Brasil
Onda de calor extremo nesta semana fará subir os termômetros acima dos 40 graus em um terço do país
São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Tocantins, o Sul do Acre e o Piauí estão no epicentro do domo quente, alertam cientistas
O inverno termina com o início de uma onda de calor brutal, que tomará quase todo o Brasil e ameaça quebrar recordes devido à extensão, à intensidade e à duração previstas. As temperaturas sobem ainda mais a partir de quarta-feira, quando começa a primavera. Um domo quente, uma área de alta pressão atmosférica de tamanho e intensidade colossais, levará a temperatura para acima dos 40ºC em cerca de um terço do país.
O domo traz graves riscos para a saúde, a agricultura e aumenta muito o risco de queimadas, sobretudo, no Cerrado e no Pantanal, advertem cientistas. Porém, Amazônia e Mata Atlântica também estão em perigo devido à combinação de seca e alta temperatura. A maioria das capitais e áreas agrícolas está dentro da zona quente.
Todo o Brasil, à exceção de uma faixa do litoral do Nordeste do Sudeste e do sul do Rio Grande do Sul, ficará acima dos 30C. Os modelos meteorológicos indicam que a onda de calor vai até domingo no Sul e até a próxima terça-feira, dia 26, em boa parte do Sudeste.
Porém, o domo quente permanecerá estacionado numa vasta faixa do país, que inclui Centro-Oeste, Sul da Amazônia, a maior parte do Nordeste e partes de São Paulo e Minas Gerais, segundo o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/Inpe). Nessa área, o calor não tem fim à vista.
– Podemos dizer que essa semana a situação não é boa para quase todo o país. E, para essas áreas do centro do Brasil não há um horizonte na previsão de quando a área de alta pressão vai ceder. A estação chuvosa no Centro-Oeste e em parte da Amazônia começa em meados de outubro. Temos que esperar – afirma Izabelly Costa, chefe da Divisão de Previsão de Tempo e Clima do CPTEC/Inpe.
Os estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Tocantins, sul do Acre e do Piauí chamam particularmente atenção. Eles estão no epicentro do domo, na zona extrema, com temperaturas diárias acima dos 40ºC, principalmente a partir de quinta-feira. Domingo pode ser o pior dia.
A temperatura vai esquentar à medida que a alta pressão se deslocar do Atlântico para o Brasil. Ela seguirá ao longo da semana para o centro do país. O CPTEC dividiu o país em três faixas, com temperaturas acima dos 30ºC, dos 35ºC e dos 40ºC. Mesmo na faixa superior aos 30ºC há risco. A previsão se refere à temperatura medida pelas estações meteorológicas, que ficam dois metros acima do solo, cercadas por grama e não necessariamente nos lugares mais quentes.
– As pessoas vão sentir bem mais do que isso nas ruas, expostas ao Sol. A sensação térmica é pior – explica Costa.
Hoje o tempo já começa a esquentar ainda mais. A chuva desaparece. A exceção é o Centro-Sul do Rio Grande do Sul, justamente a área castigada por inundações históricas e que continuará a ter chuva até o meio desta semana.
– Infelizmente, é um cenário complicado. O Rio Grande do Sul que não precisa mais de chuva ainda terá bastante. E o restante do Brasil que está seco ficará ainda mais seco – frisa Costa.
Mais extremos até dezembro
Cientistas consideram que essa pode ser uma onda de calor histórica, mas não será a única dos próximos meses.
Ondas de calor extremo como essa foram previstas pela ciência para um ano que combina um El Niño poderoso com mudanças climáticas e anomalias de calor no Atlântico Sul.
– O El Niño está apenas começando a se manifestar. O auge dele deve ser por volta de dezembro. E mesmo antes disso teremos novos extremos. A primavera é normalmente um período de clima turbulento e está chega com as temperaturas já muito elevadas, sob um forte El Niño. A Defesa Civil, por exemplo, precisa estar alerta – salienta Gilvan Sampaio, coordenador geral de Ciências da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O domo quente é como uma bolha de dimensões continentais que esquenta o ar e impede a formação de nuvens de chuva. Dentro da bolha ficam presos calor, poluição (porque não há chuva para limpar o ar) e estados inteiros. Ele é formado por sistema poderosos de alta pressão atmosférica. A pressão alta comprime o ar, que esquenta por compressão.
O ar esquenta à medida que desce. Uma temperatura de 26C a cerca de mil metros de altitude pode significar cerca de 38C a um metro do solo. As altas são sistemas atmosféricos estáveis, que podem permanecer muito tempo num mesmo lugar. Domos quentes se retroalimentam e se mantém "vivos" por vários dias e, por vezes, semanas.
Em linhas gerais, isso acontece porque a alta pressão inibe a formação de nuvens. Com isso, a radiação solar bate sem piedade na superfície. Isso eleva ainda mais a temperatura. A umidade que havia no solo e na vegetação evapora nos primeiros dias da formação do domo. É como se a natureza suasse. O calor aumenta ainda mais à medida que essa umidade se esgota. Sem nuvens, sem chuva e com a radiação do sol com força total, o calor reina absoluto.
"Consequências catastróficas"
No domingo passado, numa amostra do que está por vir, a cidade de São Paulo já teve um recorde de temperatura, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). São Paulo registrou no domingo, no fim do inverno, as maiores temperaturas do ano, com 33,9ºC, segundo o Inmet. Ontem, a capital paulista já estava em alerta vermelho, de perigo, emitido pelo Inmet.
O cientista Fabio Gonçalves, professor de biometeorologia da Universidade de São Paulo (USP) e um dos maiores especialistas do Brasil em conforto térmico, frisa que o calor intenso e prolongado pode ter consequências que ele classifica como catastróficas. São Paulo chama atenção. No próximo fim de semana, a temperatura pode ficar 7ºC acima da média histórica.
– Isso é potencialmente uma catástrofe. Nunca aconteceu antes. São temperaturas elevadas, por vários dias, que levam o corpo ao limite. Acima de 40ºC ninguém deve se expor – alerta o Gonçalvez, ao comentar a previsão do tempo para o próximo fim de semana na cidade de São Paulo, quando o termômetro oficial pode chegar aos 36ºC e a sensação térmica ficar acima disso.
Costa e Sampaio dizem que recordes de temperatura podem ser batidos. Mas, segundo eles, o mais grave é o tamanho da área atingida e a duração do período de temperatura elevada. Serão muitos dias sob intenso calor, testando os limites da demanda por energia e da capacidade de resiliência das pessoas e do meio ambiente.
Ar mais poluído
Não é só o calor. O domo quente também aumenta a poluição e o risco de queimadas. A poluição piora, explica Costa, porque é a chuva que limpa o ar e não haverá chuva. Nas cidades o ar ficará não apenas quente, mas também mais sujo. Nas áreas naturais o risco é de queimadas. Cerrado, Pantanal e Sul da Amazônia normalmente mais secos esta época, têm risco aumentado.
Na Mata Atlântica, onde os períodos mais quentes costumam ocorrer nos normalmente mais úmidos primavera e verão, a situação agora também preocupa. O solo está seco, a serrapilheira, a vegetação morta que cobre o solo das florestas, está ressecada, combustível para incêndios florestais.
Domos quentes assim marcaram o verão no Hemisfério Norte, que se despede com tempestades, incêndios e muito calor. Agora, é o Hemisfério Sul que começa a esquentar ainda mais, após um inverno com todos os dias acima da média histórica, segundo o Instituto de Mudanças Climáticas da Universidade do Maine.
No Sul e no Sudeste, no início da próxima semana, o domo quente deverá arrefecer. Será rompido por uma frente fria. Mas o choque entre o ar quente com o mais frio que vem do Sul deverá trazer tempestades, que podem ser muito fortes devido ao contraste de temperatura.
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