Internacional

Grupo de Gaza chega ao Brasil e premia esforço do governo em repatriação da guerra

Ministério da Secretária Comunicação Social (Secom) enxergou no plano uma forma de melhorar a imagem do governo com relação ao conflito após bolsonaristas tentarem vincular o Hamas ao PT

Agência O Globo - 14/11/2023
Grupo de Gaza chega ao Brasil e premia esforço do governo em repatriação da guerra
israel - Foto: AGENCIA BRASIL

A chegada a Brasília dos brasileiros que estavam na Faixa de Gaza deve encerrar a operação de repatriação de Israel e dos territórios palestinos, plano explorado ao máximo pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desde o início do processo de retirada dos cidadãos nacionais das regiões de conflito, o Ministério da Secretária Comunicação Social (Secom) enxergou no plano uma forma de melhorar a imagem do governo com relação ao conflito, diante de uma ofensiva de bolsonaristas nas redes sociais que tentava vincular o PT ao grupo terrorista.

Veja mais: Lula recepciona grupo de 32 pessoas repatriadas de Gaza e critica ofensiva de Israel no enclave: 'Ato de terrorismo'

Brasileira repatriada de Gaza: 'Achei que fosse morrer'

Batizada de “Voltando em Paz”, foram dez voos no total com destino ao Brasil que trouxeram 1.477 passageiros. A operação teve início um dia depois do ataque do grupo terrorista Hamas com o cadastramento de brasileiros pela Embaixada em Tel Aviv.

A operação de repatriação tem sido divulgada detalhadamente com imagens tanto pelo Força Aérea Brasileira (FAB), responsável pelos voos, como pelo Itamaraty. São vídeos e fotos em diferentes formatos, prontos para serem compartilhados nas redes sociais, na televisão e em outros meios.

O governo também divulgou imagens feitas pelos próprios repatriados ao longo do domingo. Na segunda-feira, foram enviadas até fotos das acomodações, na Base Aérea de Brasília, onde o grupo que chegou da Faixa de Gaza ficará hospedado. As acomodações foram pedidas pela Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça.

“Além disso, será oferecida alimentação com cardápio adequado às necessidades dos repatriados durante todo o período de estada, bem como o grupo também poderá utilizar, caso necessário, os serviços de saúde do Hospital de Força Aérea de Brasília”, divulgou a FAB.

O presidente Lula fez três postagens no X, ex-Twitter, desde domingo sobre a liberação do grupo que estava na Faixa de Gaza. “Os brasileiros já atravessaram a fronteira e se encontram no Egito, de onde virão, em segurança, para o Brasil, na Operação Voltando em Paz”, escreveu.

Anúncio nas redes

Na segunda-feira, Lula anunciou nas redes sociais que iria à Base Aérea de Brasília para recepcionar os brasileiros que estavam na Faixa de Gaza, enquanto os demais voos tiveram toda a divulgação à cargo do Itamaraty e da Força Aérea Brasileira (FAB) — as Forças Armadas montaram canal específico para divulgação das ações. A saída dos brasileiros do enclave é peça-chave dos esforços diplomáticos e logísticos do governo.

Ao longo das últimas semanas, o governo também fez questão de pontuar a importância de cada instituição separada cumprindo suas funções, adotando um tom diferente do usado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em sua gestão — que dava uma ênfase mais pessoal às divulgações.

Repatriados: 3 crianças recebem atendimento médico com quadro de desnutrição

Do ponto de vista político, a ida de Lula à Base Aérea também simboliza a sua participação direta no processo, depois que apoiadores de Bolsonaro, que usaram suas redes sociais para apontar o ex-presidente como responsável pelas negociações para a retirada de brasileiros.

O impasse sobre a saída desse grupo se arrastou por quatro semanas, pois havia necessidade da abertura da fronteira na cidade de Rafah com o Egito. O presidente brasileiro disse que a liberação dependia da “da boa vontade de Israel”.

No começo do conflito, o presidente ainda estava se recuperando das cirurgias que fez no quadril e nas pálpebras, em setembro, e, por isso, não foi cogitada a hipótese que ele recebesse o primeiro grupo de repatriados, que saiu de Israel, e chegou ao Brasil com 211 passageiros no dia 11 de outubro.

O governo também passou a tratar em publicações na internet a iniciativa como “a maior operação de retirada de brasileiros de uma zona de conflito”.

Antes de chegar ao Brasil... Avião com grupo de Gaza fez duas paradas; veja infográfico

Para Felipe Nunes, professor de e ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais e diretor da empresa de pesquisas Quaest, a população avalia bem a operação de resgate.

— Os brasileiros têm uma avaliação muito positiva do trabalho em relação à repatriação. Então, parece ser um dado importante para a imagem do governo — disse Nunes.

Pesquisa mostra apoio

Pesquisa realizada pela Quaest entre os dias 19 e 22 de outubro mostra que 85% dos brasileiros consideram positiva a iniciativa de Lula de conversar com países do Oriente Médio para a retirada dos brasileiros e a disponibilização de aviões para a operação. A decisão de priorizar a retirada da zona de conflito é aprovada por 72%. Já a postura geral do presidente diante da guerra é considerada positiva por apenas 35% da população.

Nunes ainda avalia que o resgate dos brasileiros ajuda na imagem que o Brasil tenta passar ao mundo diante do conflito, que é a de ser um mediador que não toma partido.

— Essa repatriação é o símbolo mais forte ou mais significativo dessa estratégia — afirmou.

O cientista político Adriano Oliveira, professor da Universidade Federal de Pernambuco, acredita que a exaltação do plano de retirada dos brasileiros faz parte de um projeto maior da gestão Lula de dar destaque à agenda internacional neste primeiro ano de mandato.

— O governo Lula não tem entregas a fazer neste primeiro e também não tem resultados econômicos alvissareiros. Então, tenta usar essa agenda internacional para manter a popularidade.

Oliveira lembra que a atuação no âmbito internacional também teve destaque nos dois primeiros governos de Lula, entre 2003 e 2010.

— Esse fato (a repatriação) exige que o governo mostre capacidade de diálogo, mostre solidariedade aos brasileiros e, acima de tudo, que o país tem uma diplomacia que protege o seu povo quando está precisando.

Na opinião do cientista político, Lula também tenta, com a operação, passar a imagem de que o governo brasileiro trata todos os seus cidadãos com respeito independentemente da preferência ideológica. Alguns dos repatriados revelaram uma posição forte em favor de Israel no conflito, ao contrário da neutralidade defendida pela gestão Lula:

— Isso certamente será explorado pelo discurso do governo.

Além do resgate de pessoas, o governo também tem propagado a retirada de animais de estimação que pertencem a brasileiros, da zona de conflito. A primeira-dama, Rosângela da Silva, tomou a frente da iniciativa Pelo balanço da FAB, 53 pets embarcaram nos dez voos da operação Voltando em Paz.

Dos dez voos com destino ao Brasil, oito saíram de Israel. Outro partiu da Jordânia, com brasileiro que estavam na Cisjordânia. O último, com o grupo oriundo da Faixa de Gaza, saiu do Egito.