Internacional
Encontro de Lula e Zelensky ‘abre nova página’ e brasileiro não deve confiar em Putin, diz embaixador ucraniano
Em sua primeira entrevista a um jornal brasileiro, Andrii Melnyk defende que governo Lula reveja posição para vender munição ao país para se defender dos ataques russos
O novo embaixador da Ucrânia no Brasil, Andrii Melnyk, em sua primeira entrevista a um jornal brasileiro, afirmou ao GLOBO que, durante a reunião bilateral que durou pouco mais de uma hora, na quarta-feira, o presidente Volodymyr Zelensky reforçou o convite ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para visitar a Ucrânia. A ideia é que Lula possa visitar seu país e "sentir a dor e o sofrimento dos ucranianos e resistir à megalomania imperial de Moscou". Melnyk pediu que o país tenha "mais compreensão sobre a pérfida natureza genocida da invasão militar russa" contra o país e defendeu que Lula reveja posição para vender munição aos ucranianos. Ele reiterou a posição de que uma negociação precisa seguir as condições previstas na Fórmula de Paz elaborada por Zelensky. Antes de vir para o Brasil, há cerca de dois meses, era vice-chanceler de seu país e recebeu, em maio deste ano, em Kiev, o assessor para assuntos internacionais de Lula, Celso Amorim. Na época, Amorim também se reuniu com Zelensky, para explicar a proposta de paz de Lula. Veja abaixo a entrevista.
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Qual a importância da reunião entre os presidentes Lula e Zelensky nesta quarta-feira?
Para mim, como novo embaixador, este primeiro encontro pessoal — muito franco e respeitoso — é de importância crucial, sem exageros. Tanto o presidente Zelensky como o presidente Lula são líderes globais muito carismáticos. Somente uma conversa direta e aberta como a de Nova York poderia ajudar a nos entendermos melhor e a superar quaisquer mal-entendidos. O fato é que a Ucrânia e o Brasil se aproximaram e abriram uma nova página nas nossas relações bilaterais.
O que a Ucrânia espera do Brasil diante de uma guerra que está longe de terminar?
Gostaríamos de ver mais compreensão no Brasil sobre a pérfida natureza genocida da invasão militar russa contra a Ucrânia. Não é um conflito fronteiriço. A Rússia está travando uma guerra de extermínio do Estado ucraniano, da cultura e da nossa identidade. A propaganda do Kremlin ainda é muito poderosa, especialmente na América Latina, disseminando narrativas falsas e notícias falsas em escala industrial. É importante que políticos, jornalistas, cientistas e especialistas brasileiros viajem para a Ucrânia, especialmente para as regiões libertadas, para verem com os seus próprios olhos o nível de destruição, todas aquelas terríveis e feridas sangrentas da ocupação brutal da Rússia. O presidente Zelensky convidou o presidente Lula a visitar Kiev para sentir a dor e o sofrimento dos ucranianos, mas também para ter uma forte vontade de resistir à megalomania imperial de Moscou. Esperamos que o líder brasileiro aceite este convite.
A Ucrânia gostaria que o Brasil adotasse uma postura mais dura em relação à Rússia?
Respeitamos o direito soberano dos nossos parceiros e amigos brasileiros de definirem o seu próprio curso de ação em relação à Rússia e à sua política agressiva. É natural que Brasília — como qualquer outro Estado — busque os seus próprios interesses nacionais. Tem relações especiais com a Rússia. Ao mesmo tempo, o Brasil é um dos promotores mais comprometidos da ordem global baseada em regras e do direito internacional. Ao iniciar esta guerra hedionda contra a Ucrânia, a Rússia pisoteou todas as regras existentes, ou melhor, sob as botas dos seus soldados. Ajudar a restaurar esta ordem internacional deverá — a nosso ver — corresponder ao interesse intrínseco do povo brasileiro.
O governo Lula vetou o envio de munição à Ucrânia, pelo Brasil, para abater drones iranianos disparados pelos russos. A Ucrânia mantém esse pedido?
Responderei a esta pergunta não como embaixador, mas como cidadão da Ucrânia e residente em Kiev que tem experimentado quase todos os dias e todas as noites o que significa estar sob ataques russos com foguetes e drones. Eu podia ver e ouvir esses ataques diabólicos contra civis diretamente das minhas janelas. É muito assustador, acredite. Desta perspectiva, ficaríamos extremamente gratos aos nossos amigos brasileiros se eles pudessem enviar todas as suas munições para os sistemas de defesa aérea Gepard para proteger os céus acima das pacíficas cidades ucranianas. Isso seria um mandamento da humanidade.
O que pensa o governo ucraniano sobre a proposta de Lula de criar um grupo de países para negociar um acordo de paz?
Louvamos os esforços da liderança brasileira, pessoalmente do presidente Lula, para mobilizar esforços diplomáticos internacionais a fim de parar esta guerra bárbara o mais rápido possível. Infelizmente, Putin (Vladimir Putin, presidente da Rússia) não tem interesse em negociar de boa fé. O presidente Zelensky tentou explicar durante a reunião em Nova Iorque porque é que ninguém deve confiar em Putin e nas suas promessas vazias.
A Fórmula da Paz de Zelensky, com as exigências para o fim da guerra, pode ser alterada?
A Fórmula da Paz proposta pelo presidente Zelensky é, atualmente, a única plataforma para preparar futuras negociações com a Rússia. Agradecemos ao governo brasileiro por ter decidido participar das respectivas discussões de especialistas sobre como implementar as disposições desta fórmula. Agradecemos a contribuição de Brasília neste processo.
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