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Presidente eleito da Guatemala pede demissão de procuradora-geral por orquestrar 'golpe de Estado'

População tomou as ruas em apoio a Bernardo Arévalo, o primeiro candidato da esquerda a vencer no país em 12 anos

Agência O Globo - 18/09/2023
Presidente eleito da Guatemala pede demissão de procuradora-geral por orquestrar 'golpe de Estado'

O presidente eleito da Guatemala, Bernardo Arévalo, pediu aos tribunais nesta segunda-feira que destituam a procuradora-geral Consuelo Porras, a quem ele acusa de orquestrar um golpe de Estado para impedi-lo de tomar posse em janeiro. Primeira candidatura de esquerda a vencer no país em mais de uma década, o partido de Arévalo tornou-se alvo de investigações do Ministério Público ainda durante o pleito e foi inabilitado apenas oito dias após sua vitória. Em resposta, o social-democrata suspendeu o processo de transição de governo.

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O presidente guatemalteco eleito fez um apelo à população nesta segunda para marchar com ele até o Supremo Tribunal de Justiça, onde apresentou um mandado solicitando formalmente a demissão da procuradora-geral.

"Juntos, vamos apresentar um mandado de amparo e dizer com força #ForaGolpistas. Tragam sua bandeira azul e branca [da Guatemala] e vamos defender o direito de construir um futuro melhor", escreveu Arévalo em sua convocação postada nas redes sociais.

Milhares de apoiadores, em sua maioria ativistas, indígenas e estudantes, organizaram protestos em várias partes do país exigindo a saída de Porras, dos procuradores Rafael Curruchiche e Cinthia Monterroso e do juiz Fredy Orellana, envolvidos no suposto plano para impedir que o presidente eleito tome posse.

Na capital, centenas de indígenas do departamento (estado) de Totonicapán, carregando apitos e trombetas de plástico, marcharam pelas ruas. Segundo os apoiadores de Arévalo, as manifestações continuarão até que os agentes públicos sejam destituídos de seus cargos.

No recurso apresentado à Justiça, Arévalo também pedirá a saída de Curruchiche e Monterroso, que lideram as investigações controversas contra o seu partido, e do juiz Fredy Orellana, que ordenou uma batida nas sedes da legenda e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). À exceção do magistrado, todos os demais estão incluídos em uma lista dos EUA de figuras corruptas da América Central.

— Existe um grupo de políticos e funcionários corruptos que se negam a aceitar o resultado [da eleição] e colocaram em marcha um plano para romper a ordem constitucional e violar à democracia — afirmou Arévalo em uma coletiva de imprensa no início do mês, quatro dias depois da Justiça suspender o partido. — Estamos vivendo um golpe de Estado em curso.

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O partido do presidente, o Movimiento Semilla (Movimento Semente, em português), foi reabilitado pelo TSE no início do mês até 31 de outubro — quando está previsto para acabar formalmente o processo eleitoral, em que ritos como a diplomação de Arévalo ainda estão pendentes. Ele havia sido suspenso oito dias depois da vitória do social-democrata por supostas irregularidades cometidas durante a sua criação, em 2017. Ao ser desabilitado, o Semilla não pôde realizar nenhuma atividade, como arrecadar dinheiro ou expandir seu número de filiados, e seus 23 deputados eleitos teriam suas funções limitadas ao tomar posse.

Apesar da decisão favorável, o clima de tensão permanece. O processo de transição do atual governo, do direitista Alejandro Giammattei, para o de Arévalo segue suspenso.

O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, disse nesta segunda-feira que o processo de transição democrática do país está "sob ameaça" diante da caçada jurídica promovida pelo Ministério Público. A declaração foi feita durante a apresentação de um relatório baseado em sua missão recente à Guatemala, onde esteve duas vezes este mês.

— Não é aceitável que o presidente eleito assuma o cargo sem um partido — afirmou o secretário-geral da OEA. — As denúncias expressas pelo Ministério Público não têm clareza nem tipificação legal, são claramente perseguidoras de um partido político — disse, lembrando que não havia qualquer ação contra a legenda antes de Arévalo se tornar candidato.

Durante a sessão, o ministro das Relações Exteriores da Guatemala, Mario Búcaro, falou remotamente, discordando da decisão de Arévalo de suspender o processo de transição, embora a "respeite", e pediu aos países que se abstenham de fazer declarações que possam afetar a transferência de poder.

Na última sessão do Conselho Permanente da OEA, órgão máximo da organização em Washington, em 1° de setembro, o Estado da Guatemala reconheceu que o Ministério Público intimidou o TSE e o Movimiento Semilla e que nenhuma medida foi tomada para evitar uma escalada do cenário.

Na semana passada, o Ministério Público liderou uma busca, com dezenas de policiais, em um centro eleitoral, onde os procuradores abriram 70 urnas que continham votos do primeiro turno das eleições, em 25 de junho. Segundo Curruchiche, a operação foi resultado da denúncia de um cidadão, mas apenas o TSE estaria autorizado a realizar tal verificação.

A ação alimentou ainda mais a tensão no país e foi alvo de forte rejeição por vários setores na Guatemala e pela comunidade internacional. Os Estados Unidos classificaram o incidente como "um ataque ao processo democrático".

A Procuradoria-Geral da República guatemalteca, por outro lado, negou que teria orquestrado um golpe de Estado. "Rejeita categoricamente qualquer acusação que pretenda envolver o Ministério Público com o resultado do evento eleitoral", afirmou em mensagem enviada à AFP.

Arévalo é filho de Juan José Arévalo (1945-1951), um presidente que deixou sua marca no país ao promulgar uma nova Constituição que instituiu um quadro de reformas políticas e sociais em benefício dos trabalhadores. Ele venceu a candidata do governismo, a ex-primeira-dama Sandra Torres, com 59%, se consagrando como o candidato mais votado do país no século XXI. Sua vitória é atribuída à esperança de mudança com sua promessa de luta frontal contra a corrupção.

Além da disputa política desde que foi eleito, em 20 de agosto, Arévalo e sua vice, Karin Herrera, precisaram reforçar a sua segurança pessoal após a descoberta de dois planos para assassiná-los. Na última quinta-feira, um político do Semilla, Aníbal Ramírez, foi morto a tiros perto da fronteira com o México, em circunstâncias que ainda não foram esclarecidas.