Internacional

Bloco anti-Ocidente reforça laços no último mês enquanto EUA tentam conter China

Líderes das principais potências mundiais intensificaram agenda interna no último mês diante de cenário de acirramento nas disputas globais

Agência O Globo - 15/09/2023
Bloco anti-Ocidente reforça laços no último mês enquanto EUA tentam conter China

A temperatura nas chancelarias das principais potências mundiais não diminuiu no último mês. Diante de um cenário geopolítico cada vez mais hostil desde o início da guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022, líderes de China, Estados Unidos, União Europeia e Rússia intensificaram suas agendas externas na tentativa de ampliar alianças e expandir suas zonas de influência econômica, ideológica e militar, sinalizando para um rearranjo de forças no tabuleiro global.

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Poucas vezes as agendas oficiais dos principais líderes mundiais transpareceram tão diretamente as disputas entre os blocos liderados por Washington de um lado, e China e Rússia do outro, potências que se ainda não formam uma frente unificada, têm se aproximado por meio do discurso anti-Ocidente, com ações e retaliações muito explícitas e imediatas.

— Em cada tabuleiro se disputa um jogo à parte. Alianças estão sendo construídas e reforçadas nos campos estratégico-militar, econômico e ideológico — disse José Renato Ferraz da Silveira, professor de Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). — Estamos diante de um cenário de multipolaridade conflituosa, onde as disputas influenciam a formação das alianças.

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A nova escalada partiu de uma medida de contenção militar. Em 18 de agosto, os Estados Unidos anunciaram um pacto com Japão e Coreia do Sul para cooperação econômica e nas áreas de segurança e defesa, chamado informalmente de "mini-Otan", em referência à aliança militar ocidental liderada por Washington. Os países se comprometeram a fazer exercícios militares e reuniões trilaterais todos os anos para aprofundar a aliança e condenaram o "comportamento perigoso e agressivo" de Pequim nas disputas nos mares da China Oriental e do Sul da China.

O acordo enfureceu Pequim, que classificou a declaração do bloco como "difamação" e interferência nas questões internas da China. No dia seguinte ao anúncio, os chineses iniciaram exercícios militares nos arredores do Estreito de Taiwan para demonstrar força. Movimentações de navios e aviões de guerra ainda eram reportadas por autoridades da ilha nesta semana.

A tentativa de contenção da China pela via militar não retirou o foco de Pequim de outros tabuleiros. Menos de uma semana após o atrito com os EUA e seus aliados na Ásia, o presidente Xi Jinping saiu como o grande vencedor da reunião de cúpula do Brics, na África do Sul, ao conquistar a almejada ampliação do bloco, de 5 para 11 países.

Embora a expansão também tenha atendido aos objetivos estratégicos dos demais sócios do bloco — como romper o isolamento da Rússia e a entrada da Argentina, chancelada pelo Brasil — a pauta era um desejo chinês, e reforçou a presença do bloco principalmente no Oriente Médio, com as entradas de Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, países com laços mais estreitos com os EUA, e também do Irã, um arqui-inimigo de Washington com o qual tanto Pequim como Moscou têm boas relações.

Alianças sem blocos rígidos

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em 2022, analistas e até líderes mundiais se anteciparam em dizer que a ordem internacional estava entrando em uma nova guerra fria. Cerca de um ano e meio após o início do conflito, no entanto, especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam não ver um alinhamento por blocos, típico do conflito geopolítico do século passado. Em determinados casos, apontam, mesmo nações concorrentes têm cooperado em determinadas pautas.

— Quando se fala em polarização, se fala em blocos. O fato de existir uma competição entre EUA e China não torna o mundo mais polarizado, com países alinhados de um lado e de outro — afirmou o professor Rodrigo Gallo, coordenador da Pós-Graduação de Política e Relações Internacionais da FESP. — As instabilidades que existem hoje são decorrentes da dinâmica da política internacional, pela qual cada país busca seus próprios objetivos, que muitas vezes são conflitantes com os de outros.

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A relação conflituosa de China e Índia demonstra um pouco desse alinhamento por pauta. Parceiros no Brics, tanto o premier indiano, Narendra Modi, quanto Xi Jinping comemoraram a expansão do grupo, falaram em ampliação de laços e de investimentos entre os sócios e pareceram afinados em suas falas sobre a valorização do Sul Global. Apesar disso, os interesses divergentes logo impuseram novos conflitos.

Dias depois do fim do encontro em Johannesburgo, um mapa divulgado pela China, em que apontava a região da Caxemira indiana como parte de seu território fez Modi enviar tropas para o norte do país, aumentando as tensões em uma fronteira sob disputa. O incidente aconteceu às vésperas do encontro do G20 sediado em Nova Délhi, ao qual Xi não compareceu.

Cooperações e antagonismos

O esvaziamento provocado pelas ausências de Putin e, sobretudo, Xi (à frente da 2ª maior economia do mundo), não inviabilizou que outros laços se configurassem no G20. Durante ele, Brasil e Índia celebraram, junto aos EUA e outros 16 países, o acordo para a aliança global para biocombustíveis, em um aceno à cooperação multilateral.

Por outro lado, as pautas antagonistas não foram abandonadas. Biden projetou as pretensões globais americanas, em oposição a Pequim e Moscou, levando uma proposta de até US$ 200 bilhões (R$ 998 bilhões) em investimentos para atacar problemas como a crise climática, segurança alimentar, saúde pública e outras necessidades de infraestrutura em países em desenvolvimento, através de instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial — em uma aparente tentativa de oferecer uma alternativa ocidental à iniciativa Cinturão e Rota chinesa.

— A lógica multilateral de decisão não tem sido fácil, especialmente naqueles grupos em que os dois atores principais estão presentes. A capacidade de convergência nesses casos fica cada vez menor — disse Denilde Holzacker, professora de relações internacionais da ESPM-SP. — Não vejo uma ampliação do multilateralismo no momento. Temos uma formação de coalizões em que cada força busca seus interesses, muito menos a partir de uma lógica de construção coletiva e muito mais na defesa de interesses. É um processo de readequação de forças.

O presidente americano aproveitou a ida à Ásia para fazer uma parada no Vietnã comunista, em uma tentativa de estreitar vínculos dentro de uma zona de influência chinesa. Em Hanói, Biden expôs a visão americana sobre o momento da China, afirmando que o país passava por um período econômico difícil e que não acreditava na invasão de Taiwan por falta de capacidade chinesa.

Em paralelo, o discurso anti-Ocidente ganhou força dobrada quando Xi Jinping e Vladimir Putin receberam, respectivamente, o venezuelano Nicolás Maduro e o norte-coreano Kim Jong-un em encontros bilaterais. As reuniões com dois dos líderes mais isolados do Ocidente reforçaram sobretudo a oposição aos EUA, algo explicito nas falas principalmente de Putin e Kim na última quarta.

— Nossa visita chega em um momento em que está acontecendo uma feroz confrontação no cenário internacional entre o progresso e o reacionarismo, a justiça e a injustiça, e quando o processo de multipolaridade do mundo está se desenvolvendo vigorosamente graças a vontade comum e a coerência de forças independentes — disse Kim ao lado de Putin, chamando a aliança entre Otan e Ucrânia que combate as forças invasoras russas de "reunião do mal".

Para Xi, o encontro com Maduro, um dos maiores antagonistas regionais dos EUA, precede uma ida a Cuba, onde a China participará como convidada do encontro do G77, que começa nesta sexta em Havana. Não está claro se a relação com dois regimes que se intitulam anti-imperialistas guarda uma mensagem chinesa às vésperas da Assembleia-Geral da ONU.