Internacional

Por que o fim de combustível é tão dramático para o cotidiano dos moradores da Faixa de Gaza?

Além de ser usado como fonte de energia em hospitais e padarias, ele também abastece equipamentos para dessalinização da água do mar; situação está à beira do colapso

Agência O Globo - 27/10/2023
Por que o fim de combustível é tão dramático para o cotidiano dos moradores da Faixa de Gaza?
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Quase sem combustível para alimentar os geradores de energia, os poucos hospitais em funcionamento da Faixa de Gaza correm o risco de desligar máquinas vitais para pacientes e fechar de vez as portas. Abrigos com dezenas de milhares de famílias estão apagando as luzes e, segundo agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA), há apenas duas centrais com gasolina suficiente para produzir pão e — elas deixarão de funcionar no fim desta sexta-feira.

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Israel cortou todo o fornecimento de alimentos, água, combustível e eletricidade à Faixa de Gaza em resposta aos ataques do dia 7 de outubro do grupo terrorista Hamas, que mataram 1,4 mil israelenses. Desde então, o governo de Benjamin Netanyahu só permitiu a entrega de pequenas quantidades de ajuda humanitária a Gaza, mas bloqueou a entrada de qualquer combustível, alegando que ele seria explorado pelo Hamas para fabricar armas e explosivos.

A eletricidade era escassa em Gaza mesmo antes da guerra: cerca de um terço do fornecimento vinha de uma usina que funcionava com diesel industrial importado de Israel, enquanto o restante vinha de linhas de eletricidade que se estendiam de Israel, de acordo com Gisha, uma organização sem fins lucrativos. Agora, grupos de ajuda humanitária e de defesa dos direitos humanos alertam para um apagão total. Nesta sexta-feira, a agência da ONU para refugiados palestinos disse que os serviços básicos estavam “ruindo”.

Segundo a NetBlocks, organização não governamental que monitora o acesso à internet ao redor do mundo, a conexão da Palestine Telecommunications Company (Paltel), única empresa de telecomunicação que ainda conseguia operar na Faixa de Gaza, colapsou de vez nesta sexta-feira.

— Sem combustível, não haverá água, nem hospitais e padarias funcionando. Sem combustível, a ajuda não chegará às pessoas que mais necessitam. Sem combustível, não haverá assistência humanitária — afirmou Lazzarini.

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Na semana passada, o Exército de Israel apelou às pessoas do norte da Faixa de Gaza — quase metade dos seus 2,4 milhões de habitantes — para se retiraram para o sul antes da ofensiva terrestre. Muitos, no entanto, não podem ou não conseguem sair. No total, quase 1,4 milhão de pessoas foram deslocadas, embora cerca de 30 mil tenham retornado para o norte do território nos últimos dias, segundo a ONU, que afirma que ainda há pelo menos 200 mil pessoas vivendo na região.

Agora, a porta-voz da Unrwa alerta que a agência precisa urgentemente de combustível para continuar ajudando 629 mil pessoas deslocadas que se refugiam nas suas instalações.

— Somos a maior organização humanitária e estamos prestes a interromper as operações. Estamos sendo proibidos de cumprir o trabalho que nos foi confiado pela Assembleia Geral da ONU.

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Guerra de versões

No maior hospital de Gaza, al-Shifa, as luzes dos corredores e das áreas não clínicas já foram desligadas. Ghassan Abu Sittah, cirurgião dos Médicos Sem Fronteiras que trabalha no local, estima que cerca de um terço dos cerca de 1,6 mil pacientes morreriam caso o gerador fosse desligado de vez.

— Os únicos locais que funcionam 24 horas por dia são as salas de operações e as unidades de cuidados intensivos — afirmou. — Para aqueles que estão nos cuidados intensivos e aqueles que necessitam de cirurgias não há plano.

O porta-voz do Ministério da Saúde em Gaza, Ashraf al-Qidra, por sua vez, alertou que o ausência de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) neonatal poderia levar a morte de recém-nascidos em questão de minutos.

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A batalha de versões entre Israel e o Hamas também chegou aos hospitais: depois de acusar o Hamas de esconder combustíveis para sufocar a população que vive no enclave, nesta sexta, o Exército israelense disse que o grupo terrorista usava os hospitais da Faixa de Gaza como centros de comando. No X, antigo Twitter, o premier Benjamin Netanyahu compartilhou um vídeo de Inteligência mostrando como os terroristas "transformam hospitais em quartéis-generais para o seu terror".

— O Hamas trava a guerra a partir dos hospitais — disse o porta-voz das Forças Armadas israelenses, Daniel Hagari, acrescentando que a organização desviou combustível dos hospitais para sua própria "infraestrutura terrorista". — Os terroristas circulam livremente no hospital al-Shifa [o maior do enclave].

Além de ser usado como fonte de energia em hospitais e padarias, o combustível também abastece equipamentos para dessalinização da água do mar. O transporte de água também foi interrompido na maioria das áreas devido à falta de combustível — além da insegurança e das estradas bloqueadas por escombros. Por isso, também existe o risco de faltar água no território.

“A água engarrafada está praticamente indisponível e o seu preço tornou-a inacessível para a maioria das famílias. Os vendedores privados, que operam pequenas estações de dessalinização e purificação de água, que funcionam principalmente com energia solar, tornaram-se os principais fornecedores de água potável”, afirma um relatório do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários.

Ajuda humanitária insuficiente

Desde o último sábado, 74 caminhões transportando alimentos, água e suprimentos médicos cruzaram o Egito através da fronteira de Rafah desde sábado, o que a porta-voz da UNRWA, Juliette Touma, chamou de “uma gota no oceano de necessidades esmagadoras”. Antes do início da guerra, cerca de 500 caminhões eram autorizados a entrar em Gaza todos os dias.

Até agora, 7.326 pessoas, a maioria civis, foram mortas em Gaza nas últimas e quase 19 mil ficaram feridas. Além do número oficial, mil corpos ainda estariam nos escombros.

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No Conselho de Segurança, a Assembleia Geral da ONU votará na tarde desta sexta-feira uma resolução não vinculativa, já rejeitada por Israel, que apela a uma “trégua humanitária”. O texto, elaborado pela Jordânia e patrocinado por quarenta países, “pede uma trégua humanitária imediata, duradoura e sustentada, que conduza à cessação das hostilidades”. A versão anterior pedia um “cessar-fogo imediato”. Dividido, o Conselho já rejeitou até agora quatro resoluções sobre o tema. Para ser adotado, qualquer projeto necessita de dois terços dos votos dos países elegíveis a votar.