Internacional
Brasil, China e o Papa: depois dos ataques da campanha, chegou a hora de Milei aceitar o pragmatismo?
Ao menos em contatos iniciais, presidente eleito parece tentar abrir portas fechadas nos últimos meses e anos; nas redes sociais, usuários dizem que 'o leão virou gatinho'
Em uma enérgica entrevista ao jornalista peruano Jaime Bayly, no começo de novembro, o então candidato à Presidência da Argentina Javier Milei, foi enfático ao responder se aceitaria se encontrar com o presidente do Brasil, Lula, caso fosse eleito.
— Não. Ele é comunista e corrupto. Por isso foi preso. Da minha parte, como chefe de Estado, meus aliados são os Estados Unidos, Israel e o mundo livre.
Cautela no Brasil: Fazenda entende que Milei moderou discurso para vencer eleições e deve manter Argentina no Mercosul
Ilhas Malvinas: Milei quer retomar posse do arquipélago sob controle do Reino Unido
As urnas foram favoráveis ao político de extrema direita, que também parece ter mudado de ideia sobre o encontro. Na quarta-feira, disse que Lula "será bem recebido" caso decida ir a Buenos Aires para sua posse, no mês que vem, e nos bastidores há movimentações para que isso aconteça. No mesmo dia, enviou uma carta ao presidente da China, Xi Jinping, desejando "os mais sinceros votos de bem-estar do povo da China". Em setembro, em entrevista ao jornalista Tucker Carlson, disse que "não faria negócios" com Pequim, hoje o maior parceiro comercial da Argentina.
Embora seja cedo para apontar uma mudança de rota de Milei, conhecido por sua retórica agressiva contra os que vê como adversários de sua visão de mundo, as primeiras declarações depois da vitória parecem sugerir um choque de realidade. Especialmente em um mundo complexo como o atual. Veja alguns destes momentos de "antes e depois" da eleição de Javier Milei.
'Comunista' e 'ladrão'
O caso de Lula é o mais emblemático. Antes da campanha começar, Milei dizia se considerar um "amigo pessoal" de Jair Bolsonaro, e tratava Lula como um pária, usando o termo "comunista" com conotação negativa. Com o início da disputa, o apoio do Palácio do Planalto a seu rival, Sergio Massa, jogou combustível na fogueira, e o discurso anti-Lula ganhou corpo, como na entrevista a Jaime Bayly e, após eleito, com o convite a Bolsonaro para a posse. Lula não citou o nome de Milei na mensagem de domingo, apenas parabenizou a "democracia argentina" — Celso Amorim, assessor especial da Presidência, disse que Lula provavelmente não vai à posse, e Paulo Pimenta, ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, afirmou que Milei tinha que se desculpar pelo que disse.
Mas como apurou o GLOBO, os contatos entre diplomatas e assessores dos dois lados da fronteira estão intensos para aparar arestas e talvez conseguir que Lula vá a Buenos Aires. Milei também deu sinais de que pode rever as críticas ao brasileiro, afirmando que ele "será muito bem recebido". Outra evidência de que não haverá uma ruptura com Brasília é a provável manutenção de Daniel Scioli como embaixador no Brasil. Scioli é kirchnerista e disputou a Casa Rosada contra Mauricio Macri, aliado de Milei, em 2015.
'Não farei negócios com comunistas'
Uma parte importante da retórica de Milei como figura pública é a temática anticomunista, mesmo 32 anos depois do fim da União Soviética. Portanto, não surpreendeu que a China, que desenvolveu seu próprio modelo de comunismo, fosse um alvo preferencial. Em entrevistas, defendeu romper laços com Pequim e deixar de fazer negócios com os chineses (apesar do país ser um dos maiores parceiros comerciais da Argentina). Mas o que se viu desde domingo sugere uma correção de rota — ainda mais depois que o governo chinês declarou que mudar o status das relações com Pequim e com o Brasil seria um "grande erro"
Na quarta-feira, a mídia estatal chinesa divulgou uma carta enviada pelo presidente Xi Jinping a Milei o parabenizando pela vitória, apontando que ambos "aderem sempre ao respeito mútuo, à igualdade de tratamento, ao benefício mútuo e aos ganhos compartilhados". Em uma rede social, Milei agradeceu a mensagem e enviou "os mais sinceros votos de bem-estar do povo da China".
Análise: Argentina de Milei não deve romper com Mercosul, avaliam empresários e especialistas brasileiros
Assim como no Brasil, o diálogo entre Pequim e a equipe do presidente eleito começou antes da eleição: segundo o South China Morning Post, a futura chanceler, Diana Mondino, reiterou aos chineses, ainda em outubro, o desejo de expandir as relações, afastou o risco de ruptura e sinalizou que poderia rever a posição de não aceitar o convite para integrar um Brics expandido.
— Nos mostrem algo que faça [o Brics] interessante e talvez possamos pensar nisso — disse Mondino, citada pelo South China Morning Post.
'Ele está do lado de ditaduras sangrentas'
Outro alvo recorrente foi o Papa Francisco, o primeiro pontífice argentino, e que não é unanimidade entre católicos conservadores. Na entrevista a Tucker Carlson, disse que “o Papa joga politicamente, tem forte ingerência política e demonstrou grande afinidade com ditadores como [Fidel] Castro e [Nicolás] Maduro, ele está do lado de ditaduras sangrentas”. Os comentários foram mal recebidos pela Igreja na Argentina, e o padre Mariano Oberlin, conhecido pelo trabalho social realizado no país, o chamou de "pessoa desequilibrada emocionalmente".
Na terça-feira, as rusgas parecem ter sido amenizadas. Francisco telefonou a Milei para parabenizá-lo, e os dois tiveram uma conversa "agradável", de cerca de oito minutos, durante os quais falaram sobre a pobreza e os planos de Milei para a área social. O presidente eleito convidou o pontífice para uma visita, que seria a primeira desde que se tornou o chefe da Igreja Católica. Ainda não se sabe se a visita, caso confirmada, ocorreria no ano que vem, e se seria em caráter politico ou religioso.
'De leão a gatinho'
Mas como tudo em política, é impossível deixar todos felizes. A resposta diplomática de Milei a Xi Jinping foi duramente criticada nas redes sociais por alguns de seus apoiadores:
"De LEÃO [símbolo de campanha] a gatinho. Milei, o falso patriota antissistema, que se reúne com o papa globalista e agradece [Luis] Almagro, [secretário-geral] da OEA [Organização dos Estados Americanos]", disse um usuário no X (antigo Twitter), que se apresenta como alguém "contra a agenda ditatorial globalista da ONU e do Fórum Econômico Mundial".
Outro também se declarou decepcionado com as primeiras ações do presidente eleito.
"Não decepcione seus eleitores, Milei. No começo da campanha rugia como um leão, ultimamente parece mais um gato", disse o usuário, reagindo a uma postagem na qual Milei listava algumas das mensagens que havia recebido do exterior, entre elas a do Papa Francisco.
Curiosamente, a metáfora do "leão" e do "gatinho" foi feita pela primeira vez por uma adversária, Myriam Bregman, da Frente de Esquerda. No debate do dia 1º de outubro, no primeiro turno, ela disse que Milei, que se apresentava como um leão, capaz de revolucionar a política argentina, estava se aliando a nomes conhecidos do eleitorado, como o ex-presidente Mauricio Macri. E emendou com a frase emblemática:
— Milei não é um leão, é um gatinho mansinho do poder econômico.
Mais lidas
-
1LUTA PELA POSSE
Pequenos agricultores de Palmeira dos Índios se mobilizam para não perder suas terras
-
2CAMPEONATO ALAGOANO
CSE está sem caixa para pagar jogadores; clube estreia diante do CSA neste domingo
-
3POLICIAL FOI ATINGIDA
Agente socioeducativo morre em troca de tiros com a PC, na Praça dos Martírios, centro de Maceió
-
4FUTEBOL
Fortaleza contrata Kuscevic, ex-Palmeiras, de forma definitiva e cede Bruno Melo ao Coritiba
-
5ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Pai é preso acusado de estuprar filha menor de idade, na cidade do Pilar