Internacional

Jovens creem menos em democracia, diz pesquisa em 30 países

Levantamento da OSF com 36 mil adultos registra apoio maciço ao modelo, mas desconfiança em resultados práticos e políticos; entre 18 e 35 anos, 42% das pessoas, 31% no Brasil, defendem ditadura militar

Agência O Globo - 12/09/2023
Jovens creem menos em democracia, diz pesquisa em 30 países

Pesquisa sobre o estado da democracia no planeta feita com pouco mais de 36 mil adultos em 30 países, incluindo o Brasil, encomendada pela rede internacional de filantropia Open Society Foundations (OSF), fundada pelo investidor George Soros, e apresentada com exclusividade no país pelo GLOBO, apresenta um paradoxo gritante. Embora a maioria esmagadora dos entrevistados (86% na média total, 74% no Brasil) afirme desejar “viver em um Estado democrático”, entre os mais jovens — de 18 a 35 anos — 42% (31% no Brasil) consideram ditaduras militares boa maneira de se governar e 35% (21% no Brasil) apoiariam ser comandados por um líder forte “que não respeite nem o Poder Legislativo nem eleições livres”.

Análise: Declarações de Lula sobre TPI enfraquecem defesa de direitos humanos e cooperação internacional

Cúpula: Lula afirma que atuação do G20 foi 'insuficiente para corrigir os equívocos do neoliberalismo'

As respostas dadas a questões não interdependentes permitem contradições (ou seja, o entrevistado pode afirmar desejar viver em uma democracia e, ao mesmo tempo, ser simpático ao jugo militar). Mas, também, sublinha o relatório final do estudo, com apresentação do britânico Mark Malloch-Brown, presidente da OSF, escancaram um dos maiores desafios das democracias liberais nos dias de hoje. Com o avanço do populismo autoritário e a explosão de crises globais concomitantes (climática, sanitária, econômica, de representatividade política) é preciso provar que, mais do que uma abstração, o regime político que iguala seus cidadãos pelo voto pode — e deve —ser capaz de entregar a eles suas demandas mais básicas.

— O principal recado da pesquisa é o de que os valores democráticos seguem em construção. E o primeiro passo para mudar os números mais alarmantes, referentes aos mais jovens, é ter a consciência de que não estamos partindo de um consenso. A lição aqui é a de que a disputa política global pela democracia segue relevante. E de que é preciso enfatizar suas qualidades — diz o advogado Pedro Abramovay, doutor em Ciência Política pelo Iesp-Uerj e vice-presidente da OSF.

Os entrevistados participaram da pesquisa entre maio e junho deste ano. Na maioria dos países foram convidados 1 mil cidadãos. Por razões logísticas, Brasil, Estados Unidos, França, África do Sul e Índia tiveram o dobro de participantes dos demais, incluindo China e Rússia. A média global usada no Barômetro OSF, portanto, não reflete com exatidão a distribuição da população do planeta por nações.

'Estado de vigilância': China propõe detenção para 'roupas contra espírito chinês'

'Valores ocidentais'

A ampla amostra também incluiu, entre outros temas, destrinchados em 45 perguntas, direitos humanos, justiça climática, violência, desigualdade social, multilateralismo, a percepção do crescimento da importância da China no xadrez geopolítico global, a identificação com os “valores ocidentais” e a percepção da qualidade dos políticos em cada um dos 30 países pesquisados.

Em sua apresentação, Malloch-Brown aponta o Brasil recente como prova da falácia dos que defendem a maior capacidade de governos autoritários serem mais “dinâmicos ou resilientes”, apontando o dedo para Jair Bolsonaro, sua “desastrosa resposta” à pandemia de Covid-19 e a aceleração do desmatamento da Amazônia sob seu jugo. Também lembra que, um ano após eleições que contrapuseram “uma opção moderada a uma autoritária”, Brasil e França se destacam no Barômetro OSF pelo apoio da maioria nos dois países à democracia, mas também pela afirmação (de metade dos franceses e 74% dos brasileiros) de que “as leis não deixam pessoas como eu seguras em meu país”.

Geopolítica: Kremlin confirma encontro de cúpula entre norte-coreano Kim Jong-un e Putin na Rússia

O medo da violência é especialmente lembrado por latino-americanos e africanos. Entre nossos vizinhos, 77% dos colombianos e 73% dos argentinos dizem concordar com a sentença “temo que reviravoltas políticas resultem em atos de violência nos próximos 12 meses”. O Brasil (60%) fica próximo da média global (58%).

Clima tenso

A corrupção supera a pobreza, o avanço da desigualdade social e a crise do clima como problema mais importante de seus países para os que vivem na América Latina, África, Ásia e Rússia. E, novamente, os mais jovens são os mais céticos em relação à defesa dos políticos eleitos “dos interesses da maioria da população”. Na Argentina, apenas 10% dos entrevistados de todas as faixas etárias confiam nos eleitos. Na Colômbia, 13%. N o Brasil, 19%. número que também não é alto em democracias ricas, como Japão (12%), França (15%) e Reino Unido (20%), atestando o caráter global da crise de representação direta. A média geral foi de apenas 30%.

Os moradores do Sul Global se mostram interessados em atrelar o conceito de Justiça Climática ao andar de cima. Brasileiros (78%), colombianos (78%), argentinos (74%) e sul-africanos (72%) defendem em peso que os mais ricos financiem a proteção das florestas pelos mais pobres.

Mas o consenso não se repete do outro lado da conta, com apoio minoritário dos alemães (47%), financiadores do Fundo Amazônia. Por outro lado, apenas 15% dos brasileiros concordam que “a crise climática é o principal problema do planeta”, contra 32% dos indianos e 28% dos alemães. A pesquisa completa está disponível no site da OSF.