Internacional

Antes de reunião com Maduro, presidente da Guiana diz que disputa territorial não deve ser tema de 'discussões bilaterais'

Questão sobre Essequibo, segundo Irfaan Ali, deve ser decidida pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, cujo mérito do caso 'será totalmente respeitado pela Guiana'

Agência O Globo - 13/12/2023
Antes de reunião com Maduro, presidente da Guiana diz que disputa territorial não deve ser tema de 'discussões bilaterais'

O presidente da Guiana, Irfaan Ali, afirmou nesta quarta-feira que a questão sobre o território do Essequibo não estará em discussão na reunião com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, programada para ocorrer nesta quinta-feira, em São Vicente e Granadinas. O diálogo foi proposto pela Venezuela na semana passada, e contará com a presença do assessor-especial da Presidência, Celso Amorim, que será o representante do governo brasileiro no encontro.

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Em uma carta endereçada ao primeiro-ministro do país caribenho, Ralph Gonsalves — que facilitou a reunião entre os dois líderes de Estado —, Ali contestou recentes declarações do presidente venezuelano e reiterou que o assunto "não é uma questão para discussões bilaterais" e que deve ser decidido pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, cujo mérito do caso "será totalmente respeitado pela Guiana".

"A fronteira terrestre não é uma questão para discussões bilaterais e a resolução da questão cabe devidamente à Corte Internacional de Justiça, onde deve permanecer até que o tribunal dê a sua decisão final sobre o mérito do caso", escreveu.

A Venezuela, entretanto, não reconhece a jurisdição da CIJ na disputa territorial pelo Essequibo, região rica em petróleo e que faz parte da Guiana.

"Já deixei claro que a CIJ determinará a controvérsia em torno das fronteiras da Guiana e da Venezuela. Estamos firmes neste assunto e não será aberto para discussão", escreveu Ali em sua conta no X (antigo Twitter).

Na terça-feira, o presidente venezuelano atacou o governo da Guiana por permitir voos conjuntos de treinamento entre suas forças militares e as forças dos EUA na região. Maduro também disse esperar que a reunião "possa abordar as principais ameaças à paz e à estabilidade dos nossos países, entre elas o envolvimento do Comando Sul dos EUA", escreveu no X.

"Optamos pelo diálogo direto com a Guiana, mas as suas autoridades revogaram o Acordo de Genebra e começaram a repartir o nosso mar, ameaçando construir uma base militar para o Comando Sul dos EUA. Não contaram com a nossa astúcia, o Povo saiu em defesa da 'Guiana Essequiba'. Não poderão ignorar a vontade soberana da Venezuela!", escreveu Maduro na ocasião, horas antes de a reunião ser anunciada pela chancelaria venezuelana.

Ali, por sua vez, refutou que qualquer operação militar da Guiana teria como alvo a vizinha Venezuela. "Qualquer alegação de que exista uma operação militar dirigida à Venezuela em qualquer parte do território guianense é falsa, enganosa e provocativa", disse Ali no X.

Apesar disso, Ali já afirmou que fará o necessário para garantir a integridade territorial de seu país, sem descartar a instalação de uma base militar dos EUA diante da ameaça da Venezuela. A instalação de uma base americana afrontaria diretamente os interesses do regime de Caracas na região, que sofre com uma série de embargos de Washington.

Motivação política

Embora seja uma disputa antiga, que remonta o período em que a Guiana ainda era uma colônia britânica na América do Sul, a escalada promovida por Caracas com relação à região nos últimos dias — sobretudo com a realização de um referendo para decidir, internamente, se o país deveria exercer sua soberania sobre a região — causaram instabilidade ao norte do continente. O Brasil chegou a reforçar a presença militar na tríplice fronteira, posicionando homens e blindados em Roraima.

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Analistas apontam que o levante sobre a região foi motivado sobretudo por determinantes internas da política venezuelana, com a questão do Essequibo sendo utilizada por Maduro para inflamar sentimentos nacionalistas e tentar mobilizar a população um ano antes da eleição presidencial. Após a votação, o governo também usou o tema para perseguir opositores, com mandados de prisão emitidos contra integrantes da equipe de María Corina Machado, principal opositora do presidente.

No entanto, os especialistas também classificam como uma importante determinante externa o interesse de Caracas pelas grandes reservas de petróleo descobertas na Guiana, sobretudo em um bloco offshore, que está em boa parte localizado no mar territorial do território contestado. A descoberta do petróleo levou a Guiana ao maior boom econômico per capita do mundo.

Entenda a disputa

De um lado, a Guiana se atém ao Laudo Arbitral de Paris, de 1899, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Do outro, a Venezuela se apoia em sua interpretação do Acordo de Genebra, firmado em 1966 com o Reino Unido, antes da independência guianesa, em que Londres e Caracas concordam em estabelecer uma comissão mista "para buscar uma solução satisfatória", já que o governo venezuelano considerou o laudo de 1899 "nulo e vazio".

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Sem solução, a questão foi parar nas mãos da CIJ em 2017, por definição do secretário-geral da ONU, António Guterres, que se valeu da prerrogativa estabelecida pelo próprio Acordo de Genebra no caso de as partes não chegarem a um entendimento.

A briga ganhou novos capítulos após descoberta, em 2015, de grandes reservas de petróleo na região. A Guiana iniciou licitações para explorar campos petrolíferos em águas rasas e profundas em 2022, o que Caracas rejeitou, considerando-as ilegais. (Com AFP.)