Internacional
Rota do Darién vira negócio para políticos colombianos, que cobram milhões de migrantes rumo aos EUA
Número de pessoas que se deslocam pela floresta nunca foi tão grande Tráfico 'legal': políticos colombianos cobram milhões para enviar migrantes da selva do Darién para os EUA
A cada passo na selva, há dinheiro a ser ganho. O passeio de barco para chegar à floresta tropical: US$ 40 (R$ 194). Um guia na rota traiçoeira assim que você começar a caminhar: US$ 170 (R$ 829). Um carregador para levar sua mochila pelas montanhas lamacentas: US$ 100 (R$ 487). Um prato de frango e arroz depois de uma escalada árdua: US$ 10 (R$ 48). Pacotes especiais com tudo incluído para tornar o trabalho perigoso mais rápido e suportável, com barracas, botas e outras necessidades: US$ 500 (R$ 2.400) ou mais.
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Centenas de milhares de migrantes atravessam agora uma faixa de selva conhecida como Tampão de Darién, a única rota terrestre da América do Sul para os Estados Unidos, numa maré recorde que a administração Biden e o governo colombiano prometeram interromper.
Mas os ganhos inesperados aqui no limite do continente são simplesmente grandes demais para serem ignorados, e os empresários por trás da corrida do ouro dos migrantes não são contrabandistas clandestinos que se escondem das autoridades. São políticos, empresários proeminentes e líderes eleitos que enviam agora milhares de migrantes para os Estados Unidos todos os dias, à vista de todos, e cobram milhões de dólares por mês por esse privilégio.
— Organizamos tudo: os barqueiros, os guias, os carregadores de malas — disse Darwin García, membro eleito do conselho comunitário e ex-vereador de Acandí, um município colombiano na entrada da selva.
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A multidão de migrantes dispostos a arriscar tudo para chegar aos Estados Unidos é "a melhor coisa que poderia ter acontecido" a uma cidade pobre como a sua, disse ele.
Agora, o irmão mais novo de García, Luis Fernando Martínez, chefe de uma associação de turismo local, é um dos principais candidatos à prefeitura de Acandí — defendendo o negócio da migração como a única indústria lucrativa num lugar que "antes não tinha uma economia definida".
Indústria migratória
O Tampão de Darién se transformou rapidamente numa das crises políticas e humanitárias mais prementes do Ocidente. Há apenas alguns anos, uma gota se tornou numa inundação: mais de 360 mil pessoas já atravessaram a selva em 2023, segundo o governo do Panamá.
Em resposta, os Estados Unidos, a Colômbia e o Panamá assinaram um acordo em abril para "acabar com o movimento ilícito de pessoas" através do Darién, uma prática que "conduz à morte e à exploração de pessoas vulneráveis para obter lucros significativos". Hoje, esse lucro é maior do que nunca, com os líderes locais recolhendo dezenas de milhões de dólares, só este ano, dos migrantes, numa enorme operação de movimentação de pessoas.
Diplomatas americanos visitaram as cidades próximas do Darién nos últimos meses, passeando pelas ruas e apertando a mão de García e outros que dirigem o negócio da migração. Funcionários da Casa Branca dizem acreditar que o governo colombiano está cumprindo o seu compromisso de reprimir a migração ilícita. Mas, na região, está ocorrendo o contrário.
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O New York Times passou meses na região do Darién e nas cidades vizinhas, e o governo nacional tem, na melhor das hipóteses, uma presença marginal.
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, reconheceu que o governo tinha pouco controle sobre a região, mas acrescentou que não era o seu objetivo impedir a migração pelo Darién. Afinal, argumentou ele, as raízes desta migração foram "o produto de medidas mal tomadas contra os povos latino-americanos", particularmente pelos Estados Unidos, apontando para as sanções de Washington contra a Venezuela.
Na ausência do governo colombiano, os líderes locais decidiram tratar eles próprios da migração.
Hoje, o negócio é administrado por membros eleitos do conselho comunitário, como García, por meio de uma organização sem fins lucrativos registrada e fundada pelo presidente do conselho e sua família. Chama-se Fundação Nova Luz Darién e administra todo o percurso de Acandí até a fronteira com o Panamá — estabelecendo preços para a viagem, cobrando taxas e administrando extensos acampamentos na selva.
A fundação contratou mais de 2 mil guias locais e carregadores de mochila. Os migrantes pagam por níveis daquilo que a fundação chama de "serviços", incluindo o guia básico de US$ 170 e o pacote de segurança para a fronteira. Em seguida, um "conselheiro" de migração coloca duas pulseiras em seus pulsos como prova de pagamento.
— Como uma passagem para a Disney — disse Renny Montilla, 25 anos, trabalhador da construção civil da Venezuela.
García diz que o trabalho da fundação é legal, em parte porque orienta as pessoas até uma fronteira internacional, mas não através dela.
Contrabando
Algumas autoridades questionam se a fundação está conduzindo uma operação de contrabando sob o disfarce de uma organização sem fins lucrativos. Um oficial de direitos humanos responsável pela monitorização do governo de Necoclí atribuiu a crise à negligência dos líderes nacionais e observou que os funcionários não estavam motivados para interrompê-la porque ganham dinheiro com isso.
Até o irmão de García, o candidato a presidente da Câmara, disse desejar que o governo nacional esclarecesse a "linha tênue" legal que os residentes locais que trabalham na indústria da migração estão percorrendo.
— Quinhentas mil pessoas vão passar [pela nossa cidade] — disse Martínez. — O que nós fazemos?
Pairando sobre todo o negócio está um grande e poderoso grupo de tráfico de drogas chamado Forças de Autodefesa Gaitanistas, também conhecido como Clã do Golfo. Num comunicado, o grupo afirmou que "de forma alguma" lucra com "o negócio que trafica sonhos dos migrantes".
Domando uma selva
Espessa, quente e propensa a chuvas intensas, cortada por rios caudalosos e montanhas íngremes, a selva de Darién funcionou como uma vasta barreira natural entre a América do Norte e a América do Sul durante gerações.
Os guerrilheiros e outros grupos armados há muito utilizam a densa floresta para cobertura e contrabando de drogas. O terreno e a ameaça de violência mantiveram todos afastados, exceto os mais desesperados. Mas uma mistura de crises e política provocou um enorme aumento no número de pessoas que viajam da América do Sul para os Estados Unidos nos últimos anos.
Agora, a Fundação Nova Luz Darién está ajudando a transformar essa barreira natural em algo muito mais transitável, com restaurantes, acampamentos, carregadores e guias. Esta nova economia, gerida em grande parte por líderes eleitos, tem funcionado como um acelerador, encorajando mais pessoas do que nunca a embarcar — e a pagar por — nesta viagem.
Só em Agosto, quase 82 mil pessoas fizeram a caminhada através do Darién, de acordo com autoridades do Panamá, de longe o maior total registado num único mês.
Ao profissionalizar o negócio da migração, os líderes colombianos dizem que podem evitar que as suas cidades empobrecidas fiquem sobrecarregadas por centenas de milhares de pessoas necessitadas, ajudar os migrantes a atravessar a selva traiçoeira com mais segurança e, no processo, alimentar as suas próprias economias.
Os guias da fundação levam os migrantes apenas durante parte do caminho, deixando-os na fronteira com o Panamá, muitas vezes sem comida ou dinheiro — e com dias de caminhada para uma parte da selva que é ainda mais perigosa do que aquela que já suportaram. As Nações Unidas contabilizaram mais de 140 mortes de migrantes na parte panamenha do Darién só no ano passado, quase o triplo do ano anterior. Pelo menos 10% deles eram crianças.
'Fizemos mais do que o turismo'
Os barcos partem todos os dias do extremo leste de Necoclí, as docas cheias de pessoas vindas de lugares distantes como a Índia, a China e o Afeganistão. Toda hora, dia ou noite, ônibus chegam à cidade, transportando migrantes que aprenderam sobre a rota de Darién no Facebook, WhatsApp e TikTok.
Os migrantes mais pobres chegam a pé. A maior parte vem da Venezuela, que enfrenta uma crise económica e humanitária há quase uma década.
Depois de atravessar o agitado Golfo de Urabá, os passageiros dos barcos chegam à cidade de Acandí, na foz da selva. Durante décadas, alguns residentes daqui levaram migrantes para a selva mediante o pagamento de uma taxa, argumentando que as pessoas morreriam sem ajuda.
Numa tarde recente, Alexandra Vilcacundo, 44 anos, que viajava com outras 30 pessoas que fugiam da crescente violência no Equador, pisou no cais de madeira em Acandí. Vilcacundo, costureira, parecia apavorada, tendo deixado três filhos para trás.
— O que fizemos com a migração é mais do que o turismo trouxe em 50 anos — disse García.
Paradoxo
Para milhares de migrantes, a normalização desta rota criou um paradoxo cruel. No lado colombiano de Darién, onde o governo está quase ausente e o Clã do Golfo domina, a criminalidade na selva é menor, pelo menos de acordo com grupos de ajuda humanitária e investigadores que entrevistaram migrantes no final do ano.
Essa percepção de segurança está enviando cada vez mais pessoas para a floresta, acreditando que conseguirão sair vivas. Mas na fronteira com o Panamá, os guias da fundação os abandonam — a travessia pode levar à prisão — e o poder do grupo armado diminui. Depois, do lado do Panamá, pequenos bandos criminosos percorrem a floresta, utilizando agressão sexual como ferramenta para extrair dinheiro e punir aqueles que não podem pagar.
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