Internacional
Museu da Esma, maior centro de tortura da ditadura argentina, entra na lista de Patrimônio Mundial da Unesco
Centro de preservação da memória, instalado na antiga Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma), está entre os raros casos de candidaturas ligadas à História recente aprovados pela agência da ONU
O Museu Sítio da Memória, em Buenos Aires — instalado na Esma, onde funcionava o mais violento centro de tortura da ditadura militar argentina — entrou nesta terça-feira para a lista de Patrimônio Mundial da Unesco — a Organização das Nações Unidas para Educação. A antiga Escola Superior de Mecânica da Armada, a Esma, por onde passaram 5 mil dos 30 mil presos desaparecidos entre 1976 e 1983 na Argentina, é hoje um espaço de preservação da lembrança dos anos de chumbo e promoção da defesa dos direitos humanos.
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Durante a conferência da Unesco na Arábia Saudita, a organização decidiu incluir o museu na lista de sítios “considerados de valor notável para a humanidade”, em um raro movimento da agência de aprovar uma candidatura relacionada a fatos da História recente.
O presidente argentino, Alberto Fernández, agradeceu a agência pela decisão, em um vídeo divulgado na cerimônia em Riad.
— A memória tem que ser mantida viva basicamente para que as más experiências não se repitam — declarou Fernández
“É o símbolo mais proeminente do terrorismo estatal”, declarou a conclusão do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios em referência ao museu.
'Dói, mas cura'
A antiga Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma), criada em 1928 para preparar oficiais navais e marinheiros, foi o maior campo de detenção, tortura e extermínio operado pelos então militares que até hoje são julgados por tribunais civis — 73 já foram condenados de um total de 1.159 em todo o país.
Quando os militares argentinos tomaram o poder em 1976, a escola se tornou o centro de operações da Marinha para o sequestro ilegal de ativistas políticos, e também de civis sem filiação partidária, trabalhadores, atletas e religiosos.
— O edifício é uma testemunha que fala. Visitá-lo dói, mas cura, porque não permite distorcer a história — disse à AFP Ricardo Coquet, de 70 anos, que esteve preso e foi torturado no local.
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‘Revanche simbólica’
Acorrentadas, algemadas e encapuzadas, as vítimas chegavam primeiro ao porão do prédio. Ali também era o último local em que pisavam antes de desaparecer ou serem jogadas de aviões no rio da Prata, nos "voos da morte", como ocorreu com as religiosas francesas Leonie Duquet e Alice Domon.
O terror se concentrava no andar superior e no sótão, "Capucha" e "Capuchita", espaços trancados onde os presos, identificados por números, eram torturados para que delatassem o paradeiro de outros perseguidos políticos. Era também onde as mulheres eram estupradas.
— Voltei 32 anos depois. Pedi aos guias do museu para ficar sozinho na 'Capuchita', onde estive entre 1978 e 1980. Senti a necessidade de encostar no chão mais uma vez, de reviver aquilo, mas de outro lugar, em um espaço livre. Foi uma revanche simbólica — relembra Eduardo Giardino, de 68 anos, que também foi preso político.
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Foi também lá, em uma sala minúscula e vazia, que dezenas de mulheres deram à luz seus filhos antes de que fossem levados e que elas entrassem para a lista de desaparecidas. Várias destas crianças — 11 de 37 conhecidos — recuperaram sua História e identidade graças às Avós da Praça de Maio.
Após o fim do regime militar, a Esma permaneceu ativa como escola até 1988, quando o então presidente Carlos Menem ordenou a demolição do Casino de Oficiales para criar um "monumento para a reconciliação e a união nacional". Parentes de desaparecidos conseguiram na justiça reverter a medida e o local foi declarado monumento histórico em 2004.
Um ano antes, em 2003, o Congresso argentino reabriu os processos judiciais, que seguem até hoje. A cada ano, 150 mil pessoas visitam o museu e participam de atividades de reflexão.
' Cicatrizes da História'
Outras duas candidaturas ligadas à memória recente devem ser analisadas pela Unesco nesta quarta-feira. Uma delas reúne cerca de 140 sítios funerários da Primeira Guerra Mundial localizados na França e na Bélgica.
— O respeito pelos mortos é um valor universalmente compartilhado — defende a secretária de Estado francesa para os Antigos Combatentes, Patricia Mirallès.
A outra vem de Ruanda, onde mais de um milhão de tutsis foram massacrados de abril a julho de 1994. Há quatro sítios emblemáticos. Um deles é Nyamata, onde uma igreja católica serviu de "matadouro”, no qual mais de 45 mil foram mortas em um dia. E também Murambi, onde o então Exército ruandês assassinou entre 45 mil e 50 mil tutsis. Outros dois memoriais, Bisesero e Gisozi, completam a candidatura.
Na semana passada, a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, disse que, assim como o museu argentino, as outras duas candidaturas "carregam as cicatrizes da História", estabelecem a "ligação entre o passado e o presente" e constroem "a consciência universal da Humanidade". Os principais sítios memoriais já inscritos no Patrimônio Mundial são o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, na Alemanha, e o memorial da paz japonês de Hiroshima.
Na segunda-feira, foram incluídos na lista de Patrimônio Mundial da Unesco o sítio arqueológico de Takalik Abaj, na Guatemala — símbolo da transição da cultura olmeca para a maia no México e na América Central — e o patrimônio histórico da ilha de Djerba , na Tunísia, que inclui ruínas antigas, mesquitas, igrejas e sinagogas. (Com AFP e El País)
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