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‘Capital mundial’ da coca não tem prefeito nem necrotério, e polícia usa tanque de guerra: Conheça Tibú

Cidade colombiana no departamento Norte Santander foi tomada por grupos criminosos que impõem seu poder pelo medo e confrontam abertamente as autoridades

Agência O Globo - 23/09/2023
‘Capital mundial’ da coca não tem prefeito nem necrotério, e polícia usa tanque de guerra: Conheça Tibú
‘Capital mundial’ da coca não tem prefeito nem necrotério, e polícia usa tanque de guerra: Conheça Tibú - Foto: Reprodução

Pontes de latão improvisadas, estrada com buracos e placas alusivas às guerrilha ELN e EPL. No trajeto não há uma única pessoa uniformizada à vista. Uma corda como barreira na estrada é o sinal para parar. Mais tarde, outra parada semelhante. São dois pedágios supostamente comunitários para consertar a estrada, mas na realidade funcionam a serviço de grupos armados. Eles controlam quem entra e quem sai. Tibú é uma cidade abandonada, com ruas esburacadas e entregues ao crime. Se ocorre um homicídio, não há autoridade para recolher o corpo ou abrir uma investigação. Muitas vezes, os corpos são enterrados sem a realização de autópsia. Não há ninguém cuidando do necrotério, nem do Ministério Público, nem do tribunal. O prefeito Nelson Leal López foi forçado a se refugiar em Cúcuta, capital do Norte de Santander, após dezenas de ameaças e o roubo de duas das vans blindadas para sua proteção, já que o Estado não pode garantir a segurança dele ou de qualquer outra pessoa na cidade.

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Tibú ocupa o primeiro lugar no cultivo de coca no mundo, com 22 mil hectares de terras plantadas, segundo o último relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. É o maior município do departamento Norte de Santander, na fronteira com a Venezuela. Faz parte do Catatumbo, região conhecida como zona vermelha devido aos seus problemas históricos de violência. Os paramilitares do Bloco Catatumbo, que estavam sob as ordens de Salvatore Mancuso e Carlos Castaño, reconheceram em tribunal que, entre 1999 e 2004, cometeram 12.427 homicídios e 375 desaparecimentos forçados no Norte de Santander. Muitas das vítimas foram lançadas no rio Catatumbo e outras foram enterradas em valas comuns.

Sobre Tibú só se espalham notícias negativas: bombas, massacres, sequestros, assassinatos, extorsões, recrutamento de menores... Porém, caminhar pela área urbana produz a impressão de uma cidade habitada com aparente normalidade. Barracas, carnes frescas penduradas nas plataformas, bares com música alta e parque com espaço de lazer para crianças. Os moradores afirmam que é possível caminhar em paz, embora o medo seja percebido no ambiente. O maior risco parece ocorrer nas estradas rurais.

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— Eles não roubam aqui. Você pode andar por aí com o telefone na mão sem problemas. O perigo é que uma bomba exploda ou que te matem — diz alguém atrevidamente, explicando que para quem rouba o castigo é a morte.

A delegacia permanece isolada com mortalhas pretas, cercas e barricadas para se entrincheirar. Desde o ataque de maio passado, em que dois policiais uniformizados e uma mulher morreram após a detonação de uma bomba, a polícia vive escondida e só sai para patrulhar em tanques blindados. Os habitantes temem abordá-los, uma vez que a maioria dos ataques foi dirigida contra a força pública.

Desde que a promotora Esperanza Navas foi assassinada em 2021, Tibú ficou sem Promotoria e sem justiça. A promotora assassinada era responsável por mais de 400 casos envolvendo cultivos ilícitos e homicídios, mas mesmo no seu caso os responsáveis ​​não foram capturados. Os processos foram transferidos para Cúcuta e a possibilidade de justiça ser feita é remota. Sem instituições ou investigadores criminais locais, e sem processo criminal contra os criminosos, a impunidade perpetua-se. As funerárias recolhem os corpos para o enterro, mas as provas são perdidas.

Também não há tribunal ou escritório governamental de direitos humanos na cidade. Em 2019, uma comissão judiciária municipal foi atacada com granadas e tiros de fuzil quando se deslocava para realizar um processo judicial. O secretário do gabinete e o perito judicial foram assassinados e 11 ficaram feridos, entre eles o juiz, três militares e três policiais. Desde então, eles fecharam o tribunal.

O prefeito tentou retornar a bordo de helicópteros do Exército, mas assim que pousou a Polícia descobriu um novo plano de homicídio e ele foi obrigado a retornar a Cúcuta, de onde despacha por vídeo. A insegurança aumentou com a proximidade das eleições locais.

— Temos que começar a recuperar o território, mas para isso precisamos de instituições do Estado, e articular o trabalho com a força pública para que as comunidades voltem a confiar na sua polícia — afirma o mandatário.

Outros seis prefeitos da Colômbia tiveram que deixar o município que governam, a maioria do departamento de Chocó, e um que renunciou: o de La Playa de Belén, também no Norte de Santander.