Internacional
Tensão aumenta na França à medida que conflito entre Israel e Hamas reabre velhas feridas
País abriga as maiores comunidades judaicas e muçulmanas da Europa, além de possuir uma história colonial complicada no Oriente Médio e no norte da África
Por abrigar as maiores comunidades judaicas e muçulmanas da Europa, a França está sentindo o estresse da guerra entre Israel e Hamas como nenhum outro país do continente. A pressão não poupa ninguém, desde crianças em idade escolar até jogadores de futebol, em um país com uma história colonial complicada no Oriente Médio e no norte da África, e que sofre agora as reverberações inconfundíveis de um conflito que opõem judeus e seus vizinhos muçulmanos.
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No sábado, o Museu do Louvre e o Palácio de Versalhes, dois dos principais destinos turísticos da capital, foram esvaziados e fechados. Os protestos pró-palestinos foram proibidos. O país foi colocado no nível mais alto de alerta de terrorismo, com 7 mil soldados destacados para complementar a forte presença policial nas ruas.
Na cidade de Arras, no norte, um professor foi esfaqueado até a morte por um agressor muçulmano na sexta-feira. Embora o governo tenha amenizado os comentários anteriores de que a facada parecia ter sido motivada por eventos em Israel, sua semelhança com o cruel assassinato de um professor em 2020 em um ato de terrorismo islâmico reabriu velhas feridas em um país onde judeus e muçulmanos compartilham um passado doloroso.
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Um conflito que se desenrola a milhares de quilômetros de distância repercutiu na França, apesar — ou talvez por causa — do secularismo de longa data do país, que relega as convicções religiosas de seus cidadãos à esfera privada.
Em uma entrevista à televisão, o Ministro do Interior, Gérald Darmanin, disse que prevaleceu uma "atmosfera extremamente negativa", em meio a temores de que essa nova e desconcertante onda de violência no Oriente Médio exacerbasse as animosidades preexistentes.
A França é o país europeu que mais perdeu cidadãos nos ataques do Hamas a Israel, de acordo com dados do Ministério das Relações Exteriores. O presidente Emmanuel Macron percebeu a gravidade e abordou a tragédia em um pronunciamento nacional no horário nobre da TV. Horas antes do discurso, ele havia convocado líderes partidários de todo o espectro político.
— Vejo o medo de nossos compatriotas judeus de que o aumento da violência no país seja usado como desculpa para justificar falas, calúnias ou atos contra eles — disse ele.
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Os judeus franceses têm bons motivos para ficarem nervosos.
Foram registrados 189 atos antissemitas na França desde que o Hamas atacou Israel em 7 de outubro, de acordo com Darmanin. Eles incluíram pessoas que foram detidas com facas perto de escolas ou sinagogas e rabiscando mensagens de ódio em locais públicos.
Na tarde de sexta-feira, policiais à cavalo e portando rifles podiam ser vistos patrulhando as ruas estreitas do antigo bairro judeu de Paris. A área do Marais, normalmente movimentada, estava em sua maior parte tranquila, com as empresas fechando mais cedo do que a hora habitual que marca o início do dia de descanso judaico.
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Edward, proprietário de uma delicatessen local, retirou as cadeiras e mesas de seu terraço em uma tentativa de desencorajar qualquer pessoa a entrar em seu estabelecimento. Ele tem dois funcionários muçulmanos, de quem gosta e confia, mas com quem nunca falaria sobre a guerra entre Israel e Hamas, porque prefere não saber o que eles pensam.
— É claro que tenho medo — disse ele, recusando-se a dar seu sobrenome por questões de segurança, e lembrando que em 1982 um atentado antissemita matou seis pessoas a poucos metros de sua delicatessen. — Quando Israel fica resfriado, a França espirra.
Como um ato visível de terrorismo cometido por muçulmanos contra judeus franceses, o ataque de 1982 inaugurou uma nova frente de inquietação em sua comunidade judaica, cujos opressores do início do século XX eram os inimigos tradicionais dos judeus.
Afinal de contas, a França é o país cujo relacionamento com sua população judaica foi parcialmente forjado pelo regime de Vichy — como ficou conhecido o governo alemão na França ocupada durante a Segunda Guerra Mundial — e, ainda antes, pelo Caso Dreyfus, no qual os conservadores incriminaram um soldado judeu por crimes que ele não cometeu.
Uma das ironias do conflito atual é que ele levou alguns judeus a encontrar uma causa comum com a extrema direita, depois que a três vezes candidata à presidência Marine Le Pen expressou seu apoio público a Israel. Seu pai, Jean-Marie, havia ignorado o Holocausto como um detalhe da história. Quando ela assumiu o partido que ele fundou, repudiou publicamente esses comentários e, ao longo dos anos, tem cortejado ativamente os judeus franceses que dizem que os sucessivos governos têm feito muito pouco para impedir o aumento do antissemitismo.
A guerra, com certeza, abalou os alinhamentos políticos.
De um lado, há um abrandamento da atitude da comunidade judaica em relação a Le Pen, enquanto a recusa do esquerdista Jean-Luc Melenchon em chamar o Hamas de organização terrorista alimentou a percepção de seu partido como anti-Israel.
Sua relutância em apoiar a designação defendida pelos EUA e pela UE aprofundou as rupturas com a aliança de esquerda Nupes, formada pouco antes das eleições parlamentares de 2022. Naquela ocasião, a coalizão ajudou a tirar de Macron a maioria absoluta, mas só poderá manter o poder significativo que detém na Assembleia Nacional se permanecer unida.
Sensibilidade maior
Os judeus franceses somam quase 600 mil, de acordo com a Crif, uma organização que reúne grupos judeus na França. A minoria muçulmana, que se origina principalmente das antigas colônias francesas no norte da África, é muito maior e tem cerca de 5 milhões de pessoas.
Jean Garrigues, um historiador político, vê uma combinação de fatores que ajudam a explicar por que a França é mais sensível às tensões do Oriente Médio do que seus pares europeus: o ressentimento em relação ao passado colonial da França; a luta de muitos muçulmanos para lidar com o laicismo, que eles veem como um pretexto para estigmatizar suas práticas religiosas e culturais; e uma comunidade judaica influente que se sente fortemente ligada a Israel.
— A causa palestina se tornou uma bandeira para os muçulmanos na França — disse Garrigues.
Um fator que ele não mencionou foram os chamados “banlieues” da França. Gestões passadas confinaram famílias de imigrantes nas periferias das grandes cidades, mas essas áreas se tornaram centros de desemprego, moradias em ruínas e, às vezes, distúrbios e radicalização.
Embora a violência aberta ainda seja rara entre judeus e muçulmanos na França, as tensões no Oriente Médio frequentemente alimentam ressentimentos mútuos.
Liberdade, igualdade e fraternidade?
Gerard Unger, vice-diretor do Crif, disse em uma entrevista que, embora o antissemitismo na França venha historicamente da extrema direita, todos os judeus que morreram em um ataque antissemita na França nos últimos anos foram mortos por islamitas radicais. Mas os muçulmanos franceses também têm suas queixas.
— A proibição de manifestações pró-palestinas é problemática porque revela as simpatias do governo e cria fraturas na sociedade — disse Nagib Azergui, chefe do pequeno partido União dos Democratas Muçulmanos Franceses, que participou de uma manifestação pró-palestina em Paris, que foi dispersada pacificamente.
Por outro lado, os protestos pró-Israel foram realizados normalmente, com o ex-presidente Nicolas Sarkozy e sua esposa Carla Bruni-Sarkozy participando de uma passeata à vista da Torre Eiffel.
Em um café em Barbes, uma área de Paris onde vivem muitos muçulmanos, o barman Yanis Kassed disse que está pensando em se mudar com sua família de volta para a Argélia, sua terra natal.
— A França deveria ser o país da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, mas nós, muçulmanos, não temos liberdade nem somos tratados com igualdade, pois não podemos nem mesmo apoiar a Palestina — disse ele. — As coisas se tornaram tão complicadas para todos que o lema que era o orgulho da França está desaparecendo.
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