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Conseguirão os EUA apoiar Israel e Ucrânia em suas guerras e ainda conter a China?

Escala do apoio de Washington na Europa e Oriente Médio faz aliados no Indo-Pacífico temerem recuo no engajamento americano na Ásia

Agência O Globo - 10/11/2023
Conseguirão os EUA apoiar Israel e Ucrânia em suas guerras e ainda conter a China?
israel - Foto: AGENCIA BRASIL

Finalmente, nos últimos tempos, a tão antecipada virada dos Estados Unidos para a Ásia vinha ganhando impulso — novos acordos de segurança com as Filipinas e a Índia, exercícios militares ampliados, e planejamento com aliados para se manter à frente da tecnologia chinesa. Mas o Oriente Médio, como um furacão, puxou Washington de volta. Para os parceiros americanos no Indo-Pacífico — muitos dos quais já se preocupam que os EUA não se movimentem rápido o bastante para conter Pequim — o súbito foco na Faixa de Gaza, com forças-tarefa do Pentágono, rápidas entregas de armas e visitas apressadas a capitais da região, foi sentido como uma perda, atrasando o progresso em alguns dos seus desafios mais críticos.

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— O que mais nos preocupa é o desvio dos recursos militares do Leste da Ásia para a Europa e o Oriente Médio — disse Akihisa Nagashima, um parlamentar e ex-conselheiro de segurança japonês, durante um fórum de estratégia em Sidney, na semana passada. — Nós realmente esperamos que o conflito termine logo.

Comandantes militares americanos disseram que nenhum equipamento militar saiu do Indo-Pacífico. E duas autoridades do governo, o secretário de Defesa, Lloyd Austin, e o de Estado, Antony Blinken, estarão cruzando a Ásia essa semana com mensagens de reafirmação, fazendo paradas, separados ou juntos, na Índia, Japão, Coreia do Sul e Indonésia.

Pelo caminho, eles provavelmente vão ouvir uma mistura de visões sobre Gaza, com a Índia apoiando mais Israel, o Japão buscando uma abordagem mais equilibrada, e a Indonésia, que tem a maior população muçulmana do mundo, cada vez mais insultada pelos milhares de civis palestinos mortos na invasão de Israel que veio após o ataque terrorista do Hamas.

O que esses países todos compartilham são questões sobre como o envolvimento de Washington com outra guerra distante, além da Ucrânia, vai impactar os interesses do Indo-Pacífico. Muitos estão perguntando: Quantos pedidos de apoio a quantas nações podem os EUA — um poder esgarçado no exterior e politicamente dividido em casa — de fato manejar?

Armas são uma área comum de preocupação. A indústria de defesa nos Estados Unidos vem lutando com escassez de munição enviada tanto para Ucrânia quanto para Israel, incluindo projéteis de artilharia de 155 mm. Munição guiada e sistemas mais complexos também estão sendo canalizados para os dois conflitos, apesar dos parceiros americanos no Indo-Pacífico aguardarem por entregas de armas para eles.

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Japão, Taiwan e Austrália podem enfrentar atrasos de equipamentos militares que foram contratados e prometidos pelos Estados Unidos.

— Não é apenas hardware — disse Andrew Nien-Dzu Yang, um ex-ministro de Taiwan. — Você tem que ensinar ou treinar as pessoas para operarem esses sistemas. A preocupação é que os EUA não terão capacidade mais efetiva e abundante de deter a China — completou.

Se a última guerra entre Israel e Hamas se arrastar, os seus impactos podem mudar. Enquanto um conflito extenso pode esgarçar ainda mais os arsenais americanos, a China poderá aprender com isso que a guerra urbana é extraordinariamente difícil, talvez contendo Pequim de continuar com as ameaças de anexar a altamente populosa ilha de Taiwan, que vê como território perdido.

Por hora, no entanto, a China parece tender a continuar com a provocação. Duas semanas depois do Hamas atacar Israel em 7 de outubro, um barco da guarda costeira chinesa e um navio da milícia marítima colidiram com embarcações Filipinas, em missão de reabastecimento em um entreposto filipino em uma região do Mar do Sul da China que Pequim reivindica como sua. Foi um dos encontros mais hostis entre os dois países em mais de 20 anos de disputa pela área.

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'Padrão perigoso'

Alguns dias depois, um jato chinês chegou a 3 metros de distância de um bombardeiro B-52 americano, em uma manobra noturna sobre o Mar do Sul da China que quase causou uma colisão — parte do que os EUA chamaram de “um padrão perigoso de coerção e comportamento operacional de risco”.

O objetivo chinês, de acordo com o almirante John Aquilino, comandante dos EUA para o Indo-Pacífico, é “forçar os Estados Unidos para fora da região”. Autoridades do Pentágono frisaram que isso não vai acontecer.

Para alguns países, a explosão do conflito sobre a questão palestina reacendeu antigas crenças de que os Estados Unidos são anti-muçulmanos, ou, ao menos, têm um viés extremamente pró-Israel. Após anos vendo Washington evitar confrontar o frequentemente duro tratamento dado aos palestinos, tanto por Israel, quanto por colonos israelenses extremistas, alguns não acreditam mais que os EUA sejam um negociador justo.

Quando Austin chegar à Indonésia, é provável que enfrente um público raivoso, e até protestos antiamericanos, apesar dos esforços de Washington em aconselhar as Forças Armadas israelenses em como evitar vitimar os civis na Faixa de Gaza.

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— Há ceticismo significativo diante dos pedidos dos EUA por contenção israelense — disse Chong Já Ian, professor associado de Ciência Política na Universidade Nacional de Singapura. — De muitas formas, o governo Biden tem uma tarefa difícil e tem que carregar a bagagem de políticas americanas do passado, o que torna ainda mais importante para o governo fazer a coisa certa e mostrar que está se esforçando muito para ser imparcial — completa.

Os esforços de Blinken para se reunir com líderes árabes e tentar mediar uma pausa para assistência humanitária “amenizam um pouco a impressão de que os EUA estão simplesmente apoiando Israel”, acrescentou Chong. E, em uma reunião dos ministros das Relações Exteriores do G7, esta semana no Japão, o grupo das economias mais industrializadas reforçou o coro pelas “pausas humanitárias”.

Mas para o Japão e muitos outros parceiros dos EUA na Ásia, a guerra em Gaza corre o risco de perturbar tanto o fornecimento de petróleo como o progresso na segurança. Quanto mais rápido terminar, na sua opinião, mais rapidamente o mundo poderá regressar ao que Washington ainda define como o seu desafio mais importante: a dissuasão e competição com a China num mundo interdependente.

Questionado na quarta-feira, no Japão, se os Estados Unidos estavam ocupados demais com os conflitos em Gaza e na Ucrânia para continuar a se voltar para a Ásia, Blinken disse: — Posso dizer a vocês que estamos determinados e estamos, como diríamos, correndo e mascando chicletes ao mesmo tempo. O Indo-Pacífico é a região crítica para o nosso futuro — disse, e completou que — mesmo lidando com uma crise real em Gaza e no Oriente Médio, nós também somos, não só capazes, mas totalmente engajados em todos os interesses que temos no Indo-Pacífico.