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Referendo da Venezuela sobre região da Guiana tem baixo comparecimento, apontam agências; resultados devem sair nesta 2ª

Independentemente do resultado, o referendo não tem caráter vinculativo — ou seja, a expressão da maioria não vai, necessariamente, converter-se em ação de Caracas

Agência O Globo - 04/12/2023
Referendo da Venezuela sobre região da Guiana tem baixo comparecimento, apontam agências; resultados devem sair nesta 2ª

Nas ruas de Caracas, cartazes coloridos e muros pintados com os dizeres “Essequibo é nosso!” deram o tom de um referendo sobre a anexação da rica região da vizinha Guiana, parte de uma forte campanha do presidente Nicolás Maduro, que busca a reeleição em 2024 em meio a uma profunda crise. A votação deste domingo começou às 6h (7h no horário de Brasília) e terminou às 20h local após uma prorrogação de duas horas, com os resultados esperados nas primeiras horas da manhã desta segunda-feira.

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A autoridade eleitoral justificou a extensão dizendo que cidadãos ainda esperavam para votar no horário inicial previsto para o fim da consulta. Mas, segundo a agência AFP, houve baixo comparecimento na capital Caracas, San Cristóbal (estado de Táchira, no oeste) e Ciudad Guayana (estado de Bolívar, sudeste, perto da zona reivindicada pela Venezuela.

A agência Associated Press também apontou situação similar ao avaliar as seções eleitorais em Caracas, afirmando que contrastavam com outros processos em que centenas de pessoas faziam fila fora dos centros de votação desde o início da jornada eleitoral.

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Já segundo a EFE, três horas antes da previsão de fechamento das urnas, menos de 12% dos eleitores haviam votado em três centros localizados em zonas diferentes de Caracas, de acordo com os coordenadores dessas seções. Dos 30 milhões de venezuelanos, 20,7 milhões foram convocados a votar.

Enquanto a votação transcorria, o presidente guianês, Irfaan Ali, assegurou que não havia “nada a temer”, afirmando que seu governo trabalhava “incansavelmente” para que as fronteiras permanecessem “intactas”. Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva expressou preocupações sobre o tema, destacando a importância de que as duas partes mantivessem o “bom senso” para evitar uma escalada das tensões.

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— Quero garantir aos guianenses que não há nada a temer nas próximas horas, dias, meses — disse Ali em um discurso transmitido pelo Facebook. — Estaremos vigilantes, mas trabalhamos incansavelmente para garantir que nossas fronteiras permaneçam intactas, e que nossa população e país continuem seguros.

No último dia de sua participação na COP28 em Dubai, nos Emirados Árabes, Lula relatou ter conversado por telefone com Ali, lembrando que o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, esteve em Caracas para conversar com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, sobre a consulta popular.

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— Se tem uma coisa que a América do Sul não precisa agora é de confusão — disse Lula. — Se tem uma coisa que precisamos para crescer e melhorar a vida do povo é baixar o facho (...) e não ficar pensando em briga. Não ficar inventando história. Espero que o bom senso prevaleça do lado da Venezuela e da Guiana.

Questionado pelo jornal Valor Econômico se tem medo de uma guerra entre os dois países, Lula não titubeou:

— Quem é que não tem medo de guerra, cara? — indagou. — A Humanidade deveria ter medo de guerra, porque só faz quando falta bom senso. Quando o poder da palavra se exauriu (...) Vale mais a pena uma conversa do que uma guerra.

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Insultos ao líder da Guiana

Apesar da consulta e de exercícios militares recentes na região fronteiriça, o que despertou a preocupação internacional, incluindo dos EUA, o governo Maduro alega não buscar uma justificativa para uma invasão, apenas reforçar sua reivindicação pelo território. O líder venezuelo, porém, não poupa insultos contra Ali, que critica por uma “posição prepotente, arrogante e belicista”.

— Hoje votamos por uma única cor, um único sentimento. Nosso voto é para fazer respeitar a Venezuela — disse Maduro ao votar pela manhã.

Independentemente do resultado, o referendo não tem caráter vinculativo — ou seja, a expressão da maioria não vai, necessariamente, converter-se em ação de Caracas.

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Disputa por Essequibo

— Estamos convencidos de que o Essequibo é nosso — disse à AFP Mariela Camero, 68 anos, que votou em uma área de classe trabalhadora de Caracas. — Sempre foi nosso.

Do outro lado da fronteira, milhares de guianenses formaram correntes humanas, chamadas de “círculos de união”, para mostrar seu apego à região. Muitos usavam camisetas com frases como “Essequibo pertence à Guiana” e agitavam bandeiras do país.

— O referendo é provavelmente significativo para eles, não para nós — disse à AFP Dilip Singh, um empresário que participou de uma manifestação na província de Pomeroon-Supenaam, localizada na área disputada. — Não temos armas, navios de guerra. Temos Deus e ele nos protegerá.

O referendo continha cinco perguntas, incluindo propostas para a criação da província venezuelana de “Guiana Essequiba”, concedendo aos habitantes a cidadania do país, bem como um apelo para rejeitar a jurisdição da Corte Internacional de Justiça, em Haia, que na sexta determinou que Caracas não tomasse medidas sobre a região.

Os políticos da oposição venezuelana, a maioria dos quais também apoiam a reivindicação, foram reticentes sobre o referendo. Contudo, Maria Corina Machado, que venceu com folga as primárias da oposição em outubro, apesar de estar inabilitada politicamente por 15 anos, chamou a consulta popular de “distração”, dizendo que deveria ser suspensa e que a soberania não é algo que um governo deveria perguntar, “você apenas a exerce”.

A disputa pelo Essequibo ganhou força nos últimos anos, com incidentes marítimos e trocas de acusações. A descoberta de reservas de petróleo na região em 2015 aumentou ainda mais a importância do território. A Guiana, com as maiores reservas per capita do mundo, iniciou licitações para explorar campos petrolíferos em águas rasas e profundas em 2022, o que Caracas rejeita.

Reivindicação antiga

A Venezuela reivindica há décadas o território do Essequibo, que, com seus 160 mil km², representa mais de dois terços da Guiana e cuja população de 125 mil é um quinto do total de mais de 800 mil.

De um lado, a Guiana se atém ao Laudo Arbitral de Paris, de 1899, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Do outro, a Venezuela se apoia em sua interpretação do Acordo de Genebra, firmado em 1966 com o Reino Unido, antes da independência guianesa, em que Londres e Caracas concordam em estabelecer uma comissão mista “para buscar uma solução satisfatória”, já que o governo venezuelano considerou o laudo de 1899 “nulo e vazio”.

(Com AFP e colaboração de Amanda Scatolini, do Rio, e Fabio Murakawa, do Valor Econômico)