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Quem é Mohammed Deif, líder militar do Hamas que nasceu em campo de refugiados

Deif, que significa 'convidado' em árabe, sobreviveu a pelo menos sete tentativas de assassinato nos últimos anos

Agência O Globo - 10/10/2023
Quem é Mohammed Deif, líder militar do Hamas que nasceu em campo de refugiados

Há quem diga que ele só tem um olho, que perdeu uma mão e anda em uma cadeira de rodas desde que um ataque de Israel, em 2002, lhe tirou a perna. Sempre envolto em mistério, Mohammed Deif foi quem deu voz ao anúncio da operação do grupo terrorista do Hamas em Israel, no último sábado. “À luz dos crimes contínuos contra o nosso povo, à luz da orgia da ocupação e da sua negação das leis e resoluções internacionais e à luz do apoio americano e ocidental, decidimos colocar um fim a tudo isto”, avisou.

Durante a madrugada, enquanto sua mensagem tomava conta das rádios na Faixa de Gaza, centenas de militares do Hamas se moviam para a fronteira e se preparavam para lançar foguetes contra o território de Israel, num ataque inédito que já deixou milhares de mortos.

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Mohammad Masri, seu nome original, nasceu em 1965, no campo de refugiados Khan Yunis, em Gaza. Ainda que a família tivesse várias dificuldades, conseguiu ir para a faculdade, na Universidade Islâmica de Gaza, onde se formou em Biologia. Depois de ingressar no Hamas, em 1990, ficou conhecido como Mohammed Deif (Deif significa convidado em árabe), devido ao seu estilo de vida nômade.

— Era muito gentil e estava sempre desenhando para nos fazer rir — lembrou Ghazi Hamad, membro do grupo islâmico, citado pelo jornal Financial Times.

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Em 1996, os serviços secretos israelenses assassinaram o seu mentor: Yahya Ayyash, mais conhecido como “O Engenheiro”, perito em fabricar explosivos usados em atentados suicidas. Ele morreu a atender a ligação de um celular que tinha sido armado com uma bomba.

Apesar de ser o homem “mais procurado” pelos militares israelenses desde 1995 — por orquestrar os assassinatos de soldados e civis israelenses — Deif sobreviveu a sete tentativas de assassinato nas últimas duas décadas. A última, em maio de 2021, aconteceu durante a operação que ficou conhecida como Guardião dos Muros, uma resposta ao lançamento de 4,3 mil foguetes, até então sem precedentes. Após intensas negociações diplomáticas, um cessar-fogo entrou em vigor 11 dias depois, em 21 de maio.

Na primeira tentativa, Deif teria perdido um olho e, na segunda, uma parte do braço. Em 2014, sua esposa, Deif, o filho de 7 meses e a filha de 3 anos foram mortos por um ataque aéreo israelense.

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Deif tornou-se o comandante militar supremo das Brigadas Izz ad-Din al-Qassam depois que Israel assassinou Salah Shehade, em julho de 2002. Seu legado inclui ainda a fabricação de foguetes Qassam, a criação de uma infraestrutura de túneis e à aproximação com o Irã, que permitiu um forte aumento do fornecimento de armas.

A aposta nos sequestros é também um traço do braço armado do Hamas liderado por Deif — uma das táticas usadas neste novo ataque. O grupo terrorista tem raptado milhares de israelenses que seriam usados como moeda de troca para reaver os palestinos presos por Israel.

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Para analistas, Israel também pode ter errado em sua avaliação de que o Hamas não tinha capacidade de travar uma guerra de grandes proporções neste momento.

— Minha impressão é que a inteligência israelense tem se concentrado na fronteira norte e na ameaça do Hezbollah e do Irã. E isso não significa que eles não estejam de olho no Hamas nem suspeitem das ligações entre o Hamas e o Irã — disse disse ao GLOBO Joost Hiltermann, diretor do programa de Oriente Médio do Crisis Group e especialista no tema.

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A repórteres, o general reformado Yaakov Amidror, conselheiro de Segurança Nacional de Israel de 2011 a 2013, disse que a ideia que autoridades israelenses têm do grupo terrorista é totalmente equivocada.

— Cometemos um erro monumental, e eu me incluo, ao acreditar que uma organização terrorista poderia modificar seu DNA — acrescenta Amidror, que é pesquisador no Instituto de Estratégia e Segurança de Jerusalém. — Nossos amigos ao redor do mundo nos disseram que (o Hamas) estava se comportando de maneira mais responsável, e fomos tão estúpidos que acreditamos nisso.

O diretor do Fórum dos Estádios Palestinos da Universidade de Tel Aviv, Michael Milshtein, concorda que as autoridades israelenses não quiseram acreditar numa possível escalada do conflito.

— Israel acreditou que o Hamas não queria uma escalada, embora a mensagem estivesse clara — afirmou à AFP. (Com AFP)