Internacional

'Todos estão vigilantes, acham que o vizinho pode ser o inimigo', conta repórter brasileira que cobre o conflito entre Israel e Hamas

Vida 'entra em suspenso' em tempos de guerra, 'todo mundo em tensão', relata a jornalista Paola De Orte

Agência O Globo - 14/10/2023
'Todos estão vigilantes, acham que o vizinho pode ser o inimigo', conta repórter brasileira que cobre o conflito entre Israel e Hamas

Cobrir uma guerra como esta é ouvir sempre a pergunta: "de onde você é?" com olhar de desconfiança e ansiedade de quem faz. Responder "Brasil" sempre tem a mesma reação: um sorriso de alívio e o comentário "O Brasil está do nosso lado". Tanto de israelenses quanto de palestinos.

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A guerra é uma mobilização constante. Toda a vida entra em suspenso, e tudo que se faz e para onde se olha o tema é só um. Nas ruas, o olhar apreensivo de quem passa, a desconfiança de qualquer desconhecido.

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Outro dia precisei pegar o elevador com uma caixa de livros, para abrir espaço no meu quarto. Peguei o elevador com uma senhora que não tirava os olhos da caixa, tentando ler o que estava escrito. Eu avisei: são só livros. Ela respirou aliviada. Todos estão vigilantes, acham que o vizinho pode ser o inimigo.

Quando tento abordar as pessoas para conversar, começar uma entrevista, me perguntam de que lado estou. Explicar o trabalho do repórter é difícil, e muitos parecem ser céticos. Em um mundo polarizado, não há espaço para ouvir o outro, e todos acham difícil de acreditar que a missão do jornalismo seja essa. Mesmo assim, seguimos, sabendo que ninguém mais precisa acreditar na minha missão para que eu acredite e a leve adiante. É uma escolha minha.

'Comunicar o mais importante'

Às vezes, a solidão deste trabalho bate. Quem pode entender o que passa pela minha cabeça? Meus outros amigos jornalistas, que também estão ocupados, apurando, ouvindo, escrevendo histórias, entrando ao vivo, ininterruptamente. A gente tenta trocar mensagens ao longo do dia para garantir que tá todo mundo bem. E torce para poder se encontrar rapidamente na rua, para poder dar um abraço.

Converso com amigos, israelenses judeus e árabes, palestinos. De Gaza, recebo mensagens dos brasileiros tentando procurar um abrigo seguro. O dia inteiro nesse monitoramento: das notícias de pessoas que não conheço e da vida das pessoas que, para mim, já eram um nome antes da guerra começar. Todo mundo em tensão.

Há pouco, enviei uma mensagem a um amigo que ainda não me respondeu. Não falo com ele desde antes da guerra. Já começo a me perguntar: e se? Amanhã vou procurá-lo de novo. Deve estar só preocupado cuidando da família e não teve tempo de me responder. Espero que seja isso.

Quando acordo, todos os dias, me vem aquele susto. Lembro onde estou, o que está acontecendo. Espero que as notícias boas venham logo, sabendo que tudo pode demorar. Por enquanto, a missão é ir até o fim do dia tendo comunicado o que era mais importante.