Internacional

Guerra Israel x Hamas completa 50 dias; saiba o que é o conflito na voz de suas principais vítimas, os civis

Perda, abandono, falta de perspectiva, dor: os relatos de quem tem a violência como realidade traçam um cenário íntimo de uma guerra que afetará a região por gerações

Agência O Globo - 24/11/2023
Guerra Israel x Hamas completa 50 dias; saiba o que é o conflito na voz de suas principais vítimas, os civis
israel - Foto: Reprodução

Com a guerra entre Israel e Hamas chegando ao 50º dia, o acordo firmado para a troca de 50 reféns israelenses por prisioneiros palestinos em poder de Israel, além do estabelecimento de um breve porém aguardado cessar-fogo, traz uma perspectiva, mesmo que remota, de resolução das hostilidades. Novos acertos podem ser anunciados em breve, assim como planos para o futuro de Gaza, de Israel e de todos que ali vivem.

Longe da pompa do cerimonial, dos discursos delicadamente preparados, ternos cortados por mãos habilidosas e flashes incessantes nas coletivas, dezenas de milhares de pessoas não terão a chance de ver o fim da guerra. Desde o ataque do Hamas no 7 de outubro, a morte se tornou comum como o ar ou o sol que teima em se pôr no Mediterrâneo: do lado de Israel, foram 1,2 mil mortos; em Gaza, mais de 14 mil. Aos que vivem, ficou a dor de perder o amor de uma vida, de não saber onde estão pessoas queridas ou da completa incerteza sobre o dia de amanhã. Em homenagem a essas vozes que nem sempre encontram lugar junto aos ouvidos de quem decidirá seus futuros, o GLOBO reproduz algumas delas, assim como suas histórias.

Desde a manhã do 7 de outubro, a vida de Orit Meir está suspensa: seu filho, Almog, de 21 anos, estava entre os jovens sequestrados pelo Hamas em um festival de música eletrônica perto da divisa com a Faixa de Gaza, onde ocorreu um dos piores massacres daquele dia. Em um evento na embaixada de Israel em Londres, em meio a lágrimas, ela pressionou as autoridades para que consigam a libertação das mais de 200 pessoas capturadas. O acordo firmado na terça-feira para que 50 dos sequestrados sejam libertados não lhe traz alento imediato: o texto prevê que apenas mulheres e crianças estarão nas levas iniciais.

Jamil al-Agha, morador da Faixa de Gaza, não precisou expressar com palavras a dor — talvez a maior que um ser humano possa sentir — de segurar nos braços um de seus dois filhos mortos em um bombardeio israelense em Khan Younis. Em uma das áreas mais densamente povoadas do planeta, as crianças são as maiores vítimas da guerra. Segundo números das autoridades sanitárias de Gaza, dos 14,8 mil mortos no território, 6.150 são menores — na prática, uma em cada 200 crianças que foram dormir no dia 6 de outubro em Gaza está morta hoje. Agora, Jamil al-Agha precisará ostentar uma das palavras mais dolorosas da língua árabe, mais antiga que o próprio Islã: "thakla" (ثكلى), um pai ou mãe que perdeu um filho.

O ataque ao kibutz Nir Oz foi um dos episódios mais sangrentos do 7 de outubro. A comunidade, fundada em 1955, tinha cerca de 400 moradores, e alguns viviam ali desde os primeiros dias de funcionamento. Quando os militantes do Hamas chegaram, um pesadelo se tornou realidade. Um relatório divulgado no dia 16 de novembro pelo Canal 12, de Israel, mostra que 38 pessoas morreram e 75 foram levadas para a Faixa de Gaza. O refeitório do kibutz, um centro da vida social, se tornou local de homenagem aos que se foram, ou àqueles cujos destinos pouco ou nada se sabe. Contudo, duas moradoras de Nir Oz ganharam a liberdade antes do acordo de terça-feira: Yocheved Lifshitz, de 85 anos, e Nurit Yitzhak, de 80 anos, voltaram para casa no dia 23 de outubro.

"Para sua segurança, você deve evacuar seu local de residência e se dirigir para abrigos conhecidos. Qualquer pessoa que esteja perto de terroristas ou de suas instalações coloca sua vida em risco, e todas as casas usadas por organizações terroristas serão alvos de ataques". Desde o início da guerra, Israel vem jogando panfletos em áreas civis de Gaza, ordenando que os moradores saiam de casa e sigam para áreas consideradas mais seguras. Em muitos casos, significou uma jornada rumo ao Sul do território, deixando para trás vidas, histórias, raízes, sem qualquer garantia de retorno. Mas mesmo áreas na fronteira com o Egito, como Rafah, sofreram ataques, e viram prédios e casas se tornarem pilhas de escombros em segundos. Como diz uma frase repetida por moradores, observadores e jornalistas, "não há mais lugar seguro em Gaza".

Antes do estouro da guerra, o premier Benjamin Netanyahu era uma das pessoas mais detestadas de Israel, e que, na opinião de políticos, analistas e parte da sociedade civil, estava levando o país a uma crise com desfechos imprevisíveis. Com o 7 de outubro, ficou evidente a falha catastrófica de segurança do governo, que parecia, ao lado de seus aliados extremistas, mais preocupado em apoiar ataques de colonos na Cisjordânia contra palestinos do que proteger as fronteiras contra o Hamas. Ao contrário do que geralmente acontece com líderes em tempos de guerra, a popularidade de Netanyahu despencou, e os pedidos de renúncia imediata se acumulam. Uma dessas vozes contra o governo é o movimento das famílias de reféns do Hamas — o premier é chamado de incompetente por demorar tanto a trazer filhos, mães, pais e amigos de volta, e por continuar bombardeando Gaza mesmo com o risco de matar os capturados. O Hamas tem dito que alguns dos reféns morreram em meio à ofensiva, mas isso não foi confirmado por fontes independentes.

E qual a perspectiva para um território que, mesmo antes dos devastadores bombardeios, já era considerado uma prisão a céu aberto, com condições desumanas de vida, e onde 80% dos mais de 2 milhões de moradores dependiam de ajuda para sobreviver, segundo números da ONU? E para as crianças que sobreviveram aos bombardeios e descobriram que estão sozinhas no mundo? Os planos para a reconstrução de Gaza são apenas conceitos que circulam em meios acadêmicos e burocráticos estudos governamentais — eles vão de ideias concisas para o estabelecimento de uma autoridade comandada pelos palestinos até a reocupação do território por Israel e a expulsão da população árabe da região, algo defendido por ministros de Netanyahu. Enquanto isso, uma geração inteira se encontra em um limbo.

Muitas vezes, aqueles que arriscam a vida para levar as vozes da guerra para o mundo se tornam as vítimas. De acordo com números do Comitê para a Proteção de Jornalistas, 53 profissionais da imprensa morreram desde o 7 de outubro: 46 palestinos, quatro israelenses e três libaneses. Outros 11 ficaram feridos, três estão desaparecidos e 18 foram presos. Os dois lados do conflito — Israel e Hamas — dizem não poder garantir a segurança dos jornalistas, especialmente em Gaza, tampouco de suas famílias. Wael Dahdouh, experiente repórter da rede Al Jazeera, estava no ar quando recebeu a notícia de que sua mulher, sua filha, seu filho e seu neto morreram um bombardeio no campo de refugiados de Nuseirat, na região Central de Gaza. Ele voltou ao trabalho dias depois, apesar da ferida que dificilmente será cicatrizada.