Internacional

Após anúncio de candidatura de Putin, principal crítico está 'desaparecido', dizem aliados

Porta-voz de Alexei Navalny diz que ele não está nas colônias penais para onde deveria ter sido levado; ativista está detido desde 2021 em condições apontadas como 'desumanas'

Agência O Globo - 11/12/2023
Após anúncio de candidatura de Putin, principal crítico está 'desaparecido', dizem aliados
Vladimir Putin - Foto: Sputnik/Evgeniy Paulin/Kremlin

Três dias depois do presidente da Rússia, Vladimir Putin anunciar uma nova candidatura à Presidência na eleição do ano que vem, aliados de seu principal crítico, o ativista Alexei Navalny, está desaparecido desde a semana passada. Navalny cumpre quase 30 anos de prisão por casos de fraude, desacato e, na mais recente condenação, extremismo, que lhe rendeu 19 anos no cárcere.

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"Hoje, assim como na sexta-feira, os advogados tentaram entrar em IK-6 e IK-7 — duas colônias [penais] na região de Vladimir, onde Alexei Navalny pode estar. Eles foram informados nas duas colônias que ele não está lá", escreveu no X (antigo Twitter), Kira Yarmysh, porta-voz de Navalny. "Nós ainda não sabemos onde ele está."

Segundo Yarmysh, na sexta-feira os advogados do ativista tentaram visitá-lo na colônia penal nº6, onde deveria estar detido, mas o pedido foi negado. Nesta segunda-feira, veio uma resposta surpreendente: Navalny não constava mais da lista de prisioneiros.

Em seguida, os advogados foram para a colônia penal nº7, para onde ele poderia ter sido eventualmente transferido, mas o ativista também não estava ali. Não houve qualquer manifestação das autoridades prisionais russas sobre o caso.

Mais cedo, outra informação havia provocado um alerta: ele não compareceu a uma audiência prevista para a manhã desta segunda-feira, a ser realizada por videoconferência. A explicação oficial foi a de que "problemas elétricos" têm impedido os depoimentos à distância — na semana passada, uma outra audiência foi cancelada sob a mesma alegação.

A proximidade entre o anúncio da nova e esperada candidatura de Putin a um novo mandato e o desaparecimento de Navalny não deixa de chamar atenção, ainda mais pelo histórico eleitoral da Rússia nas últimas décadas.

O atual presidente venceu as eleições de 2000 e 2004 sem correr riscos — em 2008 ele foi impedido por lei de concorrer, e foi "representado" por Dmitry Medvedev. Segundo analistas, apesar de ocupar o cargo de primeiro-ministro nesse mandato, era Putin quem dava as cartas em questões estratégicas.

Em 2012, Putin foi eleito mais uma vez, mas agora em meio à maior série de protestos desde os anos 1990, centrados no combate à corrupção e na necessidade de realizar eleições limpas na Rússia. Centenas de pessoas foram presas, incluindo Navalny, e aquele momento pareceu ser um ponto de virada para Vladimir Putin no trato à oposição doméstica.

Na eleição seguinte, em 2018, Navalny manifestou a intenção de concorrer, mas foi vetado com base na lei da ficha limpa local. Naquele ano, Putin foi eleito com 77.53% dos votos, no primeiro turno.

Até o momento, apenas uma das candidaturas na eleição do que vem é simpática à causa de Navalny: Yekaterina Duntsova, jornalista de 40 anos e que já criticou as políticas do governo para a comunidade LGBT na Rússia, sinalizou que quer o fim da guerra na Ucrânia e diz que pretende libertar presos políticos em seu primeiro dia de mandato. Mas para estar nas cédulas ela precisará obter 300.000 assinaturas de apoio e superar o veto da Comissão Eleitoral Central.

'Extremismo'

Apesar da perseguição aberta, Navalny tentava manter suas atividades políticas dentro da Rússia, com eventos em cidades ao redor do país, muitas vezes realizados ao ar livre por causa da pouca disposição das autoridades locais em recebê-lo.

Em uma dessas viagens, em 2020, ele foi envenenado durante um voo na Sibéria, e precisou ser transferido para a Alemanha, onde recebeu um tratamento médico que lhe salvou a vida. No exílio, elevou o tom dos ataques contra Putin e seu círculo político, contando com ampla presença nas redes sociais.

O governo russo nega as acusações de que teria envenenado Navalny com uma substância conhecida como Novichok, que figura na lista de armas químicas e que foi desenvolvida na União Soviética.

Contrariando os conselhos de aliados, Navalny retornou à Rússia em janeiro de 2021, onde foi prontamente detido, levado ao tribunal e condenado, em dois processos que se arrastaram por pouco mais de um ano, a 11 anos e meio de prisão.

Desde então, ele foi mantido em regime de segurança máxima, e não foram poucas as acusações de abusos, condições desumanas e de que problemas médicos crônicos teriam sido negligenciados pelas autoridades prisionais.

Em cartas, tentou manter ativa a militância, apesar das detenções de pessoas próximas à sua Fundação Anticorrupção, organização classificada como extremista pelo Kremlin. Ele nega todas as acusações, e afirma que elas são uma forma de calar as vozes contra Putin.

Em agosto de 2023, Navalny sofreu um golpe contundente: um tribunal de Moscou o condenou a mais 19 anos em um caso de "extremismo", sendo que boa parte da pena deveria ser cumprida em "regime especial", onde as condições são mais estritas do que em prisões normais, e onde punições, como o envio à solitária, são constantes. Uma medida tratada com um misto de tristeza e ironia por Navalny, logo depois de descobrir que passaria um ano em uma dessas celas, no final de setembro.

"Um ano de EPCT [sigla em russo para quarto tipo cela única] é a punição mais severa possível em colônias de todos os tipos. Sinto-me como uma estrela do rock cansada e à beira da depressão. Que alcançou o topo das paradas e não há mais nada pelo que lutar", escreveu em uma mensagem publicada no Instagram.