Internacional
Protagonismo verde: Lula terá mais duas viagens no ano em busca de destaque ambiental
Objetivo do presidente é conseguir ser uma ponte entre os países ricos e o Sul Global nas discussões em torno do aquecimento global
Em um ano marcado por uma intensa agenda internacional, com quase 70 dias fora do Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrará o ciclo de viagens de 2023 com a participação na conferência mundial sobre o clima (COP 28) em Dubai, de 30 de novembro a 12 de dezembro. Depois, está previsto que o retorno ao país será com uma visita oficial à Alemanha, país parceiro no tema verde e doador do Fundo Amazônia. O objetivo de Lula é conseguir se tornar uma ponte entre os países ricos e o Sul Global nas acirradas discussões em torno do aquecimento global.
Embora não tenha obtido sucesso em se colocar como um mediador para a guerra da Ucrânia, melhorar o ambiente democrático na Venezuela ou conseguir compromissos reais para a redução da fome e da desigualdade, Lula, segundo integrantes do governo e especialistas, têm conseguido protagonismo verde por apresentar resultados na agenda ambiental. Em seu discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, na última terça-feira, em Nova York, foi bastante aplaudido ao anunciar uma redução de 48% no desmatamento da floresta amazônica até agosto. Essa queda, explicou um integrante do governo, corresponde a uma diminuição de 25% das emissões de gases que impactam nas mudanças climáticas do Brasil.
Assim, o presidente brasileiro — que em outros temas foi muito criticado, quando questionou a presença do país no Tribunal Penal Internacional — começa a se colocar como ponte entre países desenvolvidos e o chamado Sul Global, ou seja, as nações em desenvolvimento. E Lula enfatiza isso ao cobrar recursos das nações industrializadas, para que os emergentes possam tomar providências contra o aquecimento global. São assuntos que serão tratados tanto na COP como na visita a Berlim.
— A presença brasileira tem sido positiva nas discussões sobre a agenda climática global, abordando a intensificação catastrófica dos eventos climáticos, que causam enormes perdas econômicas em escala mundial. A colaboração também abrange as metas de descarbonização global e a geração de créditos no atual mercado de carbono — afirma Rui Mucaje, presidente da Câmara de Comércio Brasil-África (AfroChamber).
Petróleo é desafio
Para Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima — grande coalização de entidades ambientalistas no Brasil — Lula tem pela frente alguns riscos que podem prejudicar seus planos. Um deles é a falta de uma declaração mais firme sobre o que pensa dos combustíveis fósseis, atualmente o principal debate global.
— O petróleo faz parte de um cenário mais desafiador, não porque o Brasil é produtor ou explorador. A questão é a narrativa, o posicionamento. O Brasil vai se posicionar pelo fim dos combustíveis fósseis, que é a grande pauta global? Ou vai limitar sua atuação à agenda florestal e perder protagonismo para outro líder? — pergunta.
Lula também tem pelo caminho o impasse causado pela recusa do Ibama em permitir que a Petrobras faça testes de exploração de petróleo na chamada Margem Equatorial, que abrange a foz do Rio Amazonas. Enquanto a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirma que a decisão é técnica e só pode ser alterada se a estatal apresentar estudos consistentes, o presidente brasileiro defende o direito do Brasil ao menos pesquisar a viabilidade de exploração nessa região. Para Lula, a decisão "é de Estado", o que pode colocá-lo em rota de colisão com ambientalistas.
Astrini destaca que Lula também terá de enfrentar problemas domésticos, mais especificamente com o Congresso. A questão do marco temporal é um exemplo. Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha derrubado a tese de que só podem ser demarcadas terras que já estavam ocupadas por indígenas no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, o tema pode voltar ao Legislativo por projeto de lei.
— Há coisas acontecendo no Brasil que podem jogar água fria na fervura. Há também projetos de grilagem de terras, fim do licenciamento ambiental, agrotóxicos, que, se forem aprovados, vão para a mesa de Lula, que será pressionado a vetar, mas precisará do apoio de grupos, como os ruralistas, para aprovar assuntos de interesse do Executivo — alerta.
Reequilíbrio
Ao buscar o papel de porta-voz do mundo em desenvolvimento, Lula defende maior participação dos emergentes nas grandes decisões, um lugar para o Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e o fim do protecionismo comercial com pretextos ambientais.
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Passados nove meses de governo e visitas a 22 países, diplomatas estrangeiros ouvidos pelo GLOBO comemoram os resultados e citam, como exemplo, a Cúpula dos Países Amazônicos, realizada em Belém em agosto, e o compromisso de realizar a COP de 2025 na cidade. Mas ainda há obstáculos para consolidar a imagem de Lula como um protagonista verde no debate global.
Segundo um interlocutor de uma importante embaixada europeia, há duas questões que incomodam: o fato de Lula não ser mais duro com a Rússia sobre a guerra na Ucrânia, e ainda a meia-trava do brasileiro no acordo entre Mercosul e União Europeia.
Outras conquistas
Para o professor de relações internacionais da Universidade de Brasília, Roberto Goulart Menezes, Lula poderia ter feito mais em sua política externa, não fosse a conturbada agenda doméstica:
— Lula teve de usar uma parte importante de sua energia política para negociar as principais pautas com o presidente da Câmara, Arthur Lira. E a tentativa de golpe de 8 de janeiro demandou um esforço imenso do governo para assegurar a democracia no país.
Marianna Albuquerque, professora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, avalia que a intensa agenda internacional de Lula no terceiro mandato é “mais do que recomendável, é necessária”, e vê avanços para além da pauta verde:
— Muitas das viagens de Lula também tiverem o intuito de reforçar pilares centrais da sua política externa, como o reforço das relações com a região sul-americana, a retomada da cooperação com a África e as demandas pela reforma do sistema multilateral.
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