Internacional
Pedidos de políticos, bombardeios e busca por brasileiros: telegramas do Itamaraty revelam tensão em conflito entre Israel e Hamas
A operação que resgatou brasileiros da Faixa de Gaza no dia 13 deste mês, foi precedida de momentos de tensão em meio à escalada do conflito entre Israel e Hamas. Telegramas do Escritório de Representação do Brasil em Ramallah, dentro do território palestino, e da Embaixada do Brasil em Tel Aviv, obtidos pelo GLOBO, revelam pedidos de políticos para auxiliar grupos que visitavam cidades da região, a preocupação com os bombardeios constantes e a busca por nacionais que precisavam ser retirados da zona de perigo.
7 de outubro
O primeiro telegrama sobre o conflito foi enviado ao Ministério das Relações já na manhã do dia 7 de outubro, mesmo dia em que integrantes do Hamas invadiram Israel e provocaram cenas de terror, como as mortes em uma festa rave.
No documento, o diplomata Fábio Moreira Farias, encarregado de negócios da Embaixada do Brasil em Tel Aviv, comunica que militantes palestinos em Gaza lançaram uma “ataque coordenado sem precedentes contra Israel”. Pouco antes das 7h, disse, centenas de mísseis atingiram praticamente todo o litoral centro-sul do país. “As estruturas de inteligência e segurança israelenses parecem ter sido pegas de surpresa e despreparadas para ataque dessas proporções”, escreveu.
8 de outubro
No dia seguinte, às 7h48, o Itamaraty recebeu um segundo telegrama de Moreira tratando das medidas adotadas para a prestação de assistência emergencial a brasileiros no país. No documento de quatro páginas, disse que, na noite anterior, recebeu uma ligação do ministro do Esporte, André Fufuca, solicitando apoio da embaixada a comitiva de três paratletas brasileiros cujo voo de partida havia sido cancelado pela Turkish Airlines. “A equipe consular da embaixada realizou contato com os nacionais para saber as condições em que se encontravam e oferecer-lhes ajuda. Nesta manhã, fui informado de que os atletas haviam conseguido comprar passagens da El Al e que partiriam hoje, às 21h00, para Bangkok”, escreveu.
O diplomata também informou ter sido contatado pelo gabinete do deputado federal carioca Aureo Ribeiro (Solidariedade), com pedido de ajuda para retirar um grupo de religiosos que estava de passagem por Israel. Segundo o diplomata, havia um grupo de 103 turistas abrigados no hotel Vert em Jerusalém, liderado pelos pastores Felippe e Mariana Valadão, da Igreja Batista da Lagoinha. “Na noite de ontem, fiz contato com o pastor Valadão para esclarecer dúvidas sobre a situação atual e oferecer apoio da embaixada. Tenho mantido contato frequente com a responsável pela logística do grupo desde então. O retorno está previsto para 10 de outubro, mas, à luz da situação de segurança, foram solicitados os préstimos da embaixada na hipótese de ser possível antecipar o retorno ao Brasil”, diz ele, acrescentando: “Registro que a embaixada recebeu pedido de apoio do gabinete do deputado Aureo Ribeiro, que consultou especificamente sobre a possibilidade de organizar voo da FAB para garantir a repatriação dos nacionais”.
Os religiosos desembarcaram no Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão, no dia seguinte, 11, e relataram alívio de estarem de volta. Mais de 200 fiéis da igreja foram até o Galeão para receber o grupo. A maior parte deles voltou em voo comercial.
Os primeiros telegramas do Escritório de Representação em Ramallah, na Cisjordânia, no dia seguinte ao início do conflito, também relatavam que a comunidade brasileira em Gaza, estimada em cerca de três dezenas de pessoas, estava mantendo contato com o posto por telefone ou grupo de WhatsApp. “Alguns nacionais, acompanhados de famílias com crianças, afirmam que os bombardeios são intensos e próximos a suas casas, e acreditam que aumentarão nas próximas horas, razão pela qual pedem auxílio urgente do governo brasileiro para facilitar sua evacuação pela fronteira com o Egito”, informou Roberto Gabriel Medeiros, encarregado de negócios.
Ele também contou que, da embaixada, era possível ouvir constantes explosões causadas pela interceptação de projeteis no ar pelo sistema de proteção antiaérea Domo de Ferro. “Sirenes foram soadas duas vezes na manhã de hoje, exigindo que a equipe da embaixada buscasse refúgio no abrigo do edifício em que se encontra a Chancelaria. Em "alerta laranja", grande parte do comércio e das escolas permanecem fechados”.
10 de outubro
Três dias após o início do conflito, o embaixador do Brasil em Tel Aviv, Frederico Salomão Meyer, encaminhou ao governo brasileiro um telegrama detalhando que a situação de tensão persistia do lado israelense. “Somente hoje, as sirenes foram ativadas por quatro vezes na região central da cidade, de modo que os funcionários da embaixada tiveram de refugiar-se sucessivamente no abrigo antimíssil no edifício sede da chancelaria”, escreveu o diplomata.
Do lado palestino, o Escritório de Representação do Brasil em Ramallah informava as “medidas adotadas pelo posto para a prestação de assistência consular emergencial a brasileiros que se encontram na Palestina durante o atual conflito entre Israel e Hamas”. “Até ontem à noite, o plantão consular desta representação foi contatado por 185 brasileiros, residentes na Palestina e turistas, que solicitaram orientações sobre medidas de segurança no contexto atual, e, principalmente, sobre como regressar ao Brasil. Há brasileiros questionando a possibilidade de familiares de primeiro grau palestinos serem evacuados de Gaza”, escreveu.
Na ocasião, o escritório em Ramallah escreveu que, após quatro dias de conflito , persistem os bombardeios israelenses em Gaza, com numerosas estruturas civis danificadas, por vezes sem aviso prévio. “O Hamas também mantém o disparo de foguetes, dois dos quais atingiram os arredores de Jerusalém. Grupo ameaça matar reféns, caso se mantenham os ataques a civis em Gaza.”
O telegrama destaca que a situação humanitária “agrava-se progressivamente”, e observadores no terreno relatam diversas violações ao direito internacional humanitário, principalmente ataques a residências e outras instalações civis sem aviso prévio para evacuação”. “Chama a atenção a capacidade do Hamas de sustentar, por diversos dias, o lançamento de milhares de foguetes a partir de Gaza, região submetida a rígido bloqueio há mais de 15 anos. Surpreende também o uso de drones pelos militantes palestinos, como o que desferiu ataque a tanque israelense no início da ofensiva.”
12 de outubro
Neste dia, o escritório em Ramallah informou que “alguns desses cidadãos (brasileiros em Gaza) tiveram suas casas destruídas ou danificadas por bombardeios israelenses, e que outros não se sentem seguros em permanecer onde estão residindo, o posto conseguiu abrigo na 'Rosary Sisters School', instituição educacional católica situada na cidade de Gaza”. “Assinalo que todos os hotéis e hospedarias da cidade se encontram ocupados ou não estão em funcionamento por causa do conflito”, diz o diplomata , informando ainda que o escritório, juntamente com a Embaixada em Tel Aviv, “coordenou a expedição de nota verbal que informa as autoridades israelenses sobre a instalação temporária dos brasileiros nas dependências da referida escola”.
No mesmo dia, relatou que os bombardeios israelenses à Faixa de Gaza persistiam. “Muitas pessoas estão presas sob escombros, o que gera incerteza sobre o número total de mortos. O acesso a diversas áreas é dificultado por escassez de equipamento apropriado e pelo estado precário das vias públicas, além da continuidade dos bombardeios.”
O escritório disse que a comunidade brasileira na Faixa de Gaza mantinha contato com o posto, por meio de canal no WhatsApp e do plantão consular, mas a falta de energia e problemas com a rede de internet tornam a situação incerta, podendo vir a dificultar a comunicação e até mesmo o processo de evacuação. “Parte da comunidade se deslocou para as dependências da escola católica 'Rosary Sisters' e agora se sente mais segura. A Embaixada em Tel Aviv comunicou o fato às autoridades israelenses, para que sejam evitados ataques ao local.”
O posto informou estar "oferecendo atendimento psicológico à comunidade, para atenuar as consequências dos bombardeios constantes sobre a saúde mental dos afetados”. “Muitos brasileiros seguem ansiosos para evacuar a região, por se sentirem ameaçados pelos ataques ininterruptos. Reclamam pela demora na autorização para cruzamento da fronteira."
13 de outubro
O escritório em Ramallah disse que a Faixa de Gaza seguia sem abastecimento público de energia e inteiramente sob cerco, por terra, céu e mar. “Não há meios, na atual circunstância, de levar itens básicos à região, e número crescente de organizações internacionais apela pela formação de corredor humanitário.”
O escritório informou que parte da comunidade se deslocou para as dependências da escola católica "Rosary Sisters". “Apesar da comunicação desse fato a autoridades israelenses, já foram registrados bombardeios nas imediações, sem registros de ferimentos de nacionais. A escola está sem luz. A demanda de evacuação do norte da Faixa, por parte de Israel, trouxe o caos à região.”
15 de outubro
Uma semana após o início do conflito, a representação em Ramallah reforçou que a comunidade brasileira na Faixa de Gaza estava em contato permanente com o posto, por meio de canal no Whatsapp e do plantão consular. “Em mensagens enviadas na manhã de hoje (15/10), os nacionais disseram estar em segurança, embora ansiosos pela possibilidade de evacuação. O posto trabalha para identificar outros brasileiros em Gaza que ainda possam eventualmente desejar ser evacuados”, disse.
24 de outubro
Na ocasião, a representação brasileira atualizou a situação em Gaza, destacando que o acesso à água potável permanecia difícil. “Apesar das entregas humanitárias realizadas desde a retomada das operações do posto de Rafah, a ameaça de insegurança alimentar permanece grave. Apenas 5 das 24 padarias contratadas pelo PMA estão operacionais. Os estoques no comércio são suficientes para poucos dias, e há persistentes dificuldades de distribuição por parte dos atacadistas, em razão da escassez de combustível e da insegurança das rotas.”
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