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Guerra no Oriente Médio: entenda o maior ataque do Hamas e a contraofensiva israelense

Ações terroristas começaram nas primeira horas do sábado, com o envio de mais de 2,5 mil foguetes da Faixa de Gaza pelo grupo extremista armado Hamas e, até agora, já vitimaram quase mil pessoas dos dois lados da fronteira

Agência O Globo - 08/10/2023
Guerra no Oriente Médio: entenda o maior ataque do Hamas e a contraofensiva israelense

Os israelenses acordaram assustados e permanecem em choque desde então frente à maior ofensiva militar de uma organização palestina contra o país em sua história. Na Faixa de Gaza, a população se protege como pode do avanço da força aérea israelense. Nas primeiras horas da manhã de sábado, o braço armado do Hamas enviou mais de 2,5 mil foguetes da Faixa de Gaza, área controlada pelo grupo extremista armado desde 2007, seguidos de ataques maciços por ar, com a ajuda de parapentes, terra, com a invasão do país por centenas de combatentes palestinos, e mar, com uma lancha transportando caças — no que foi batizado de Operação Dilúvio de al-Aqsa. Israel reagiu com bombardeios aéreos.

Os ataques palestinos tiveram como alvo dezenas de cidades e localidades no sul e no centro de Israel, incluindo a capital Tel Aviv e Jerusalém. Já são quase mil mortos e 4 mil feridos no total. Do lado palestino, 313 mortos e 2 mil feridos, segundo o Ministério da Saúde na Faixa de Gaza. Do israelense, 600 mortos e 1.800 feridos, de acordo com levantamento mais recente feito pela mídia local.

O governo de Israel também afirma que há mais de 100 israelenses feitos reféns pelo Hamas. Um alto funcionário do grupo palestino disse que o objetivo da captura de reféns é o de trocá-los por prisioneiros palestinos detidos nas cadeias israelenses, concentradas nas cidades de Be'eri e Ofakim.

Os ataques terroristas pegaram Israel de surpresa, observam analistas. Em ataques anteriores, as autoridades estavam alertas, cientes de que poderiam acontecer a qualquer momento. Eles se limitaram a lançamentos de mísseis contra vilas fronteiriças. Desta vez, o choque é maior porque não se esperava a invasão do país, demonstrando falhas na Inteligência de Israel, uma das mais sofisticadas e bem financiadas do planeta.

Enclave palestino localizado entre o Egito, Israel e o Mar Mediterrâneo, a Faixa de Gaza vive sob bloqueio severo terrestre, aéreo e marítimo de seus vizinhos desde 2007, quando o Hamas chegou ao poder. O único ponto de trânsito com o mundo exterior fora do controle de Israel é Rafah, com seu posto mantido aberto pelo Egito na maior parte do tempo.

Nas fronteiras de Gaza, há milhares de câmeras, sensores de movimento terrestre e patrulhas regulares do Exército, recém instalados ao longo de 65 quilômetros. Uma cerca com arame farpado é usada como “barreira inteligente” justamente para evitar o tipo de infiltração que ocorreu nos ataques do último sábado. Pensava-se, portanto, que as fronteiras eram controladas por Israel — mas isso não foi suficiente para evitar a invasão.

A intensidade da guerra — decretada pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, ainda no sábado, e aprovada pelo Gabinete de Segurança de Israel neste domingo — sublinha a complexidade do conflito que, com períodos de paz manchados por pequenos ataques, se arrasta ao longo do século. Para ajudar a entender o mais novo capítulo da crise entre Israel e Palestina, O GLOBO organizou perguntas e respostas sobre o que já se sabe dos ataques terroristas.

Por que Israel foi atacado?

O ataque terrorista neste sábado foi motivado pelo conflito mais duradouro do planeta, entre Israel e Palestina. A região localizada no Oriente Médio é considerada sagrada para judeus, católicos e muçulmanos — e pertencia, por volta do século XX, ao Império Otomano, com população majoritariamente muçulmana.

Após a Primeira Guerra Mundial (1914-18), com a desintegração do Império Otomano, a Inglaterra passou a administrar o território. O movimento sionista centralizou então o desejo da maior parte dos judeus de terem um Estado na região, historicamente berço de sua população, em que pudessem se estabelecer. Àquela altura, árabes e muçulmanos já estavam incomodados com a crescente migração de judeus — o que só piorou frente às promessas da Inglaterra, que se mostraram falaciosas, de acomodar na área tanto árabes quanto judeus.

O desastre do Nazismo e o Holocausto, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), pressionaram ainda mais a comunidade internacional para a criação de um Estado judeu. A ideia original era a de que o território fosse repartido entre judeus e palestinos. Apenas uma das partes foi atendida: em 14 de maio de 1948 o Israel moderno foi fundado. A criação só acirrou ainda mais o conflito, culminando em uma invasão conjunta de Egito, Jordânia, Síria e Iraque no território recém-fundado, levando a Organização das Nações Unidas (ONU) a concordar com a redução pela metade do território que seria destinado aos países árabes.

Ali começava a Nakba para os palestinos, que significa “catástrofe” e marca a expulsão de árabes (levantinos) muçulmanos e cristãos da Palestina histórica, dando início à tragédia humanitária dos refugiados. Segundo a BBC, cerca de 750 mil palestinos fugiram para países vizinhos ou foram expulsos por tropas de Israel.

Em relatório da Assembleia Geral da ONU, de 1947, o Comitê Especial das Nações Unidas sobre a Palestina (UNSCOP) recomendou que no novo Estado Árabe estariam a “Galiléia Ocidental, a região montanhosa de Samaria e Judéia, com exclusão da cidade de Jerusalém, e a planície costeira de Ishdud até a fronteira egípcia". Mas os territórios foram redefinidos no Armistício de 1949, mantendo com os árabes a Cisjordânia (que inclui Jerusalém Oriental) e a Faixa de Gaza.

Desde então, diversas guerras pelo controle da região se sucederam, como a Guerra dos Seis Dias, em 1967, na qual Israel anexou, do Egito, a Península do Sinai, e da Síria, as Colinas de Golã, além da Faixa de Gaza e a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental).

Uma coalizão de países árabes, liderados pelo Egito e pela Síria, buscou retomar os territórios perdidos seis anos mais tarde, em um dos conflitos mais avassaladores da história de Israel, a Guerra do Yom Kippur, iniciada no dia 6 de outubro de 1973, durante o feriado judaico do Dia do Perdão, o mais sagrado do calendário judeu.

As invasões deste sábado opõem o Hamas, um grupo extremista armado que controla a Faixa de Gaza, a Israel, hoje governado por uma coalizão de extrema-direita nacionalista liderada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

O que é a Faixa de Gaza?

Limitada ao norte e ao leste pelo território israelense, a oeste pelo Mediterrâneo e ao sul pelo Egito, a Faixa de Gaza é um estreito território de 360 km², 41 km de comprimento e entre 6 a 12 km de largura. Vivem na região mais de dois milhões de palestinos. São quase 6 mil habitantes por km² — uma das densidades populacionais mais altas do mundo.

A Faixa de Gaza tem mais de 5 mil anos de história. Em 1998, a descoberta do sítio arqueológico de Tell es-Sakan mostrou que uma cidade cananéia fortificada esteve lá continuamente ocupada entre 3.200 a 2.000 A.C.

Posteriormente, Gaza esteve sob o domínio, entre outros, dos assírios, babilônios, romanos, árabes e cristãos (assim como toda a Palestina). Em 1948, passou para o controle egípcio, logo após a proclamação do Estado de Israel (em 14 de maio daquele ano). Menos de duas décadas depois, em 1967, Israel anexou o enclave após a Guerra dos Seis Dias entre árabes e israelenses, retirando-se unilateralmente em 2005.

Desprovida de recursos naturais, a Faixa de Gaza sofre com escassez crônica de água e combustível. O desemprego atinge metade da população, incluindo três quartos dos jovens. Mais de dois terços da população depende de ajuda humanitária. A mesma proporção vive abaixo da linha de pobreza.

Nos últimos 15 anos, a população de Gaza enfrentou seis guerras. A mais recente, em maio deste ano, durou cinco dias e teve como saldo 35 palestinos mortos, incluindo líderes da Jihad Islâmica.

Como aconteceu o ataque?

A ofensiva do Hamas contra o Estado de Israel começou às 6h30 de sábado com os disparos de foguetes de vários locais de Gaza. Foram pelo menos 2.200 foguetes disparados de Gaza até as 10h30, horário local (07h30 GMT), disse o porta-voz do exército israelense, tenente-coronel Richard Hecht, a repórteres. O braço armado do grupo islâmico diz que lançou 5.500 projéteis.

Em seguida, começaram os ataques de entre 200 e 300 combatentes palestinos infiltrados em Israel em diversas localidades próximas à fronteira. Segundo o governo israelense, os terroristas usaram picapes, botes de borracha e até parapentes na ação.

Um porta-voz das Forças Armadas israelenses confirmou que vários civis e soldados foram mantidos reféns em suas casas, como em Ofakim, ou levados para o território palestino. O número total de capturados, informa o Haaretz, é desconhecido, mas estima-se que sejam mais de 100 cidadãos.

Em comunicado divulgado após o início dos ataques, o Hamas declarou que decidira "pôr fim a todos os crimes da ocupação [israelense], [pois] o seu tempo de violência sem responsabilização acabou".

Quem é o Hamas, que atacou Israel?

O grupo armado, também chamado de Movimento de Resistência Islâmica, foi fundado em 1987, durante a primeira Intifada, ou revolta, palestina. Seu objetivo, segundo a carta que marca sua fundação, é a “destruição de Israel”.

Conhecido por seus ataques armados como resistência contra a ocupação israelense, o Hamas não reconhece Israel e se opõe aos Acordos de Paz de Oslo, negociados por Israel e pela Organização da Libertação da Palestina (OLP) em meados da década de 1990.

Ainda assim, seus líderes por vezes ofereceram uma trégua de longo prazo em troca do reconhecimento de um estado independente Palestino em todos os territórios ocupados por Israel em 1967, o que foi rechaçado por Tel Aviv.

O Hamas controla a Faixa de Gaza desde 2007, após vencer as eleições de 2006 e de vencer uma breve guerra civil contra as forças leais ao Fatah, liderado pelo presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas. O grupo armado também tem alguma força na Cisjordânia e líderes espalhados por todo o Oriente Médio.

Atualmente, é apoiado pelo Irã, pela Irmandade Muçulmana, estabelecida no Egito na década de 1920, e pelo grupo xiita Hezbollah, no Líbano. O Hamas é considerado organização terrorista por, além de Israel, Estados Unidos, União Europeia, Canadá, Egito e Japão.

Por que a operação se chama “Dilúvio al-Aqsa”?

O Hamas descreveu o ataque terrorista a Israel deste sábado como uma operação “em defesa da mesquita de Al-Aqsa”. O complexo que fica em Jerusalém é foco histórico de tensão entre israelenses e palestinos.

Os muçulmanos chamam a região, que também inclui o santuário da Cúpula da Rocha (ou Domo da Rocha), de Haram al-Sharif, ou Santuário Nobre. Os fiéis crêem que o profeta Maomé viajou de Meca até à mesquita em uma noite para orar antes de ascender ao céu.

Já os judeus chamam o local de Monte do Templo, e o consideram sagrado pois é onde ficavam dois templos antigos importantes para a religião, destruídos pelos romanos no ano 70 D.C. O único vestígio deles é o Muro das Lamentações.

Como na Guerra Árabe-Israelense de 1967 os territórios anexados por Israel — Jerusalém Oriental e a Cidade Velha, onde fica a esplanada — foram considerados ocupados pela maioria da comunidade internacional, a mesquita passou a ser administrada pelo Waqf, uma organização controlada pela Jordânia. O local seguiu como um templo para culto de muçulmanos. Judeus e cristãos podem visitá-lo, mas durante anos foram impedidos de rezar ali, com objetivo de evitar confrontos.

Recentemente, porém, a polícia israelense permitiu discretamente que os judeus passassem a fazer suas orações no local, e cada vez mais nacionalistas religiosos israelenses têm feito questão de ir ao local, o que os palestinos vêem como provocação. Neste último sábado, a declaração da ala militar do Hamas citou a presença de fieis judeus no complexo como uma “agressão”, que tinha “chegado a um pico nos últimos dias”.

Como está sendo a contraofensiva israelense?

As Forças Armadas de Israel afirmaram que destruíram até o fim da tarde do segundo dia da guerra cerca de 800 alvos na Faixa de Gaza, incluindo plataformas de lançamento de mísseis usadas pelo Hamas. A contraofensiva foi lançada em força total um dia depois de o grupo extremista armado palestino iniciar o amplo ataque terrorista contra o país — considerada a maior ofensiva contra Israel em 50 anos.

O porta-voz das Forças Armadas, contra-almirante Daniel Hagari, declarou em comunicado à imprensa que foram mortos centenas, feridos milhares e capturados dezenas de combatentes do Hamas, acrescentando que "ainda há forças inimigas dentro de Israel", com parte dos infiltrados tentando, segundo ele, fugir para Gaza e sendo mortos na fronteira.

A contraofensiva teve início por volta das 3h45 da madrugada de domingo (19h45 de sábado em Brasília). Ainda segundo Hagari, "a população israelense merece respostas, e é nossa responsabilidade fornecê-las. Estamos no meio de uma guerra; primeiro lutaremos e depois investigaremos", prometendo caçar os "terroristas onde quer que estejam".

O militar também destacou a atuação das forças israelenses em diversas áreas na região, incluindo confrontos em Be'eri, Kfar Azza, Zikim, Nahal Oz e Kissufim. Além disso, mencionou um ataque massivo a Beit Hanoun, com mais de 50 jatos de combate e "toneladas de munições" lançadas em 120 localidades. Ele afirmou que a Força Aérea de Israel está operando com capacidade total e que o Hamas sofreu centenas de baixas em resposta ao ataque israelense, com dezenas de combatentes inimigos capturados.

O porta-voz internacional das Forças Armadas de Israel, tenente-coronel Richard Hecht, explicou em coletiva de imprensa que o objetivo do contra-ataque é "encerrar o enclave de Gaza" e "neutralizar todos os terroristas em nosso território". Embora os ataques por parte do Hamas tenho tido escala inédita, Hecht evitou discutir falhas de inteligência, afirmando que a questão "será discutida em uma ocasião posterior".