Brasil
‘Altar’ da moda e destino de milionários, Fernando de Noronha tenta frear lotação e tem casebres ao lado de pousadas de luxo
Arquipélago que foi cenário do casamento do bilionário Henrique Dubugras também abriga moradores que atuam no turismo e vivem em situação precária
“Noronhe-se”. De férias a casamentos milionários, o apelo da hashtag de quem sonha conhecer Fernando de Noronha nunca esteve tão em alta. O casamento do bilionário Henrique Dubugras e Laura Fiuza, que monopolizou a ilha no fim de semana passado, expôs um fenômeno que cresce entre turistas de alto poder aquisitivo que desejam eternizar seus momentos de felicidade sob o sol e com os pés na areia do arquipélago nordestino, considerado o mais bonito do Brasil.
De arcos de flores e ráfia — estruturas já prontas que podem ser alugadas e levadas até a praia— a megaeventos minuciosamente planejados que podem custar R$ 500 mil, os enlaces ou meros pedidos de casamento com o Morro Dois Irmãos ao fundo animam, por um lado, o setor turístico e, por outro, suscitam discussões sobre proteção ambiental.
A busca desenfreada pelo lugar preocupa. Embora o escritório de administração da Ilha de Fernando de Noronha, subordinado ao governo de Pernambuco, não informe, uma indústria casamenteira cresce e atrai empresas de cerimoniais, bufês e até músicos, inclusive bandas com shows que demandam superproduções. Além dos moradores da ilha, staffs completos vêm de fora da área de preservação para trabalhar nas celebrações, assim como os convidados dos noivos.
O lado B dos residentes
No início deste mês, cerca de 50 pessoas participaram de uma audiência do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), em que denunciaram negligência por parte dos administradores de Noronha. A reunião aconteceu em paralelo à polêmica sobre a autorização do fechamento do Forte Nossa Senhora dos Remédios para o casamento de Dubugras, dono da Brex, uma das mais bem-sucedidas startups do mundo. A atração turística ficou sem receber público por dez dias. O escritório responsável pela ilha informou apenas que o contrato com a concessionária que administra o forte previa a realização de eventos privados e que, no período, também seria realizada manutenção de rotina.
O grande afluxo de festeiros de dentro e de fora do país acontece sob as rígidas regras do redesenho turístico adotadas no início do ano para proteger a Área de Proteção Ambiental (APA) e o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. A medida drástica foi adotada após um boom de visitantes em 2022, quando 149 mil pessoas estiveram na ilha. Entre 2019 e 2021, a média ficava em torno de 110 mil por ano, de acordo com o presidente do Conselho de Turismo de Noronha, Hayrton Almeida. Atualmente, o total de turistas não pode ultrapassar 11 mil por mês, o que dá 132 mil por ano. Mesmo o setor turístico reconhece que é preciso ter controle, embora tenha havido críticas sobre a forma como o limite de visitação foi estabelecido.
— Não respeitaram a sazonalidade do turismo. No primeiro semestre, na baixa temporada, ficamos longe de atingir o teto — diz Almeida, dono de uma tradicional empresa de passeios de Noronha.
O promotor de Justiça Ivo Lima diz que é preciso buscar um equilíbrio para o bem de Noronha, do turismo e das pessoas que lá vivem. É ele que tem lidado com uma parcela da população que vive sem acesso a água e a esgoto na região. Há um temor, compartilhado até pelos que exploram economicamente o turismo na ilha, do início de um processo de favelização que possa ameaçar o meio ambiente. Lima explica que, por conta dessa fragilidade de infraestrutura, a administração de Fernando de Noronha tem estudado modificações nas normas que regulam o uso do solo na região.
— Há violação de direitos humanos porque um morador pobre não pode ter negado o acesso a itens básicos. Essas pessoas são as que fazem a ilha funcionar — destaca o promotor, dizendo que Noronha já convive com o contraste de ter, lado a lado, pousadas de luxo e casebres de um cômodo.
Entre outras histórias ouvidas durante a audiência, está a de um morador que relatou que o ponto irregular que leva luz à sua residência é tão fraco que ele não consegue fazer inalação no filho, que sofre com problemas respiratórios. Lima explica que a série de taxas e de regulamentos que são facilmente atendidos pelos turistas e donos de pousadas de luxo se tornam inviáveis para os moradores. Segundo o Censo do IBGE, a população residente é de 3.167 pessoas.
Sem acesso a serviços e amparo público, parte deles fica à mercê de dificuldades que já passam de geração para geração. Muitos moram em áreas no fundo de uma casa que já foi dos pais e não têm Termo de Permissão de Uso (TPU), a aprovação do projeto residencial junto à Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco e ao ICMBio, órgãos fiscalizadores. Sobretudo, explica o promotor, porque uma casa simples legalizada custa dez vezes mais do que no continente.
No mês de setembro, Noronha atingiu sua lotação máxima, empurrada pelos casamentos. As estruturas para o grande “sim” aquecem a economia, inclusive, fora da alta temporada. Moradora da ilha e cerimonialista há sete anos, Luana Azevedo, de 33 anos, conta que faz cerca de 80 casamentos anuais. Somente em novembro de 2022, foram 20.
— Noronha é um “destination”, ou seja, além de casar, o casal já tem a lua de mel. Quando vem família, já se torna uma mini férias em grupo — diz Luana, acrescentando que o negócio existe sob vigilância absoluta. — Até as flores naturais são fiscalizadas.
Presidente da Assembleia Popular Noronhense, Nino Alexandre defende que a situação dos moradores que vivem em condições precárias e irregulares deve ser analisada caso a caso:
— Na pandemia, cresceu o número de pessoas que vieram morar na ilha irregularmente, e é preciso atenção para não regularizar qualquer pessoa.
Busca de pluralidade
Noronha é conhecido por não ter preconceitos e celebrar casais homossexuais, católicos — na capela de São Pedro — evangélicos, pessoas de religiões de matriz africana, e quem mais queira. As passagens áreas saem por mais de R$ 2 mil para quem parte de São Paulo ou Rio, e a Taxa de Preservação Ambiental (TPA), que é um tributo cobrado por dia aos turistas, custa R$ 93.
Bárbara Halfin, de São Paulo, se casou em setembro, no Mirante do Boldró, com a ajuda da família. Com uma festa de R$ 250 mil para 60 convidados, os noivos escolheram Noronha por terem passado antes momentos inesquecíveis no arquipélago, onde já estiveram quatro vezes.
— Tivemos que escolher um número seleto de convidados e cada um arcou com seus custos. Para ajudar a economizar, avisávamos quando tinha promoção de passagens, uma das coisas mais caras ao lado da alimentação. O bom de ir em família e amigos é que curtimos o pré e o pós casamento, além do grande dia. Mas precisa de dinheiro — ressalta.
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