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Brasil pode apresentar hoje projeto de resolução na ONU que condena Hamas e pede cessar-fogo humanitário

Não mencionar grupo terrorista tornaria inviável o documento, sem apoio de Estados Unidos, França e Reino Unido, três dos cinco membros permanentes do conselho

Agência O Globo - 16/10/2023
Brasil pode apresentar hoje projeto de resolução na ONU que condena Hamas e pede cessar-fogo humanitário

O Brasil, que este mês detém a presidência do Conselho de Segurança nas Nações Unidas, está terminando o processo interno de consultas para apresentar, possivelmente nos primeiros dias desta semana — talvez nesta segunda —, um projeto de resolução sobre o conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas. Segundo fontes diplomáticas ouvidas pelo GLOBO, o texto está muito avançado e a expectativa do governo brasileiro é conseguir sua aprovação com o apoio da maioria dos 15 membros do conselho — dos quais cinco são permanentes e têm direito a veto (Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França). Uma resolução se aprova com pelo menos 9 votos a favor, e não pode sofrer vetos.

O Brasil, assim como outros nove países (Albânia, Emirados Árabes Unidos, Equador, Gabão, Gana, Japão, Malta, Moçambique e Suíça), é membro rotativo. Uma das últimas versões preliminares do texto, confirmaram as fontes consultadas, enfatiza a firme condenação e rechaço aos atos terroristas cometidos pelo Hamas, em 7 de outubro, no sul de Israel. Esse é considerado um dos pontos mais importantes do documento, já que a não menção do grupo terrorista tornaria inviável o apoio dos EUA, Reino Unido e França, importantes aliados de Israel no conflito.

Fontes do governo brasileiro admitiram que a inclusão do Hamas no texto foi considerada essencial para conseguir a adesão de três dos cinco membros permanentes do conselho. A proposta de resolução da Rússia, que não tem chance alguma de passar — o que os diplomatas russos sabem perfeitamente — não menciona o Hamas. O documento russo não passou por um processo de consultas internas, trata-se de uma iniciativa unilateral do governo de Vladimir Putin.

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Em outro ponto do texto, ainda sendo negociado — o que acontece até os últimos momentos antes de uma eventual apresentação da proposta —, se faz um apelo urgente para que as autoridades de Israel recuem em seu ultimato dado a civis e integrantes de agências das Nações Unidas para abandonarem regiões da Faixa de Gaza — principalmente no norte.

Outro ponto importante é o que fala sobre o pedido de cessar-fogo. Nas últimas versões, o cessar-fogo está associado a uma necessidade humanitária, sobretudo de abertura de um corredor para que entrem alimentos, medicamentos e ajuda internacional à Faixa de Gaza.

— O documento busca um equilibrismo difícil entre as partes, menciona o Hamas de forma explícita e condenatória, e faz uma referência meio que oblíqua a Israel. Mas nomeia cada uma das partes uma vez, isso é parte da técnica diplomática — afirma Dawisson Belem Lopes, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Para o professor, nas últimas versões "o que muda, fundamentalmente, é a preocupação com as instalações e com o pessoal das Nações Unidas, o que aumentou nos últimos dois ou três dias, inclusive com declarações da Cruz Vermelha, que é mencionada no documento".

— O mais importante é a questão do cessar-fogo. Numa formulação anterior, o cessar-fogo era imediato e significava que Israel tinha de parar sua operação militar no momento em que fosse aprovada a resolução no conselho. Agora se fala num cessar-fogo ágil, rápido, mas com tempo indefinido. Ou seja, quando for conveniente para a parte que neste momento toma a inciativa de agredir, que é Israel. Talvez tenha sido uma exigência para se cogitar uma aprovação. O Brasil tenta chegar numa fórmula que seja aprovável, ainda que não seja a ideal — acrescenta Lopes.

O processo para conseguir um pronunciamento do Conselho de Segurança é lento. Os tempos da diplomacia, como lamentou outra fonte diplomática, muitas vezes estão desconectados das emergências da realidade.

O conselho pode aprovar resoluções ou comunicados, que são coisas diferentes. No primeiro caso, trata-se da criação de uma nova norma do direito internacional, que deve ser cumprida por todos os membros da ONU. Para aprovar uma resolução são necessários nove votos, e não pode existir veto. Já os comunicados — sejam de imprensa ou presidenciais — exigem consenso.

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As ações do conselho são cuidadosamente estudadas, acrescentou a fonte, porque, na avaliação de alguns países membros, uma eventual manifestação oficial pode atrapalhar negociações nos bastidores. Em debates, por exemplo, sobre a crise em Mianmar, alguns países não aderiram a propostas sobre eventuais resoluções e comunicados do conselho sobre a morte de civis, porque consideraram que essas iniciativas seriam contraproducentes na busca de uma solução ao conflito. O mesmo argumento, disse outra fonte, poderia ser usado no caso do conflito no Oriente Médio.

Quando o conselho se pronuncia, acrescentou uma das fontes, as partes são obrigadas a responder e isso pode atrapalhar um processo de negociação. A última resolução adotada pelo conselho foi em 2 de outubro passado, sobre o envio de uma força multinacional de ajuda ao Haiti. Em média, o conselho adota entre quatro e cinco resoluções por mês. No caso da guerra entre Rússia e Ucrânia, uma tentativa de resolução no início do conflito obteve mais de nove votos a favor, mas não saiu pelo veto do governo de Vladimir Putin. A única resolução sobre a guerra entre ambos países aprovada no conselho foi sobre a decisão de transferir o debate sobre o tema para a Assembleia Geral da ONU