Internacional

Governo Milei será sustentado por acordos políticos na Argentina

Liberdade Avança não formou coalizão e mergulhou em negociações frenéticas com aliados para montar novo Gabinete; desafio será transformar 55% dos votos das urnas em uma nova maioria, que supere a oposição peronista e kirchnerista

Agência O Globo - 10/12/2023
Governo Milei será sustentado por acordos políticos na Argentina
Javier Milei - Foto: REUTERS/Agustin Marcarian

Antes do segundo turno presidencial, Javier Milei dizia que estava pronto para assumir o poder. Tudo o que ocorreu após o novo presidente da Argentina derrotar o peronista Sergio Massa nas urnas mostrou que as declarações de Milei não eram verdadeiras. Nas últimas três semanas, o fundador e líder do partido de ultradireita A Liberdade Avança mergulhou em negociações frenéticas com novos aliados para formar seu Gabinete, mas não tem, ainda, uma coalizão de governo.

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Os acordos selados por Milei com seus dois principais sócios políticos, o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) e a ex-candidata presidencial Patricia Bullrich, permitiram-lhe preencher os principais cargos do novo governo, mas tiveram um alto custo político interno: a entrada em cena dos dois implicou na perda de espaço e poder por parte de aliados que foram fundamentais durante a campanha.

Vice escanteada

Uma das mais prejudicadas foi a vice-presidente Victoria Villarruel, que pretendia controlar as pastas de Segurança e Defesa, entregues por Milei a Bullrich e Luis Petri, ex-companheiro de chapa da ex-candidata presidencial. Na Argentina, os vices carecem de funções que representem uma real fonte de poder, e Villarruel pretendia compensar isso com forte influência nas áreas nas quais se especializou como advogada, e, também, nas que mais tem interesse por sua própria agenda política — que gira em torno de segurança e temas militares.

Milei, segundo fontes, ficou incomodado com recentes atitudes de sua vice, que foram interpretadas por ele como sinalizações de que Villarruel teria um projeto de poder próprio. Sem o controle de ministérios, ela será apenas presidente do Senado, como é praxe na Argentina, e com uma bancada minoritária, de oito senadores — de um total de 72 cadeiras.

— O governo de Milei não será uma coalizão, o que existem são acordos individuais — explica o deputado Pablo Torello, do Proposta Republicana (Pro), fundado por Macri.

Torello é um liberal e, como o ex-presidente, sempre defendeu uma aproximação com Milei. A ideia enfrentou resistências dentro da aliança Juntos pela Mudança, que, após a vitória do ultradireitista, entrou numa crise da qual parece difícil que consiga sair.

— Milei nunca pensou que ganharia a eleição e não tinha equipe para formar um governo. O Pro vai apoiar tudo o que considerar que deve ser apoiado — explica Torello, que está encerrando seu mandato como deputado e será um dos soldados da tropa de Macri encarregados de, em suas palavras, “formar uma nova frente política de centro-direita na Argentina”.

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Já o ex-presidente Macri é visto como um consultor externo do novo governo.

— O ex-presidente dará sua opinião quando for solicitada — afirma o deputado.

Mas não está claro como funcionará, na prática, o acordo entre Milei, Macri e Bullrich. O que se sabe é que, sem ele e outros com setores do peronismo, o novo presidente não teria conseguido armar um Gabinete tido como viável pelo setor privado, pelo mercado e aliados internacionais.

Alguns dos peronistas que aceitaram o convite de Milei para unir-se a seu governo — como funcionários ou sócios políticos — foram o ex-governador de Córdoba e ex-candidato, Juan Schiaretti; o deputado e ex-ministro Florencio Randazzo; e o embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli (que foi vice de Néstor Kirchner e governador da província de Buenos Aires), que continuará no posto.

Milei também é próximo de figuras que integraram os dois governos do presidente peronista de direita Carlos Menem (1989-1999),considerado por ele um dos melhores do país.

Dolarização perde força

Até o segundo turno, o economista de maior confiança de Milei era Emilio Ocampo, autor do plano de dolarização que o novo presidente dizia ter escolhido na campanha. Ocampo acreditava ter lugar garantido como futuro presidente do Banco Central, caso Milei vencesse. Poucos dias após obter 55% dos votos, no entanto, Milei se distanciou e recorreu ao economista Luis Caputo, diretor da empresa de consultoria Anker América Latina e presidente do Banco Central no governo Macri, para assumir a pasta econômica e armar uma equipe encarregada de controlar o BC.

Se poucas semanas antes o novo presidente dizia que a dolarização não era negociável, a realidade se impôs: Ocampo dançou e Caputo acompanhou Milei aos EUA, onde chefiou as primeiras conversas com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

— A consultoria de Caputo está no comando e vai liderar uma operação de emergência. O objetivo é evitar o calote da dívida, hiperinflação e confiscos bancários — afirma Diego Guelar, ex-embaixador no Brasil e assessor internacional de Macri. — O sistema político está passando por uma profunda transformação e não sabemos ainda como sairá dela. O desafio é construir uma nova maioria antiperonista.