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Barulho feito por sinos usados por vacas opõe tradição e conforto em pequena cidade na Suíça

Moradores que reclamam do ruído enfrentam resistência massiva da população, que vê os sinos usados no pescoço dos animais como símbolos tradicionais da região

Agência O Globo - 11/12/2023
Barulho feito por sinos usados por vacas opõe tradição e conforto em pequena cidade na Suíça

Vacas pastando em um campo verde, com sinos pendurados por laços vermelhos em seus pescoços. Imaginar tal melodia e cenário bucólico, para muitos, transmite paz e conforto — mas o sentimento não é unânime. Em um município da Suíça, onde as vacas com sinos são uma espécie de símbolo para o país, uma votação prevista para junho promete opor tradição e tranquilidade, gerando polêmica entre os moradores.

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Tudo começou com uma denúncia apresentada neste ano por dois casais. Moradores de apartamentos na área residencial no município de Aarwangen, alugados com vista para o campo, eles reclamavam do barulho feito por um rebanho de aproximadamente 15 vacas, que pastavam à noite. Os quatro solicitaram então às autoridades que interviessem para garantir que o dono dos animais retirasse o sino ao fim do dia.

— Minha primeira reação quando escutei a denúncia foi de surpresa — comentou o prefeito de Aarwangen, Niklaus Lundsgaard-Hanse, à AFP, acrescentando: — Não sabia que as vacas faziam tanto barulho, mas descobri que elas podem incomodar algumas pessoas.

Mais do que com a denúncia, Lundsgaard-Hanse se surpreendeu com a intensidade das respostas. Os casais não contavam com o apego dos residentes ao símbolo: muitos moradores exigiram uma votação local para proteger o uso tradicional dos sinos.

Os solicitantes só precisavam do apoio de 10% das 4.800 pessoas elegíveis na cidade — ou seja, cerca de 380 assinaturas — para submeter o tema à votação no conhecido sistema de democracia direta da Suíça. A “Iniciativa do Sino”, como tem sido chamada a campanha para de preservar o direito das vacas de usarem o objeto a qualquer momento, recebeu 1.099 assinaturas.

— Isso é enorme — comentou o prefeito, que vive perto do terreno em questão.

A iniciativa será apresentada oficialmente aos eleitores nesta segunda-feira e a votação, a princípio, será realizada em junho do ano que vem.

Cultura x Descanso

Na semana passada, os rituais pecuários alpinos, que incluem conduzir o gado para pastagens nas altas montanhas durante o verão com sinos decorativos, foram incluídos na lista de patrimônio cultural imaterial da Unesco. Eles já foram indispensáveis para rastrear os rebanhos nos pastos alpinos, mas sua utilidade diminuiu com a chegada do GPS. Ainda assim, continuam sendo um símbolo da vida campestre na Suíça.

Porém, para muitos moradores que buscam a paz e tranquilidade do campo, sem muita distância das cidades, o encanto folclórico dos objetos é excessivo. As reclamações sobre o barulho dos sinos aumentaram nos últimos anos e algumas igrejas, cujos sinos tocam a cada 15 minutos, dia e noite, também entraram na mira.

As críticas, contudo, costumam gerar reações intensas em defesa das tradições suíças — um país onde os estrangeiros representam um quarto da população.

— Isso é sobre nossa tradição — insistiu o neurologista Andreas Baumann, à AFP, responsável pela iniciativa. — Queremos preservar o que os nossos antepassados criaram ou queremos deixá-lo num museu?

Os casais que denunciaram não esperavam a resposta massiva da comunidade. Um deles preferiu retirar a denúncia e o outro deseja sair da cidade, segundo o prefeito. Independente do resultado da votação, o fazendeiro envolvido talvez tenha que remover os sinos das vacas durante a noite, caso as autoridades determinem que eles excedem os níveis de ruído aceitáveis. Uma decisão judicial sobre o assunto é esperada em breve.

Para Rolf Rohrbach, um fazendeiro vizinho, a tradição é sinônimo de tranquilidade.

— Eu ouço quando durmo — defendeu Rohrbach, acrescentando: — Eu sei que minhas vacas estão em casa.