Economia

Riachuelo é criticada por roupa que remete a uniforme de judeus em campos de concentração nazistas

Publicação no X (antigo Twitter) chamou a atenção para conjunto de calça e blusa de mangas longas com listras

Agência O Globo - 12/09/2023
Riachuelo é criticada por roupa que remete a uniforme de judeus em campos de concentração nazistas

Um conjunto de calça e blusa de manga longas, com listras na vertical, à venda nas lojas Riachuelo foi alvo de críticas na internet nesta segunda-feira (dia 11). Clientes identificaram semelhanças com a vestimenta utilizada por presos de Auschwitz, complexo de campos de concentração que é considerado o maior símbolo do Holocausto. Em câmaras de gás e crematórios do local, foram mortas mais de um milhão de pessoas durante o regime de Adolf Hitler na Alemanha.

— A semiótica diz que tudo que existe no mundo, existe pra ter um determinado significado. Existe uma caracterização de identidade dessa peça com o uniforme usado pelos presos de Auschwitz: a largura das listras, o comprimento da blusa, o caimento da calça — criticou Clemara Bidara, professora de Semiótica da Moda da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), em São Paulo.

A publicação que chamou a atenção para as peças foi feita na rede social X (antigo Twitter), no domingo à noite. Cerca de 24 horas depois, a postagem tinha mais de 110 mil interações. Em alguns dos comentários que mais receberam apoio, memórias trágicas de familiares de judeus, principais vítimas do nazismo, eram compartilhadas.

— Ver o conjunto traz uma memória superperturbadora. De ódio, intolerância, destruição, negatividade, supremacia branca, tudo o que é contrário ao mundo em que vivemos hoje. Imaginem o sofrimento que causa a parentes de pessoas que foram vítimas do Holocausto, se encontram alguém usando as peças na rua. Não cabe esse tipo de estética — conclui Clemara Bidara.

Na postagem viralizada, uma das grandes questões levantadas foi a razão do lançamento. Enquanto alguns trataram como uma desatenção inaceitável da marca, outros suspeitaram de que seja uma estratégia de marketing para gerar "buzz" — ou seja, burburinho sobre as peças.

— Assuntos polêmicos engajam, mas neste caso trata-se de um crime contra a humanidade. O Marketing é uma ciência do comportamento do consumidor, que existe para atender às expectativas e aos desejos da sociedade, mas deve ter contratos de valores morais e éticos. E a marca, sem dúvida, errou no produto — afirma Vivian Blaso, professora de Marketing e Moda da FAAP.

Vivian diz ainda que o contexto brasileiro ressalta a gravidade do erro. Em três anos, grupos neonazistas cresceram 270% no país, segundo um estudo divulgado pela antropóloga Adriana Dias em 2022. O mapa elaborado identificou ao menos 530 núcleos extremistas, que costumam compartilhar o ódio a judeus, mulheres, negros, LGBTQIAP+, nordestinos e imigrantes.

Impacto também é comercial

Nos últimos anos, empresas de todo o mundo passaram a ser cobradas pelo "ESG", sigla em inglês que significa "environmental, social and governance". Isto é, suas práticas ambientais, sociais e de governança. Vivan Blaso considera que a Riachuelo feriu seus próprios pilares de governança, e diante da importância do tema, a empresa pode ter que lidar com impacto nos números:

— A Riachuelo tem capital aberto e é um dos maiores grupos de Moda da América Latina. Ao aprovar peças que incitam o nazismo, ela tem um dano reputacional e quebra a relação de confiança com investidores. Isso gera crise, perdas monetárias, e tem um impacto gigante no ecossistema de Moda.

Fast-fashion provoca erros

O erro cometido pela Riachuelo é explicado por dois fatores, que se interligam, para a professora Francisca Dantas Mendes, da Universidade de São Paulo (USP), que pesquisa Desenvolvimento e Processo de Produção Industrial. São eles: a aceleração do processo de desenvolvimento de produtos e a falta de um olhar de curadoria.

— Desenvolver uma coleção de Moda tem um propósito como eixo norteador. E no processo, todos os produtos são colocados em linha e observados como um conjunto, de modo que fica muito mais fácil não cometer equívocos, pois qualquer coisa diferente salta aos olhos. Quando não existe uma visão ampla da coleção, e vão sendo feitas peças aleatórias, esses escorregões acontecem — explica ela, que critica o lançamento: — É preciso sempre ter cuidado com símbolos, signos e sinais de culturas, principalmente negativos, para não fazer apologias, como esse que remonta dores da nossa história.

Emanuelle Kelly, professora de Sociologia da Moda na Universidade Federal do Ceará (UFC), concorda e critica a lógica de mercado "fast fashion", termo que identifica a rápida renovação de peças nas prateleiras do varejo de moda, cuja prioridade é apresentar novidades aos consumidores.

— No fast fashion, não há tempo para pesquisa, não há tempo para conceito, não há tempo para reflexão sobre a mensagem que se passa através das roupas. As críticas e esse tumulto são preços que pagam pela pressa em lançamentos estéticos sem embasamento crítico — pontua.

Riachuelo: 'foi uma infelicidade'

Procurada, a Riachuelo negou que a semelhança com o uniforme das vítimas do nazismo foi intencional: "Nós, da Riachuelo, prezamos pelo respeito por todas as pessoas, e esclarecemos que, em nenhum momento, houve a intenção de fazer qualquer alusão a um período histórico que feriu os direitos humanos de tanta gente."

Segundo a empresa, a escolha do modelo das peças e da cartela de cores "realmente foi uma infelicidade" e todas as peças já estão sendo retiradas das nossas lojas e e-commerce. "Entendemos a sensibilidade do assunto, agradecemos o alerta trazido pelos nossos consumidores e pedimos desculpas a todas as pessoas que se sentiram ofendidas pelo que o produto possa ter representado".