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Análise: Por que não devemos esperar um conflito entre Venezuela e Guiana?

Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, tem poucas razões para transformar a retórica agressiva em um conflito militar com o país vizinho

Agência O Globo - 09/12/2023
Análise: Por que não devemos esperar um conflito entre Venezuela e Guiana?

Em meio às descobertas de reservas de petróleo no Essequibo, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, reaqueceu a disputa pela região. Não é a primeira vez que a Venezuela reclama a posse do território, que pertence à Guiana, mas é a demanda mais agressiva que se viu em tempos recentes. No entanto, Maduro tem poucas razões para transformar a retórica em um conflito militar com o país vizinho.

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É preciso, primeiro, desmistificar a ideia de que países latino-americanos não brigam entre si. Vários países ainda tentam rever suas fronteiras, como a Bolívia em busca de sua saída para o mar e a reivindicação nicaraguense pelas ilhas de San Andrés e Providência. Segundo, incidentes diplomáticos e militares não são raros na região. Inclusive, essas ocasiões tendem a pressionar países a se sentarem à mesa de negociações sobre disputas territoriais, como no caso do incidente entre a Nicarágua e a Costa Rica, em 2010. Ainda assim, é incomum que essas disputas levem a conflitos militares entre países na região.

Conflitos militares custam muito em termos de vidas humanas, recursos militares e financeiros, além de apoio político doméstico e internacional. No caso da Venezuela, para além do altíssimo risco de sanções internacionais, não se pode ignorar um possível apoio militar americano à Guiana — ainda mais considerando os interesses econômicos de empresas americanas no país, como a Exxon Mobil, que explora parte das reservas de petróleo recém-descobertas. Uma incursão armada venezuelana demandaria uma quantidade enorme de recursos de um país que já há anos se encontra em crise econômica. Para além do alto custo econômico, militar e político internacional, esse cenário tende a piorar a situação econômica do país e, consequentemente, reduzir ainda mais o apoio doméstico do chavismo. Seria no mínimo irracional invadir a Guiana conhecendo esses custos.

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Um contra-argumento seria a ideia de que Maduro estaria disposto a entrar em um conflito contra a Guiana para obter apoio popular para seu governo. A comparação imediata seria com a Guerra das Malvinas/Falklands (1982), iniciada pela ditadura militar argentina em um contexto de baixo apoio popular ao regime. No entanto, pesquisas recentes mostram que o conflito de 1982 resultou principalmente da falta de informações por parte da ditadura argentina à época, que realmente acreditava na vitória contra o Reino Unido. Não me parece ser o caso agora, especialmente considerando as recentes sinalizações de apoio americano à Guiana.

Mas o que, então, Maduro estaria buscando com a intensificação da demanda pelo Essequibo? A nível doméstico, a retórica e o referendo têm desviado o foco de outros problemas do regime chavista — como a crise econômica e a rejeição às primárias oposicionistas em outubro — e reforçado um sentimento nacionalista na população venezuelana. A nível internacional, essas atitudes chamam a atenção para o tema e pressionam a Guiana para que se sente à mesa de negociações.

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Nesse sentido, Maduro já está obtendo os benefícios possíveis com a escalada da reivindicação sobre o Essequibo. A escalada para um conflito militar só tende a trazer prejuízos para o país e o próprio presidente. As sanções e o apoio americano à Guiana prolongariam o conflito e o tornaria insustentável, em termos econômicos e militares, para o regime venezuelano. Seria o caminho mais curto para a ampliação da insatisfação popular com o chavismo e a queda do regime. Por isso, há poucos incentivos para transformar o cenário atual em uma invasão ao território da Guiana, o que faz com que um conflito militar hoje seja improvável.

*Pós-doutorando no Departamento de Ciência Política da USP e PhD pela UFMG