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Milei plagiou trechos inteiros de artigo em seu livro 'Pandenomics', aponta denúncia contra candidato argentino

Processo corre na Justiça do México desde 2022, mas não é um caso isolado na carreira do político ultradireitista

Agência O Globo - 17/11/2023
Milei plagiou trechos inteiros de artigo em seu livro 'Pandenomics', aponta denúncia contra candidato argentino
Milei - Foto: Reprodução

O cientista mexicano Salvador Galindo Uribarri não sabia quem era Javier Milei, candidato à presidência da Argentina, até ser contatado por um jornalista em maio do ano passado. Foi então que o pesquisador percebeu que um artigo que ele havia escrito com dois colegas, Mario Rodríguez Mesa e Jorge Luis Cervantes Cota, havia sido plagiado em “Pandenomics”, um livro lançado pelo político argentino da direita radical em 2020, seis anos após a publicação do texto original. Dias depois, Galindo Uribarri comprou o livro para ver com seus próprios olhos. Havia parágrafos e parágrafos da introdução, das passagens históricas para tornar a leitura mais agradável e das equações que ele incluiu para deixar claro seu ponto de vista. Tudo havia sido copiado por Milei. E, naquele momento, ele decidiu que não ficaria de braços cruzados e que tomaria medidas legais.

De acordo com a denúncia, à qual o El País teve acesso, “a parte substancial do artigo mencionado aparece reproduzida sem autorização prévia e expressa no livro. Isso, por si só, supostamente constitui um crime”.

— Em um primeiro momento, o plágio nos causou hilaridade, mas depois, surpresa: o surpreendente é que ele nem sequer tentou parafrasear o texto — disse Galindo Uribarri, autor principal de “Las matemáticas de las epidemias: caso México 2009 e outros”, à revista argentina Noticias.

O físico, que tem doutorado pela Universidade de Oxford, reuniu-se com os jornalistas Tomás Rodríguez e Juan Luis González em 17 de maio de 2022. Cinco dias depois, apresentou uma queixa legal, não apenas em nome dos autores afetados, mas também em nome da Universidade Autônoma do Estado do México, que publicou o texto original na revista “Ciencia ergo sum” no início de 2014.

— O problema é que nunca havia passado de uma queixa. A ideia é ir até o fim — afirmou o cientista de 72 anos, que, no entanto, morreu de câncer em 3 de setembro de 2022, quatro meses depois de dar a entrevista.

Para a viúva de Uribarri, Susana Bianconi, “ele foi ofendido até os ossos”.

— O oportunismo de Milei era evidente, o que ele fez diz muito sobre seu descaramento, sua baixeza, seu desprezo por outras pessoas e por seu trabalho — disse ela, na Argentina. — Imagino que ele deve ter colocado uma equipe de estudantes para fazer o copy paste e que nem sequer leu, considerando que ele copiou tudo, até mesmo as anedotas que meu marido usava para entreter o leitor.

Exemplos numerosos

Na denúncia, os dois textos são comparados em duas colunas: o original — sobre as estatísticas de epidemias — e o de Milei — sobre a pandemia do coronavírus.

“Em uma manhã de maio de 1665, George Vicars, um alfaiate do pequeno vilarejo de Eyam, na Inglaterra, recebeu uma encomenda de Londres", escreveram Galindo Uribarri e seus dois coautores na introdução. Milei copiou a mesma frase e apenas acrescentou a palavra “durante” no início da sentença, conforme registrado na versão eletrônica do “Pandenomics”.

"Os seres humanos são gregários, uma condição que inevitavelmente tornou as epidemias recorrentes ao longo de nossa história", destacam os autores mexicanos, citando o historiador J. N. Hays. Milei alterou apenas ligeiramente a ordem da frase e não fez nenhuma referência.

Os exemplos são tão numerosos que ocupam quase 10 páginas do relatório jurídico. O portal Copy Leaks, que compara as coincidências entre dois textos, mostra que o início do segundo capítulo do livro de Milei é 99,6% uma cópia fiel da introdução do artigo “Science ergo sum”. Outras ferramentas antiplágio, como o software Duplichecker, detectam que as falas de Milei realmente vêm do artigo de Galindo Uribarri.

Milei também usa parágrafos inteiros para explicar modelos matemáticos, usa equações com os mesmos numerais que os seus e o mesmo design para os gráficos, aponta a denúncia. O político do A Liberdade Avança até mesmo manteve o uso da primeira pessoa do plural, como fizeram os cientistas, para detalhar os resultados: observamos, sublinhamos, perguntamos.

Há, entretanto, uma diferença crucial entre os dois textos. O texto mexicano está disponível gratuitamente. O livro de Milei, publicado pela Galerna, é vendido por US$ 18,95 (cerca de R$ 92) na Amazon e US$ 9,99 (aproximadamente R$ 49) na versão eletrônica.

“Milei vende seu livro, cujos royalties não entram nos cofres da Universidade Nacional Autônoma do México quando deveriam, causando possíveis danos financeiros", diz a denúncia.

Outras denúncias

As acusações de plágio têm sido uma sombra que acompanha Milei ao longo de sua carreira, desde publicações acadêmicas até sua própria autobiografia e anúncios de campanha.

— Javier, não posso citar suas referências adequadamente porque no último livro que você escreveu, há três alegações de plágio — disse-lhe o candidato governista Sergio Massa no debate presidencial do último fim de semana, o último cara a cara antes de mais de 35 milhões de argentinos irem às urnas neste domingo para eleger seu próximo presidente.

No ano passado, o jornal Perfil publicou a mais extensa investigação jornalística sobre o plágio de “Pandenomics”. O livro também se baseia em Antonio Guirao, físico da Universidade de Murcia, da Espanha, e Gita Gopinath, economista do Fundo Monetário Internacional, entre outros.

— Não é que tenha feito uma citação, foi um copiar e colar completo, parágrafos e parágrafos copiados — disse Guirao ao El Confidencial esta semana.

Seu caso vai além: Milei não apenas roubou sua pesquisa, mas também distorceu suas conclusões e interpretou os resultados para justificar seus próprios pontos de vista.

O entorno do político antissistema minimizou todas as alegações de plágio ou culpou o "nervosismo" que ele desperta em seus oponentes.

— Só me lembro de uma declaração verbal que Milei fez no ano passado sobre o fato de ter poucas páginas, como se dissesse “do que eles estão reclamando?” — disse Bianconi, a viúva de um dos autores.

Nessa ocasião, a equipe de Milei não fez comentários.

No final de agosto, Ramiro Vasena, pré-candidato da aliança Liber.AR, apresentou uma queixa de plágio em um tribunal de Buenos Aires contra Milei por “Pandenomics”, que ele descreveu como "um plagiador compulsivo", de acordo com a mídia argentina. Bianconi, no entanto, não estava ciente desse caso, nem sabia sobre o andamento do processo no México.

— O e-mail e o telefone do meu marido morreram com ele. Se ele recebeu uma resposta, eu nunca saberei — lamentou Bianconi. — Não sinto que tenho o direito de fazer isso por ele — admite ela sobre a possibilidade de prosseguir com a batalha legal.

O El País entrou em contato com a Universidade Nacional Autônoma do México, que não comentou o assunto antes da publicação desta reportagem.

— A Justiça é muito lenta — disse Galindo Uribarri ao Noticias.

Um ano após sua morte, sua esposa se lembra dele como o homem brilhante que entendia a ciência como uma grande sinfonia; o divulgador que admirava Einstein e era obcecado por entender o universo; o companheiro de vida que lhe deixou uma esplêndida biblioteca e compartilhava com ela seu amor pela natureza. Bianconi ainda ri ao lembrar de seus livros ou transborda de emoção ao falar sobre física. Um legado que não pode ser imitado ou roubado.