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Reservas de urânio enriquecido estão 22 vezes acima do limite, diz agência nuclear da ONU

Relatório consultado pela AFP confirma que país expandiu ritmo de enriquecimento de material nuclear após o virtual fim do acordo firmado em 2015

Agência O Globo - 15/11/2023
Reservas de urânio enriquecido estão 22 vezes acima do limite, diz agência nuclear da ONU
Jefferson Rudy/Agência Senado - Foto: Em pronunciamento, via videoconferência, senador Eduardo Girão (Novo-CE).

Um relatório da Agência Nuclear de Energia Atômica (AIEA), consultado pela AFP nesta quarta-feira, aponta que o Irã armazenou um volume de urânio enriquecido cerca de 22 vezes maior do que o limite estabelecido por um acordo internacional firmado em 2015 mas que, hoje, é um texto virtualmente moribundo.

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Segundo o informe, o Irã tinha, no dia 28 de outubro, 4.486,8 kg de urânio enriquecido estocados dentro do país, contra 3.795,5 kg em meados de agosto. Pelo acordo de 2015, o limite permitido era de 202,8 kg. Em um outro relatório, obtido pela agência Reuters, também nesta quarta-feira, a agência ligada à ONU aponta que o volume de urânio enriquecido a 60% de pureza chegou a 128,3 kg em outubro, 6,7 kg a mais do que o relatado em setembro — esse volume está incluído no total de material nuclear enriquecido registrado pela AIEA.

Além da quantidade total de material nuclear, a agência da ONU vem mostrando preocupação com os avanços do país no grau de enriquecimento. No começo do ano, a AIEA apontou que partículas de urânio chegaram a ser enriquecidas a 83,7% de pureza na instalação de Fordo, grau próximo ao apontado como necessário para uso militar, de mais de 90%. Segundo definição da agência, são necessários no mínimo 42 kg de urânio enriquecido a 90% para uma bomba atômica.

Firmado em 2015 por Irã, EUA, Rússia, China, Alemanha, França, Reino Unido, além da União Europeia, o chamado Plano de Ação Conjunta Global foi considerado, na época, um importante marco no combate à proliferação nuclear. Pela proposta, o Irã concordava se submeter a limites sobre o grau de enriquecimento de urânio — de 3.67%, apenas na unidade de Natanz — e sobre o volume de material nuclear armazenado no país, de 202 kg. O excedente seria enviado para fora do país.

Em troca, os signatários concordavam em suspender as sanções relacionadas ao programa nuclear iraniano, e que, combinadas com outras medidas ligadas ao programa de armas e violações dos direitos humanos, impunham sérios problemas à economia local. O país também seria reintegrado aos mecanismos usuais de comércio exterior, permitindo uma integração plena à economia global. No primeiro ano de acordo, o PIB iraniano deu um salto de 8,8%, segundo o Banco Mundial.

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Contudo, a chegada de Donald Trump à Casa Branca significou o fim do acordo, com a retirada dos EUA do plano e a aplicação de sanções ainda mais duras, uma política conhecida como "pressão máxima", e que, apesar das promessas de campanha, foi mantida pelo democrata Joe Biden. O Irã, por sua vez, deixou aos poucos de cumprir suas obrigações, e a chegada do conservador Ebrahim Raisi à Presidência confirmou uma mudança de rota completa, com o plano hoje virtualmente abandonado por todos seus signatários.

Hoje, a AIEA ainda tenta evitar o pior cenário, que seria um Irã nuclear em um Oriente Médio cada vez mais instável, e busca obter acordos para garantir um nível mínimo de inspeções em instalações nucleares, incluindo com o acesso de inspetores e a instalação de câmeras, mas os avanços ocorrem a conta-gotas. No documento obtido pela AFP, a agência se queixa do veto recente imposto a alguns de seus representantes no Irã a unidades nucleares, medida chamada de "injustificada" e "sem precedentes". Teerã respondeu que está apenas "exercendo seus direitos".

Oficialmente, o Irã afirma que seu programa nuclear tem fins puramente pacíficos, e o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do país, com frequência cita uma "fatwa" (decreto religioso islâmico) que veta explicitamente o uso de armas de destruição em massa, incluindo as nucleares.