incerteza se repete em todos eles.

--- Estamos na rua em um processo de incerteza, juridicamente essa é a nossa situação: 16 anos de prisão, apesar de nos terem libertado — afirma Astudillo, acrescentando: — Estamos esperando que eles nos informem. Nunca tive dúvidas de que não ficaria preso durante esses 16 anos. Estava convencido de que se aproximava um acordo político, a nossa luta tem sido política. Conseguimos romper com a rotina carcerária, fizemos propostas, trabalhamos, fomos ouvidos pelos outros presos. Não nos curvamos a este regime. Agora, continuaremos defendendo a democracia, a luta contra a injustiça em nossos espaços.