Internacional
Piketty elogia fala de Lula na ONU e diz que urgência climática só se resolve com queda na desigualdade
O economista francês, autor do best-seller O Capital no Século XXI, afirma que é importante que países em desenvolvimento tenham maior peso nos grandes debates globais
O economista francês Thomas Piketty, autor do best-seller O Capital no Século XXI e professor da Escola de Economia de Paris, elogiou o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ONU, na última, terça-feira, quando o brasileiro priorizado o enfrentamento da desigualdade e das mudanças climáticas. Para o francês os dois temas têm de caminhar juntos.
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Ao lado da mulher, a também economista Julia Cagé, de 39 anos – com quem forma um dos casais mais midiáticos do meio acadêmico francês –, ele acaba de lançar na França Uma História do Conflito Político (Éditions du Seuil). No livro, os dois usam um método semelhante ao da obra mais famosa de Piketty, a análise de "big data" – no caso, mais de duzentos anos de resultados eleitorais –, para tentar explicar o comportamento do eleitor francês. Os dados do livro podem ser acessados gratuitamente no site unehistoireduconflitpolitique.fr.
Piketty afirmou ao GLOBO que as principais conclusões do estudo podem ser aplicadas a vários países, incluindo o Brasil. Entre elas, a de que a classe social e a localização geográfica (o que ele e Cagé batizaram de "classes geossociais") continuam a ser os fatores preponderantes na decisão de voto, por mais que outras questões, como a religião ou as "guerras culturais", pareçam dominar o debate político atual.
O presidente Lula citou em vários momentos de seu discurso em Nova York a questão da desigualdade. Como o senhor vê o fato de o tema central de seu trabalho de pesquisa pautar líderes mundiais em um fórum internacional como a ONU?
Creio que, para fazer frente a todos os desafios sociais e climáticos, não temos outra escolha a não ser levar a sério a questão das desigualdades em nível global. É verdade que até hoje as discussões que ocorreram sobre as injustiças fiscais internacionais foram dominadas principalmente pelos países do Norte. O que se nota nas decisões na OCDE (a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne 38 países, a maioria desenvolvidos; o Brasil pleiteia tornar-se membro da entidade), em matéria fiscal, sobre as multinacionais, sobre os lucros transferidos no passado – e na verdade até hoje – para os paraísos fiscais, foram tomadas de forma parcial pelas administrações fiscais dos países do Norte, deixando de lado os do Sul. No fim das contas, isso é muito insatisfatório. Acho muito importante que os países do Sul, em particular o Brasil, a Índia, mas todos os países grandes e pequenos, assumam para si essas questões e coloquem seus pontos de vista na mesa – pontos de vista concretos, quantificados. E que consigam formar uma coalizão com os cidadãos do Norte que sintam afinidade com esse tipo de proposta. Portanto, há de fato um interesse considerável e eu acredito que o Brasil e o presidente Lula podem desempenhar um papel nisso tudo.
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O senhor tem posições políticas de esquerda, e seu novo livro analisa a história eleitoral da França, onde existe a possibilidade de vitória da extrema direita na próxima eleição presidencial, em 2027. A vitória de Lula no Brasil traz alguma lição para a esquerda francesa?
Acho que o Partido dos Trabalhadores, quando esteve no poder pela primeira vez, conseguiu convencer parte da classe trabalhadora brasileira graças às políticas de transferência, à política do salário mínimo, o Bolsa Família etc. Mas isso não foi suficiente, porque no final também houve dificuldades na adoção de reformas mais estruturais, de uma reforma fiscal. E acabou terminando mal. Mesmo assim, há coisas a aprender com a forma como o PT, no poder, conseguiu falar com o eleitorado popular, coisa que a esquerda na França, durante seus últimos períodos no governo, não conseguiu fazer bem.
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O livro trata de como a desigualdade de renda afeta o eleitorado francês. Suas conclusões podem ser aplicadas para a análise do comportamento do eleitor em outros países?
Acho que sim, porque essa nova separação que temos na França, entre as classes trabalhadoras rural e urbana, é algo que observamos em muitos países, nos Estados Unidos, em outros países europeus, mas a meu ver em muitos outros também. Porque na verdade esses diferentes territórios se viram diante de desafios econômicos e de estruturas do emprego que se tornaram muito diferentes com o aumento das desigualdades nas últimas décadas, o que afastou politicamente eleitores que no passado votariam de forma mais aproximada. Portanto, penso que sim, as lições deste trabalho sobre a França podem de fato ser aplicadas a outros países.
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O livro introduz um conceito novo, "geossocial", para explicar o comportamento dos eleitores. O que isso significa?
A ideia da "classe geossocial" é enxergar a classe social através da riqueza, do valor da moradia e do grau de riqueza dos proprietários de cada município, porém ressaltando o fato de que, dado um mesmo nível de riqueza, a posição no tecido territorial e produtivo é muito importante. Então, por exemplo, em municípios franceses com o mesmo nível de pobreza em termos de renda, se um município tem mais trabalhadores urbanos ameaçados pela concorrência internacional, teremos um ceticismo maior em relação à integração europeia e em relação à integração comercial internacional, e uma decepção maior em relação aos partidos de direita e de esquerda, que implantaram essa integração europeia. É muito diferente do caso dos trabalhadores de cidades com o mesmo nível de riqueza ou de renda, mas onde predominam setores menos ameaçados - por exemplo, que trabalham em serviços de saúde ou de alimentação, no comércio, o pessoal do setor de limpeza. Eles se sentirão, por exemplo, mais representados pelos partidos de esquerda e serão menos céticos em relação à integração com a Europa e o comércio internacional. Vemos assim como, considerando um mesmo nível de riqueza, o posicionamento geográfico tem um grande impacto sobre o voto.
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