Internacional

Os cinco erros de Milei na campanha argentina

Candidato da ultradireita subestimou a falta de colaboradores com experiência política e o impacto de declarações polêmicas, em muito casos, de épocas em que não concorria pela Presidência, entre outros

Agência O Globo - 23/10/2023
Os cinco erros de Milei na campanha argentina
Javier MileI - Foto: Reprodução

O que falhou na campanha do candidato da ultradireita argentina, Javier Milei, que entre as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso), de 13 de agosto, e o primeiro turno das eleições presidenciais, no último domingo, não conseguiu ampliar sua base de apoio, e acabou ficando em segundo lugar, superado por quase sete pontos percentuais pelo peronista Sergio Massa? A seguir, cinco dos principais erros cometidos pela campanha de Milei, segundo jornalistas e analistas locais e, até mesmo, colaboradores do candidato consultados pelo GLOBO:

1 - Milei apostou nas redes sociais como principal canal de comunicação e não levou em consideração que nessas mesmas redes sociais circulariam — em alguns casos, viralizariam — vídeos com comentários polêmicos que o candidato fez quando não competia pela Presidência do país. As redes são uma faca de dois gumes, e Milei ignorou os riscos que corria.

Desde o governo do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), o líder do partido A Liberdade Avança tem uma presença expressiva nas redes, e, também, na mídia local. Milei ficou famoso justamente por seu estilo intempestivo e por suas falas escandalosas. Mas assim como vídeos mostrando o candidato destruindo uma pinhata em forma de Banco Central — em referência à sua proposta de eliminar a instituição — ajudaram a torná-lo famoso, esses mesmos vídeos causaram pânico em muitos eleitores na reta final da campanha.

Segundo turno: Milei tem chances? Veja as viradas históricas nas eleições argentinas desde 1983

Contexto: Quem é o favorito na Argentina? Segundo turno será 'batalha de rejeições' entre Massa e Milei

O mesmo aconteceu com suas declarações sobre livre porte de armas, venda de órgãos e suas confissões sobre falar com um de seus cachorros já falecidos.

— Milei passou grande parte da reta final da campanha explicando que na verdade não quis dizer isso ou aquilo. O arquivo de imagens acabou se tornando um problema para ele — comentou o jornalista Julián Alvez, do El Cronista, que trabalhou na campanha de Milei em 2021.

2 - Segundo Alvez, “Milei também errou ao ser muito enfático em iniciativas como corte dos gastos públicos e até mesmo sobre a dolarização”.

— A realidade, e isso agora ficou bem claro, é que os argentinos se refugiam no dólar mas têm dúvidas sobre o projeto de dolarização. Não existe consenso, assim como não existe consenso sobre muitas das propostas de Milei — acrescentou o jornalista.

3 - Outro dos erros do candidato da ultradireita foi minimizar a importância de não contar com políticos experientes em sua equipe. Os principais colaboradores de Milei são jovens, de escassa ou nula trajetória política. Ou poucos dirigentes com experiência passam a grande maioria do tempo explicando as incoerências de outros integrantes do partido, que causam estragos com declarações na mídia e nas redes sociais.

Um desses colaboradores veteranos foi consultado pelo GLOBO durante o ato de encerramento de Milei, quarta passada, durante o qual um dos mentores do candidato, o economista Alberto Benegas Lynch, considerado o pai dos libertários argentinos, defendeu a ruptura de relações da Argentina com o Vaticano. A resposta do colaborador veterano do candidato chegou rápido pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, e dizia que “[Benegas Lych] disse que era o seu pensamento, e que não comprometia a posição de Javier Milei”. Mas como separar o que diz o grande inspirador do candidato ultradireitista do próprio candidato, que abriu o ato de encerramento? Missão quase impossível. Detalhe: quando Benegas Lynch falou sobre romper com o Vaticano, os seguidores de Milei gritaram “serra elétrica, serra elétrica”.

Os problemas causados pelos colaboradores mais disruptivos será um dos temas de discussão de uma reunião do partido A Liberdade Avança convocada para esta terça-feira, em Buenos Aires. Uma fonte do comando de campanha de Milei confirmou que os danos provocados na reta final da primeira etapa da campanha foram grandes.

Alberto Benegas Lynch Filho, candidato a deputado pela província de Buenos Aires, também deu o que falar. Em entrevista a meios locais, o jovem libertário chegou a defende a privatização do mar. O assunto surgiu numa conversa sobre mudanças climáticas, na qual o candidato comparou o campo ao mar, e assegurou que a criação de “direitos de propriedade” sobre o território marítimo poderia ajudar a combater as mudanças climáticas.

Outra das polêmicas da reta final foi a proposta da também candidata a deputada, Lilia Lemoine, uma influencer digital que integra o círculo íntimo de colaboradores de Milei — chegando a ser, em alguns casos, sua estilista — sobre um projeto de lei para pais possam renunciar à paternidade porque “não é justo que um homem tenha que assumir economicamente uma criatura até os 18 anos se não quiser”. Quando a proposta viralizou, colaboradores do candidato afirmaram que se tratava de uma ideia pessoal de Lemoine.

4 - Milei, segundo as fontes consultadas, perdeu o controle sobre a utilização por parte da campanha do peronismo de suas falas que causam mais medo na população. O candidato não conseguiu, com um contraataque contundente, desmontar a campanha do medo liderada por Massa. Apesar do caos econômico, o candidato da ultradireita fracassou em capitalizar de maneira mais eficiente a crise.

— As pessoas ficaram realmente assustadas, e muitas, entre um candidato ruim conhecido e um louco desconhecido, optaram pelo ruim conhecido — opina Carlos Fara, diretor da Fara e Associados.

Segundo o analista, “no primeiro turno, Milei foi derrotado pelo sistema, que foi mais forte e mais astuto, instalando uma disputa entre o candidato dos 140% de inflação contra Milei e suas loucuras”.

5 - Outro dos erros do candidato da ultradireita, reconheceu uma fonte de sua equipe, foi queimar pontes com quase todos os partidos tradicionais com seu discurso contra o que chama de “casta política”. A mesma fonte reconheceu que “esse discurso foi muito bom para captar eleitores fartos do sistema, mas impediu conquistar votos dos que não querem chutar totalmente o balde porque temem perder o pouco que o sistema lhes dá”.