Internacional

Socialistas e direita tradicional se unem para evitar novo fracasso em referendo sobre Constituição no Chile

Embates durante a formulação da proposta minam popularidade do texto: 59% dos eleitores são contra e apenas 21% são a favor de uma nova Constituição, menor porcentual dos últimos seis meses

Agência O Globo - 28/09/2023
Socialistas e direita tradicional se unem para evitar novo fracasso em referendo sobre Constituição no Chile

Desde que o Conselho Constitucional chileno começou a votar uma nova proposta de Constituição em 16 de setembro — que deverá ser apresentada em 7 de outubro para uma segunda etapa de revisão —, o processo corre um alto risco de ter o texto rejeitado mais uma vez pelos chilenos. A possibilidade mobilizou um grupo de partidos políticos de diferentes espectros políticos, contrários às emendas impulsionadas até agora pela extrema direita, que buscam evitar outro fiasco como o do referendo no ano passado.

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O órgão, formado por 50 membros — 17 da esquerda governista e 33 da oposição —, aprovou uma série de emendas promovidas pelo Partido Republicano, de extrema direita, que tem o controle com 22 cadeiras. Se na semana passada foram aprovados artigos como "o direito à vida do nascituro", a expulsão imediata de migrantes que entram por passagens não autorizadas e a isenção de impostos para a primeira casa (que beneficia os que têm as rendas mais altas), nesta segunda-feira analisou-se o capítulo sobre o Congresso Nacional, sendo editada uma norma que reduz o número atual de 155 deputados para 138.

Os opositores da nova proposta constitucional crescem a cada dia e, diante do perigo de uma segunda derrota, partidos distantes dos extremos tentam uma operação de resgate. O jornal chileno La Tercera informou que nesta segunda-feira os presidentes dos partidos União Democrática Independente (UDI) e Renovação Nacional (RN), da oposição tradicional de direita, e do Partido Socialista, da esquerda governista, reuniram-se para buscar fórmulas para salvar o processo atual. Embora ainda haja etapas pela frente para melhorar o texto — o novo projeto voltará à Comissão de Especialistas em 7 de outubro —, as opções diminuem com o passar do tempo.

De acordo com fontes ligadas ao processo constituinte, a negociação do texto envolve as forças políticas do país como um todo, isto é, vai além dos representantes do Conselho, ainda que sejam responsáveis pela coordenação. A lógica está no fato de que foram os partidos que iniciaram a segunda tentativa constitucional no final de 2022 e, de certa forma, se ela falhar, todos falharão.

No entanto, tem sido um processo complexo que, segundo várias pesquisas de opinião, não só carece do interesse e da confiança do público, mas também de apoio dos eleitores. No domingo, uma pesquisa do instituto Cadem mostrou que 59% não aprovariam a nova Constituição, dois pontos a mais do que há uma semana. Apenas 21% são a favor de apoiar o texto no referendo de 17 de dezembro, o porcentual mais baixo em seis meses.

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'Direito ao fracasso'

A tensão no Conselho Constitucional durante as votações foi além do plenário. O embate que já existia no órgão entre o partido governista e a oposição se junta agora às críticas ferozes da direita tradicional às propostas promovidas pela extrema direita — cujo líder, José Antonio Kast, quer concorrer à Presidência em 2025.

No domingo, a prefeita de Providencia, Evelyn Matthei, da UDI, disse em entrevista à CNN que esse segundo processo constitucional "caminha para o fracasso e a única maneira de encerrar essa questão é ter um texto final o mais próximo possível do texto dos especialistas".

— Espero que ele possa ser aprovado. Não estou dizendo que sou contra a aprovação de uma nova Constituição. O que estou dizendo é que esta, que os conselheiros escrevem agora, não será aprovada, não tem chance de ser aprovada — afirmou.

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Após a declaração de Matthei, Kast iniciou uma ofensiva no X (ex-Twitter) na segunda-feira defendendo as emendas republicanas e criticando a oposição e o governo.

As declarações de Matthei bagunçaram o Conselho. No momento, vozes da esquerda chilena pedem que o projeto da Comissão de Especialistas — que elaborou uma versão mais moderada e consensual — seja apresentado ao Congresso como uma reforma constitucional, ignorando assim o trabalho do Conselho.

Mas a extrema direita se opõe: "Eles querem anular o Conselho Constitucional, eleito por mais de 12 milhões de chilenos", escreveu Kast no X, atribuindo a manobra ao governo do presidente Gabriel Boric.

O presidente da UDI, Javier Macaya, foi na contramão da correligionária, reafirmando seu compromisso com o processo atual. "Trabalhamos para que o voto 'a favor' vença em 17 de dezembro para termos uma boa Constituição que encerre a questão constituinte e dê estabilidade ao Chile. Não apoiaremos a ideia de que o processo continue após 17 de dezembro, levando ao Congresso o texto de especialistas ou algo semelhante", escreveu o líder do histórico partido da direita tradicional.

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Rejeição da regra da paridade

O Chile está em sua segunda tentativa em três anos de mudar a Constituição de 1980, adotada sob a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Em setembro do ano passado, 62% dos cidadãos rejeitaram a proposta de lei apresentada pelo Conselho Constitucional, composta por uma maioria de parlamentares independentes de esquerda. Atualmente, o Conselho Constitucional trabalha com base em um anteprojeto elaborado entre março e junho pela Comissão de Especialistas, nomeada pelo Congresso pelos partidos políticos, à qual a oposição da extrema direita dos republicanos já apresentou uma série de emendas.

A mudança no número de parlamentares provocou um novo confronto entre o partido governista e a oposição. A lei obteve 30 votos a favor, mas três conselheiros da direita tradicional se abstiveram de apoiá-la. Por outro lado, toda a esquerda votou contra, acusando a direita, especialmente os republicanos, de desconhecer as razões técnicas pelas quais se chegou ao atual número — no Chile, uma reforma anterior já havia aumentado o número de deputados de 120 para 155.

O plenário também aprovou uma emenda que obriga os deputados a renunciar ao cargo caso deixem seus partidos. A votação foi unânime.

Além disso, o plenário rejeitou uma lei que garantia a transição para a paridade de gênero no Congresso, com a abstenção dos republicanos. Sugerida pela Comissão de Especialistas, a proposta buscava um equilíbrio de 60% e 40% entre homens e mulheres, o que implicava em uma correção caso não fosse cumprida. Ela se aplicaria às duas eleições após a entrada em vigor do novo texto.