Internacional
Oposição apela à nostalgia da bonança dos anos 90 como cabo eleitoral em pleito na Argentina
Milei e Bullrich defendem uma economia aberta ao mundo, privatizações de empresas públicas e planos econômicos de choque
A campanha eleitoral pela Presidência da Argentina está trazendo de volta o passado recente do país, com suas crises e, também, momentos efêmeros de estabilidade que hoje geram sentimentos de nostalgia na população. Com o país mergulhado numa situação econômica dramática, a década de 1990, que depois de um início difícil — com tentativas frustradas de superar a hiperinflação do final dos anos 1980 — deu a muitos argentinos alguns anos de paz e moeda forte, está sendo revalorizada pelos dois candidatos da oposição, que defendem uma economia aberta ao mundo, privatizações de empresas públicas e planos econômicos de choque.
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Ontem, a ex ministra Patricia Bullrich, candidata da aliança de centro-direita Juntos pela Mudança, apresentou quem seria seu ministro da Economia em caso de vitória: o veterano economista Carlos Melconian, de 66 anos, o mesmo que o ex-presidente peronista Carlos Menem (1989-1999), já falecido, anunciou como eventual ministro se tivesse conquistado um terceiro mandato nas eleições de 2003. Melconian, que também foi presidente do Banco de la Nación Argentina no governo de Mauricio Macri (2015-2019), é um símbolo da década de 90. O economista iniciou sua carreira no Estado ao lado de Domingo Cavallo, presidente do Banco Central nos anos 80, e famoso por ter sido o ministro da Economia dos dois governos de Menem — considerado um peronista de direita e neoliberal em termos econômicos — quando criou o plano de conversibilidade que atrelou o valor do peso ao dólar.
Com Menem, os argentinos viajaram pelo mundo e ficaram famosos no Brasil pela frase “dame dos” (me dê dois, em tradução livre), porque seu alto poder aquisitivo lhes permita voltar para casa com as malas cheias de compras — como fazem agora os brasileiros que visitam o país vizinho.
Louvor a Menem
O primeiro governo do carismático presidente peronista é considerado o melhor da História da Argentina pelo candidato da extrema direita Javier Milei, favorito para o primeiro turno, em 22 de outubro. No encerramento de sua campanha antes das Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) de 13 de agosto, Milei afirmou que no primeiro governo de Menem “não havia inflação, tínhamos uma moeda forte e o crédito reapareceu”. Agora, o candidato da extrema direita, apoiado publicamente pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e admirador do americano Donald Trump, propõe dolarizar a economia como saída para uma crise que considera a mais grave da História do país. Milei também prega uma abertura total da economia, privatizações e redução drástica do Estado — passando, num primeiro momento, de 21 para apenas 8 ministérios.
— Nunca vivemos uma situação tão dura, temos um muro na nossa frente que nos separa do futuro — disse ontem Bullrich, ao anunciar um economista bem conhecido dos argentinos e autor de seu programa de governo, em parceria com fundações que, como ele, estão ligadas aos anos 90.
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Desde 2021, Melconian integra a Fundação Mediterrânea, fundada em 1977 com sede na província de Córdoba, onde foi realizado o ato de Bullrich. No passado, a fundação teve Cavallo como um de seus principais integrantes. A candidata da Juntos pela Mudança, conhecida por seus escassos conhecimentos em matéria de economia, decidiu se apoiar nos mesmos que estiveram ao lado de Menem para tentar ser competitiva na disputa com Milei, e minimizar os riscos de ficar de fora de um eventual segundo turno.
Bullrich enfraquecida
Nos últimos dias, todas as pesquisas que circularam no país indicaram que o cenário mais provável é um segundo turno — previsto para 19 de novembro — entre Milei e o ministro da Economia, Sergio Massa, candidato do governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner. Com o ex-presidente Macri articulando nas sombras com Milei, a candidatura de Bullrich ficou profundamente enfraquecida. Em entrevista a uma rádio, o candidato da extrema direita disse recentemente que se for eleito oferecerá a Macri ser um representante do país no mundo, uma espécie de embaixador especial da Argentina. Assessores do ex-presidente negaram a possibilidade, mas o próprio Macri não comentou.
Tanto a candidata da Juntos pela Mudança como Milei sabem que o que os argentinos mais querem neste momento é superar a crise econômica. Isso significa acabar com uma inflação sufocante que já supera 100% ao ano, e voltar a ter uma moeda valorizada. Esta semana, a cotação do dólar paralelo se aproximou dos 800 pesos, e o real chegou a quase 140. Viajar ao exterior virou luxo, e o país está sendo invadido por turistas estrangeiros, a grande maioria latino-americanos — com os brasileiros em primeiro lugar.
Embora o desejo de uma mudança radical seja generalizado num país no qual mais de 70% dos eleitores votaram contra o governo nas primárias, tanto Bullrich, através de Melconian, como Milei, apelaram à nostalgia dos anos 90.
— Milei sempre se declarou admirador do primeiro governo de Menem, e tanto ele como Melconian sempre elogiaram Cavallo. Vivemos um revival dos anos 90 — disse a analista política Mariel Fornoni, diretora da empresa de consultoria Management & Fit.
Ela faz, no entanto, uma ressalva:
— Os jovens, que votaram em massa em Milei, não lembram dessa época.
Neste caso, os eleitores mais jovens sabem o que foi a década de 1990 através de seus pais. Um período, lembra Fornoni, “no qual a Argentina viveu alguns dos poucos anos de estabilidade que teve após a volta da democracia, em 1983”.
Saindo do armário
Na visão de Ana Iparraguirre, da GBAO Strategies, não se trata tanto de nostalgia, mas, sim, de propor discussões — entre elas a necessidade de privatizar empresas públicas — que estavam proibidas durante os anos de maior domínio do kirchnerismo (2003-2015).
— Na campanha de 2015, Macri gravou um vídeo no qual dizia que não privatizaria a companhia aérea Aerolíneas Argentinas... Era outra época e as pessoas tinham vergonha de defender ideias de direita ou neoliberais. Agora parece, sobretudo para os jovens, como algo novo, mas não é — comenta Iparraguirre.
A analista diz que a partir do momento em que Milei instalou na agenda ideias de direita, e até mesmo extrema direita, outros saíram do armário.
— O apoio a Milei não se explica apenas pelo voto dos jovens, e tem a ver também com a lembrança de uma época melhor — conclui ela.
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