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Nobel da Paz: relembre os vencedores mais polêmicos do prêmio que será anunciado nesta sexta-feira

Premiação tem histórico de escolhas que geraram controvérsia internacional e homenageados que terminaram manchando sua biografia com acusações de violações aos direitos humanos

Agência O Globo - 06/10/2023
Nobel da Paz: relembre os vencedores mais polêmicos do prêmio que será anunciado nesta sexta-feira

Nesta sexta-feira, será anunciado o vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 2023, em Oslo. No ano passado, já em meio à guerra na Ucrânia, o prêmio teve o conflito como pano de fundo. Os vencedores foram o ativista bielorusso Ales Bialiatski e as organizações de direitos humanos Memorial, da Rússia, e Centro pelas Liberdades Civis, da Ucrânia. A homenagem a representantes dos dois países que se enfrentam em combates gerou críticas do governo ucraniano — assim como inúmeras outras escolhas do comitê norueguês, responsável pelo Nobel da Paz, que provocaram polêmicas ao longo da História da premiação.

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Em 2022, Ales Bialitski ganhou o prêmio enquanto estava preso pelo regime de Alexander Lukashenko, por atuar no movimento pró-democracia em Minsk. Em março deste ano, ele foi condenado a 10 anos de prisão. A Memorial foi fundada em 1987 por ativistas dos direitos humanos na antiga União Soviética, com o objetivo de garantir que "as vítimas da opressão do regime comunista nunca sejam esquecidas”. Seu fundador mais notório é Andrei Sakharov, o pai da bomba de hidrogênio soviética que mais tarde se tornaria um ativista pelo desarmamento nuclear — postura que lhe rendeu o Nobel da Paz em 1975. A Memorial foi fechada em 2021, após ser classificada como "agente estrangeiro", uma tipificação legal que carrega conotações ligadas à espionagem na Rússia. Já a organização ucraniana Centro para as Liberdades Civis tem como objetivo promover os direitos humanos e a democracia na Ucrânia.

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Criticado ao longo de décadas por decisões controversas — ou por evitar controvérsias políticas — desta vez o comitê não se esquivou de defender a democracia e a "coexistência pacífica nos países vizinhos: Bielorrússia, Rússia e Ucrânia". O prêmio, contudo, não foi bem recebido pelo governo ucraniano. O conselheiro do presidente Volodymyr Zelensky, Mykhailo Podolyak, escreveu na ocasião:

"O Comitê tem uma compreensão interessante da palavra 'paz' se representantes dos dois países que atacaram um terceiro recebem juntos o prêmio", disse ele. "As organizações russas e bielorrussas não conseguiram organizar resistência à guerra.

Esse é apenas um pequeno exemplo das polêmicas provocadas pelo Prêmio Nobel da Paz. Conheça alguns dos principais nomes que geraram críticas e reveses para o comitê norueguês:

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Henry Kissinger [1973]

Em 1973, o premiado foi Henry Kissinger, o controverso ex-secretário de Estado e estrategista político americano. O comitê decidiu reconhecer seus esforços pelo cessar fogo na Guerra do Vietnã, junto ao diplomata Le Duc Tho, que recusou a homenagem. Mais tarde, documentos sigilosos liberados pelo governo americano comprovaram a participação de Kissinger, então secretário de Segurança Nacional, em uma postura agressiva de Washington no apoio ao golpe militar no Chile e à derrubada de Salvador Allende, no mesmo ano em que recebera o título.

Aung San Suu Kyi [1991]

A ganhadora do prêmio em 1991, Aung San Suu Kyi, também iria manchar a trajetória da premiação. Então líder do movimento pela democracia em Mianmar, esteve presa por quase 15 anos durante a longa a ditadura militar que a impediu de assumir o governo do país em 1990, mas acabou acusada de conivência com genocídio pela ONU. Após sair da prisão, San Suu Kyi foi conselheira de Estado do país quando as Forças Armadas promoveram uma onda de repressão à minoria muçulmana rohingya, entre 2016 e 2017. As Nações Unidas relataram execuções e estupros em massa “com intenção genocida”.

A violência em Mianmar causou uma crise de refugiados e a ex-líder democrática foi apontada como responsável por inação em defender os rohingya do massacre. Apesar de um movimento internacional para que o prêmio fosse revogado, o comitê norueguês reafirmou, em 2018, que as regras do Nobel não permitem a retirada do prêmio e que San Suu Kyi foi escolhida por sua atuação até o ano de 1991.

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Yitzhak Rabin, Shimon Peres e Yasser Arafat [1994]

A escolha do então primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, do então chanceler israelense Shimon Peres e do então presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP),Yasser Arafat, em 1994 provocou um série de polêmicas. Inimigos históricos, eles foram agraciados em reconhecimento pelos Acordos de Oslo, assinados em Washington um ano antes.

Por decisão da maioria dos seus membros, o Comitê do Nobel premiou os esforços dos três homens na tentativa de encerrar décadas de ódio e guerras entre israelenses e palestinos. Um dos cinco jurados, o norueguês Kaare Kristiansen, renunciou ao cargo. Ele não concordou com a premiação de Arafat, pelo seu passado de envolvimento com atentados terroristas.

— Não tenho o direito de premiar alguém que matou tantos inocentes — justificou Kristiansen na época.

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Barack Obama [2009]

Em 2009, a escolha do então recém-empossado presidente dos EUA, Barack Obama, foi amplamente questionada, após menos de um ano de mandato, e quando era comandante-em-chefe de Forças Armadas envolvidas em duas guerras, no Iraque e no Afeganistão. Anos depois, Obama se tornou o primeiro ocupante da Casa Branca a completar oito anos de gestão com tropas de seu país em combate ativo.

Malala Yousafzai [2014]

Malala Yousafzai se tornou a mais jovem vencedora do prêmio em 2014. Para evitar questionamentos sobre a credibilidade da escolha pela pouca idade, o comitê decidiu compartilhar a premiação com o ativista indiano Kailash Styarthi. Ambos foram apontados como expoentes do combate contra a exploração infantil e dos jovens e pelo direito de todos à educação

Abiy Ahmed [2019]

Em 2019 foi a vez do primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed, pelo acordo que pôs fim à guerra que seu país travava com a Eritreia. Meses depois, contudo, seu governo entraria em uma guerra civil com grupos separatistas na região de Tigré, no Norte do país. Em um raro movimento, o comitê norueguês criticou o premiado, no ano passado, alegando que ele tinha "responsabilidade especial" em acabar com o conflito na região.

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Dmitri Muratov [2021]

Em 2021, os vencedores foram os jornalistas Maria Ressa e Dmitri Muratov, por seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão — a filipina é confundadora do Rappler, um site de jornalismo investigativo, enquanto o russo fundou o jornal Novaya Gazeta [Nova Gazeta], que se manteve crítico ao presidente russo, Vladimir Putin, apesar da perseguição à imprensa. Em junho deste ano, Muratov anunciou o leilão de sua medalha, prometendo reverter o lucro para o trabalho que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) faz para ajudar crianças vítimas da guerra na Ucrânia.