Internacional
Poder, dinheiro e vingança: mulheres ganham espaço no crime organizado do México
Segundo estudo, cartéis se aproveitam do fato de as mulheres não estareb no radar das autoridades para ampliar suas atividades ilegais, que vão de extorsões a sequestros
O número de mulheres acusadas por delitos relacionados aos cartéis do México subiu de 5,4% em 2017 para 7,5% em 2021, indicando que a presença feminina em organizações criminosas deve ser cada vez maior no país, segundo o relatório "Parceiras no crime: a ascensão das mulheres nos grupos ilegais no México", do International Crisis Group.
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De acordo com o estudo, os cartéis mexicanos chegam a recrutar um total de quase 7 mil novos membros por ano. Muito além de dinheiro, as mulheres são atraídas pela sensação de poder, proteção e, em alguns casos, vingança contra abusadores — no ano passado, os índices de violência de gênero crescerem 70%, e um em cada quatro homicídios de mulheres foi classificado como feminicídio.
"Algumas entram para grupos criminosos porque eles lhes oferecem vingança depois de serem abusadas, o que é difícil de obter no sistema de justiça", explica a autora da pesquisa, Angélica Ospina, em entrevista ao GLOBO. "Essa necessidade de proteção é muito importante. Elas dizem que estão cansadas de serem vitimizadas."
Feito a partir de entrevistas com mulheres que já foram ou são ativas em organizações criminosas, análise de dados do censo prisional e reportagens, o estudo mostra que elas ocupam diferentes posições dentro dos grupos, que vão desde a roubo de carros à gestão dos negócios.
"Entrevistadas disseram que o furto de automóveis é um crime bem remunerado e flexível, que pode ser combinado com os cuidados dos filhos", diz o relatório. "Outras acabam como traficantes, supervisoras de redes locais de distribuição de drogas ou assassinas."
De acordo com a pesquisa, 66% das mulheres que já foram condenadas têm ao menos um filho — aspecto muitas vezes definidor de sua entrada no crime, já que, com a maternidade, buscam aumento de renda. Antes de serem presas, metade delas ganhava menos de US$ 275 (R$ 1.346) por mês, valor inferior ao salário mínimo no México.
Invisibilidade
Como enfrentam constantes mortes e detenções de seus membros, os cartéis continuamente precisam repor seu número de integrantes. Para esses grupos, diz Ospina, o recrutamento de mulheres traz vantagens por causa dos estereótipos de gênero, aumentando a chance de realizar extorsões e sequestros de forma mais bem-sucedida.
"Os grupos criminosos capitalizam os estereótipos de gênero, como a habilidade de ser invisível", destaca Ospina. "Ao contrários dos homens, essas mulheres são discretas porque precisam sobreviver e sabem que seus filhos as esperam."
Por outro lado, a maternidade também é um complicador para as damas do crime. Quando tentam sair das organizações criminosas, as crianças são as primeiras a serem ameaçadas, afirma a autora mexicana. Se acabam mortas ou presas, seus filhos geralmente ficam desamparados e, muitas vezes, são também recrutados pelos cartéis.
"Quando as mães acabam atrás das grades, é mais provável que seus filhos também entrem para o crime, principalmente quando não têm cuidadores alternativos", afirma a pesquisa. "Em outros casos, as crianças veem o status e os salários que suas mães recebem por trabalharem em organizações criminosas e imitam suas escolhas."
O caminho até o crime
De acordo com o estudo, grande parte das mulheres que ingressam no crime vem de um contexto de vulnerabilidade social e violência. Uma em cada cinco entrevistadas afirmaram ter sido abusadas física, emocional e/ou sexualmente por um parente durante a infância. Além disso, 13% ficaram órfãs quando eram crianças.
"O envolvimento com o crime organizado faz parte de uma violência contínua a qual elas e suas comunidades foram expostos", afirma a pesquisa. "Elas começaram a se envolver com grupos criminosos na adolescência, iniciaram o uso de substâncias ilícitas entre 12 e 13 anos, e a maioria deu à luz seu primeiro filho antes dos 18 anos."
Ospina destaca que é comum o contato com o crime organizado começar ainda na escola. Em geral, elas são aliciadas por parceiros românticos ou pessoas envolvidas com o tráfico de drogas, e os primeiros atos criminosos sequer são remunerados. Com o tempo, são treinadas a vender, roubar, atirar e, conforme avançam na hierarquia, envolvem-se em práticas cada vez mais violentas.
"Desde muito jovem, entendi que você tem duas opções: ou se torna uma 'cabrona' ou se ferra", disse uma das entrevistadas pelo Crisis Group. "Não é como se você dissesse: 'Ah, vou ser uma bandida', mas você percebe que não pode andar por aí ingenuamente, que se quiser viver tem de saber como se defender e saber com quem está. Uma coisa leva a outra, e você acaba assim."
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