Internacional
Papa viaja à França para defender migrantes enquanto UE fecha acordo milionário com Tunísia para barrar chegadas
Na semana passada, cerca de 8.500 pessoas — mais do que toda a população local — aportaram na ilha de Lampedusa, na Itália
O Papa Francisco viaja nesta sexta-feira para Marselha, no sudeste da França, com a intenção de alertar o mundo para o drama crescente dos imigrantes na rota do Mediterrâneo. A visita para participar de um encontro regional de jovens e bispos católicos estava planejada há meses, mas ocorre em meio a uma nova crise migratória na região. Também nesta sexta, a União Europeia anunciou um pacote de ajuda de 127 milhões de euros [R$ 666 milhões] à Tunísia, parte de um acordo polêmico para frear o fluxo de milhares de imigrantes que buscam entrar no continente pela ilha italiana de Lampedusa.
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Só na semana passada, cerca de 8.500 pessoas — mais do que toda a população local — chegaram à pequena ilha na costa do Mediterrâneo. Foram 199 barcos, segundo a agência de migração da ONU. Durante uma visita ao local, no fim de semana, ao lado da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, disse que o bloco precisa trabalhar em conjunto para enfrentar os desafios da migração descontrolada. A premier de extrema direita afirmou que “o futuro da Europa está em jogo”.
Na mesma linha, o chefe da diplomacia da EU, Josep Borell , disse nesta sexta ao jornal britânico The Guardian que a imigração ameaça a unidade da Europa e poderia ser “uma força dissolutiva”, por aprofundar diferenças culturais e dificuldades em unificar políticas.
A preocupação com a emergência migratória é um tema frequente na agenda do Pontífice e já causou fricções com integrantes de alas conservadores da política europeia. No ano passado, Francisco chegou a classificar de “repugnante” a exclusão de imigrantes no continente, em franca oposição a declarações de Meloni.
Visita não oficial
Na França, o Papa vai ser recebido pela primeira-ministra francesa Élisabeth Borne e terá um encontro com o presidente, Emmanuel Macron. A cidade, que é a segunda maior da França, montou um forte esquema de segurança. No entanto, o Pontífice esclareceu que esta não é uma visita oficial ao país e que o objetivo da viagem é apenas encerrar o encontro entre bispos e jovens do Mediterrâneo, que tem como principais temas as desigualdades, o diálogo inter-religioso e a mudança climática.
O Papa de 86 anos prestará homenagem aos migrantes mortos no mar perto da basílica de Notre-Dame de la Garde [Nossa Senhora da Guarda], em um dos momentos mais aguardados da viagem. Após uma oração na basílica, conhecida como "Bonne Mère" [Boa Mãe], Francisco visitará o memorial com vista para o Mar Mediterrâneo, que já contemplou em visitas anteriores, onde deve clamar pela acolhida os imigrantes.
— Não vem para culpar ou dizer aos Estados o que devem fazer. Ele afirma: sejam responsáveis, há sofrimento — afirmou antes da viagem o arcebispo da cidade francesa de Ajaccio, François Bustillo.
‘Cemitério’ de imigrantes
A rota do Mediterrâneo, que Francisco chamou de "cemitério" em agosto, é considerada a mais perigosa do mundo. Mais de 28.000 migrantes desapareceram em suas águas desde 2014, durante tentativas de chegar ao continente europeu a partir da África, segundo a Organização Internacional para Migrações (OIM).
— Esperamos palavras muito fortes do Papa e que sua voz influencie muito mais que a nossa — afirmaram François Thomas e Sophie Beau, diretores da ONG SOS Méditerránée, com sede em Marselha e que resgata migrantes no mar com o barco "Ocean Viking".
Em julho, von der Leyen — com o forte apoio de Meloni — anunciou a assinatura do acordo com a Tunísia destinado a conter o fluxo de migração irregular vindo principalmente deste país. Semanas antes, a presidente da Comissão Europeia havia mencionado que o pacote total de assistência ao país poderia totalizar 900 milhões de euros [mais de R$ 4,7 bilhões]. Imediatamente surgiram críticas à decisão de repassar dinheiro dos contribuintes europeus a um governo que a própria UE já acusou de ser antidemocrático e reprimir liberdades individuais.
O repasse anunciado nesta sexta inclui 60 milhões de euros [R$ 315 milhões] em apoio orçamental, além de cerca de 67 milhões de euros [R$ 352 milhões] para um “pacote de assistência operacional à migração”. De acordo com a Comissão Europeia, o dinheiro será “desembolsado nos próximos dias e contratado e entregue rapidamente. Parlamentares europeus e organizações independentes questionam se o acordo é compatível com as normas de direitos humanos do bloco.
Mais de 127 mil imigrantes chegaram às costas de Itália este ano, quase o dobro do mesmo período do ano passado. O número de mortes, somente este ano, na travessia do Norte da África para Itália e Malta passa de 2 mil, segundo a agência de migração da ONU.
A UE está em meio a um debate em torno de uma reforma das suas regras de concessão de asilo a refugiados. Na França, a extrema direita pressiona Macron a impedir que solicitantes de refúgio vindos da Itália atravessem a fronteira.
— A situação atual [em Lampedusa] é uma consêquencia totalmente previsível e evitável do vácuo de políticas criado pela incapacidade dos Estados membros por tanto tempo de chegar a um acordo sobre as tão adiadas e necessárias reformas do sistema de asilo — declarou ao Guardian a diretora para Europa do Comitê Internacional de Resgate.
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