Internacional

Chavismo usa Essequibo para fechar cerco à oposição antes de eleição na Venezuela

Procurador-geral solicitou mandado de prisão a opositores por suposta conspiração contra referendo sobre o território, em um movimento voltado para a política interna, apontado por especialistas como prioridade do governo

Agência O Globo - 07/12/2023
Chavismo usa Essequibo para fechar cerco à oposição antes de eleição na Venezuela
Nicolás Maduro - Foto: Tv Brasil

Embora tenha provocado uma série de preocupações pelas possíveis consequências internacionais na América do Sul, as reivindicações da Venezuela sobre a região do Essequibo se tornaram a mais nova frente de perseguição do governo de Nicolás Maduro contra a oposição interna no país, que tenta se organizar em torno da candidatura de María Corina Machado para as eleições presidenciais de 2024.

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Treze líderes da oposição ao chavismo, incluindo integrantes da equipe de campanha de María Corina e ex-integrantes do governo Maduro-Chávez, foram alvo de mandados de prisão solicitados pelo procurador-geral Tarek William Saab, na quarta-feira. As acusações incluem crimes relacionados a traição à pátria e conspiração, por supostamente exercerem atividades desestabilizadoras contrárias ao referendo, realizado no último domingo. A alegação é de que os envolvidos teriam recebido "financiamentos provenientes da lavagem de ativos de organizações internacionais para conspirar contra o desenvolvimento" da consulta popular.

O esquema para impedir a votação, segundo apontou o procurador-geral, incluiria o desvio de valores provenientes de lavagem de dinheiro de organizações e empresas estrangeiras, incluindo a petroleira Exxon Mobile, que se beneficia com a exploração de petróleo na Guiana. Segundo a versão do MP, a polícia venezuelana deteve um cidadão norte-americano que utilizou criptomoedas para fugir aos controles financeiros e o destino dos fundos utilizados na conspiração.

María Corina e outros líderes de oposição, como o ex-candidato à presidência Leopoldo López e o ex-presidente autoproclamado da Venezuela, Juan Guaidó, convocaram a população a não participar do referendo, considerado por políticos e analistas como um factoide criado por Maduro para tentar mobilizar a população um ano antes das eleições e em um momento em que o presidente se sentiria enfraquecido no cenário interno. Apesar da reivindicação do país quanto a soberania do Essequibo ser centenária, analistas apontaram, antes mesmo da realização do referendo, que a questão estaria sendo colocada para votação agora mais por um cálculo político-estratégico interno do que externo.

Em entrevista dias antes à realização do referendo, o assessor sênior do CrisisGroup, Mariano de Alba, afirmou ao GLOBO que o governo Maduro parecia interessado em "manter a retórica estridente que o permite avivar o sentimento patriota nas Forças Armadas e tentar fazer a oposição parecer entreguista". No dia seguinte a realização do pleito, economista e analista eleitoral venezuelano Luis Vicente León disse que Maduro estaria mais interessado no impacto político da ação, incluindo entre as possibilidades de ação a ameaça de uma declaração de estado de emergência se avaliasse que há risco de perder as eleições.

"Diante da vitória cívica de 22 de outubro [prévias eleitorais da oposição], o regime arremete contra cidadãos inocentes", escreveu María Corina, na quarta-feira, após o anúncio da prisão de aliados, culpando uma motivação política.

Frente de pressão

O caso do Essequibo é apenas um dos fatores que coloca em dúvida a participação da principal líder da oposição na atualidade na próxima disputa presidencial. Embora tenha vencido as primárias com larga folga, María Corina está oficialmente inabilitada politicamente por 15 anos. A Justiça venezuelana também não reconhece o processo de escolha da candidata.

O prazo para os líderes da oposição recorrerem das inabilitações acaba em 15 de dezembro, embora Corína e outras lideranças anti-chavistas não se mostrem dispostos a apresentar seus casos ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que consideram politicamente influenciado.

— Não cometi nenhum crime, nenhuma contravenção, e aqui não há ato da Controladoria, procedimento da Controladoria, decisão da Controladoria, nem fui notificada. Vou recorrer de que, se não existe nenhum ato? — disse a candidata na quarta-feira.

A postura de María Corina não agrada todos os setores da oposição. O ex-presidenciável Henrique Capriles, um dos grandes rivais de Hugo Chávez, convocou “todos os desqualificados inconstitucional e ilegalmente” a ir ao TSJ, para esgotar as possibilidades legais.

Governo e a oposição concordaram em 17 de outubro, em Barbados, sobre realizar eleições presidenciais no segundo semestre de 2024. Os Estados Unidos, em resposta, relaxaram as sanções ao petróleo, gás e ouro venezuelanos durante seis meses, mas condicionaram tudo para definir um procedimento para levantar desqualificações.

Analistas, contudo, apontam preocupação com o fato do processo definir um prazo para apresentação de recurso dos inabilitados, mas não para o TSJ julgar cada um deles. O temor é de que o órgão judicial se torne um tipo de "posto de controle” que inviabilize a oposição de fato.

— Estamos abrindo esta janela, embora talvez possa ser um muro de concreto — afirmou consultor político Gabriel Reyes. — Havia sido levantado como urgência (nas negociações) que os desqualificados pudessem ir às eleições. É precária uma negociação onde eu te peço o status de alguém e você não me dá esse status, mas sim a oportunidade de você pedir que seja revisto (...). É uma técnica protelatória.

(Com El País e AFP)