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Culpado, eu? Nunca... Sou inocente.
Dias atrás vitimado por fortíssima crise de labirintite, fui à Santa Casa de Misericórdia onde, após atendido pela doutora plantonista, me acomodaram em confortável poltrona. Em seguida, ali compareceu enfermeira de aspecto atraente, apesar do aparente cansaço, talvez devido ao expediente noturno que certamente enfrentara, pois o sol ainda dormia, quando lá cheguei. Trazia nas mãos um fino cateter que, segundo ela, seria necessário colocar em meu braço para aplicação do medicamento.
Olhei para seus olhinhos imaginando que, assim como das mãos dos artistas surgem, pétalas alaranjadas, nuvens de algodão ou paisagens belíssimas, o mesmo aconteceria vindo daquela doçura que se dispunha a me cuidar. Começou: furou aqui, ali e acolá... e eu olhando. Espetou novamente e mais uma vez, até que então por fim, com a agulha toda cravada em meu antebraço, perguntou se estava doendo. Respondi que sim. Ela, demonstrando segurança, somente disse: “O senhor deve estar muito desidratado pois não encontrei nenhum pingo de sangue em suas veias. Vou chamar a chefe”. Graças a Deus, a substituta facilmente concluiu o serviço.
O que mais me chamou a atenção neste episódio, foi que, claramente, para a primeira profissional, o culpado de tudo, fora eu próprio, pois segundo seu veredito, possuía pouco tecido conjuntivo líquido em meu corpo, sendo ela, visivelmente, inocente. Permaneci bom tempo naquele local, o suficiente para meditar sobre o que ocorre no Brasil e no mundo, onde a violência, a crueldade, a corrupção e a maldade, além da hipocrisia, parecem haver tomado conta de tudo. E o pior, os grandes geradores deste caos sempre se dizem singelos e inofensivos.
Me imaginei entrevistando as grandes figuras da república e honoráveis empresários das últimas décadas, e também eminentes políticos, ditadores das regras e leis do país onde vivemos. Imaginei que nem no paraíso existiria lugar para tantos inocentes. E, o mais interessante, nem mesmo os delatores, até há bem pouco tempo financiadores e viabilizadores dos lautos banquetes, alimentando a infinda ganância dos seus achacadores, se dizem culpados, mas sim vítimas da máquina de moer gente, retratando o meio corrompido no qual vivem. Os juízes são inocentes, os padres também, até o ladrãozinho pé de chinelo não hesita em excomungar quem o ousa alcunhar de culpado.
Tempos atrás, lendo um dos muitos trabalhos de Zibia Gasparetto, cheguei à conclusão de que a verdade é que cada ser humano, é possuidor de determinado nível próprio de consciência, agindo de acordo com sua própria escala. Será inútil exigir-se de alguém algo que ainda não pode dar. Quanto aos erros, eles representam degraus necessários à aprendizagem. De repente, culpar alguém por isso, é injusto e ineficaz.
Então assumo que, de repente hoje, em seus níveis de atuação, sejam profissionais liberais, ambulantes, diplomatas ou militares, são realmente inocentes. Eu também me acho inocente. E você? Se até eles são, imagine nós!!!
PS. Fiquei curado da labirintite, mas continuo triste, pelo fato de minha doce enfermeira, inocentemente, haver prognosticado que, em minhas veias, não corria sangue. Já pensou!!!!!
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