Internacional

Melhoria no ensino do guarani e preservação das línguas nativas é desafio para novo governo no Paraguai

Estima-se que cerca de 10 milhões de pessoas falem o guarani, especialmente no Paraguai, Brasil, Argentina e Bolívia

Agência O Globo - 26/08/2023
Melhoria no ensino do guarani e preservação das línguas nativas é desafio para novo governo no Paraguai
Guarani - Foto: Twitter Guarani

Todo dia 25 de agosto, o Paraguai comemora o Dia da Língua Guarani, em comemoração à data em que foi incluída como língua nacional e recebeu status legal há 56 anos, em 1967. O guarani difundido no Paraguai é a única língua de origem americana falada pela maioria de uma população não indígena. É fundamentalmente uma língua de transmissão oral, essencial no campo e muito comum nas cidades. "Mba'e la pórte (como vai?)?", cumprimentam-se numa rua do centro de Assunção. "Iporânte. Ha nde? (tudo bem, e você?)", respondem. E a conversa continua numa mistura de guarani e espanhol de uso popular, que chamam de jopará.

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Há 7,5 milhões de pessoas que vivem no Paraguai e 70% da população com mais de 5 anos fala habitualmente o guarani, segundo a Pesquisa Permanente de Domicílios 2022 do Instituto Nacional de Estatística. Embora seja reconhecida há mais de meio século, só se tornou língua oficial, junto com o espanhol, em 1992.

Dezoito anos depois, em 2010, durante o governo de Fernando Lugo (Frente Guasú), a Lei das Línguas foi aprovada. Desde junho de 2021, é obrigatório que todas as instituições públicas ofereçam comunicações bilíngues, mas isso ainda não está cumprido.

O guarani paraguaio não existia antes da conquista espanhola, que começou em 1524. Tem cerca de 500 anos e se formou a partir do contato dos idiomas da região com o espanhol. Inicialmente, não tinha sistema de escrita, foram os missionários franciscanos e jesuítas que desenvolveram uma ortografia baseada no alfabeto latino, além das primeiras gramáticas e dicionários. Isso possivelmente contribuiu para preservar alguns traços ao longo dos séculos, mas também dissociou a língua de sua cultura.

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— O guarani ensinado na academia é próximo ao avá guarani, mas também tem elementos de outras culturas — diz Perla Álvarez, uma linguista de 52 anos.

Ela é professora (mbo'ehára) no Ateneu de Língua e Cultura Guarani, fundado em 1985, e, há um ano, faz parte das 30 pessoas que compõem a Guarani Ñe’ẽ Rerekuapavẽ, ou a Academia da Língua Guarani.

— O guarani paraguaio é um símbolo de resistência — afirma Álvarez em sua casa no Centro Histórico de Assunção.

Apesar da falta de apoio institucional durante a ditadura militar de Alfredo Stroessner (1954-89), o povo manteve a língua viva. Como muitas pessoas de sua idade, ela entendia o guarani quando era criança, mas não o falava.

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— Embora meus pais o usassem, só me permitiam praticá-lo na "hora do guarani", uma vez por semana. Durante a ditadura, era socialmente proibido, não era uma lei, mas era considerado inculto, atrasado, rural e pobre; então, muitas famílias preferiam que seus filhos não aprendessem a falar. Ele só permaneceu em uso doméstico e folclórico — explica.

O guarani amplamente falado no Paraguai é diferente das 19 línguas nativas do país, que o precedem e fazem parte de cinco famílias linguísticas: guarani, mataco mataguayo, língua maskoy, guaicurú e zamucu. Essa riqueza e diversidade não são refletidas no discurso oficial do bilinguismo paraguaio. Dentro da família do guarani, existem as línguas aché, avá guarani, mbya guarani, paï tavytera, guarani ñandeva e guarani ocidental, todas com notáveis diferenças. Por exemplo, em mbya guarani, "olá" se diz "aguyjevete", enquanto em avá guarani, se diz "mba'éichapa".

A maioria dos membros das 19 comunidades indígenas vive em comunidades dispersas por todo o país, enfrentando a marginalização e sobrevivendo em condições precárias. Algumas dessas comunidades estão seriamente ameaçadas, como os Guaná, Tomárãho, Angaité, Manjui, Sanapaná e Avá Guarani.

— Os povos originários carecem de professores, de materiais e de regulação de suas próprias vidas. Por exemplo, os Maká estão perdendo a língua. E isso acontece em quase todas as 19 línguas nativas, que são suplantadas pelo guarani oficial — afirma Carlos Ferreira Quiñonéz, presidente da Academia da Língua Guarani.

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O doutor em Língua e Cultura Guarani, de 63 anos, acredita que o governo paraguaio dá as costas às línguas nativas e que é preciso desenvolver uma boa política educacional. Ele lamenta que Santiago Peña, do Partido Colorado, não tenha falado guarani em seu primeiro discurso como presidente, em 15 de agosto.

— Ele usou apenas a palavra "aguyje", que significa obrigado. Você tem que falar com as pessoas na língua delas. Como ele vai se comunicar com os camponeses, os pescadores e muitos outros trabalhadores paraguaios que falam fundamentalmente o guarani? — questiona o acadêmico.

Apesar das deficiências, Ferreira comemora que, de modo geral, o interesse pelos cuidados linguísticos é cada vez maior.

— Em 1900, os textos em guarani podiam ser contados nos dedos de uma mão, mas a partir da década de 1990 houve uma explosão, chegando a 2 mil textos em 2012. Hoje são publicados mais de 1,5 mil por ano — analisa.

O novo Ministro da Educação e Ciência nomeado pelo presidente Peña é o sociólogo e conselheiro educacional Luis Ramírez, que sabe que é o responsável por uma das pastas mais importantes para o desenvolvimento de um país. Entre os muitos desafios que enfrentará está a melhoria da qualidade do ensino do guarani e a preservação das 19 línguas nativas do Paraguai.