Internacional

Eleição na Guatemala chega ao 2º turno sob ameaça de judicialização

Próximo presidente sai da disputa entre Sandra Torres, ex-primeira-dama do país, e Bernardo Arévalo, filho de ex-presidente

Agência O Globo - 20/08/2023
Eleição na Guatemala chega ao 2º turno sob ameaça de judicialização

Os eleitores de Guatemala vão definir o próximo presidente do país neste domingo, em um pleito já marcado por um surpreendente 1° turno e pela tentativa de suspender um dos principais partidos políticos na disputa. O processo eleitoral chega à reta final com preocupações sobre uma possível judicialização do 2º turno e com a candidata mais votada na primeira etapa questionando a transparência da votação.

Cerca de 9,4 milhões de guatemaltecos poderão escolher entre dois candidatos de centro-esquerda. A ex-primeira-dama Sandra Torres, da Unidade Nacional da Esperança (UNE), candidata mais votada no 1º turno, e o sociólogo Bernardo Arévalo, do Movimento Semente, apontado pelas últimas pesquisas eleitorais como favorito para o 2º turno.

— Bernardo Arévalo apresenta-se como a opção de mudança política contra um sistema que está presente desde a assinatura dos acordos de paz [de 1996] e Sandra Torres vem assumindo uma posição de defesa desse sistema tradicional das últimas décadas, é a representante da continuidade — disse o analista Arturo Matute, diretor do centro Gobernálisis, em entrevista à AFP.

O sociólogo e deputado Bernardo Arévalo, de 64 anos, é filho do ex-presidente Juan José Arévalo (1945-1951), primeiro presidente democrático do país após décadas de ditaduras, que encerrou os 13 anos de poder de Jorge Ubico, um admirador de Hitler que submeteu indígenas maias a trabalhos forçados.

Arévalo nasceu em Montevidéu, em 1958, enquanto seu país estava no exílio após uma rebelião militar arquitetada pelos Estados Unidos. Ele também viveu na Venezuela, México e Chile antes de chegar à Guatemala aos 15 anos. Estudou sociologia em Israel, foi vice-chanceler e embaixador na Espanha. Entre suas principais propostas, o candidato do Movimento Semente promete seguir os passos do pai para tirar 60% dos 17,6 milhões de guatemaltecos da pobreza.

— Passamos anos sendo vítimas, sendo presas, de políticos corruptos — disse ele ao encerrar sua campanha. — Votar é deixar claro que quem manda neste país é o povo da Guatemala, e não os corruptos.

Sandra Torres, por outro lado, tenta chegar à Presidência pela terceira vez. Ex-esposa do falecido presidente Álvaro Colom (2008-2012), de quem se divorciou em 2011 na tentativa de concorrer à Presidência sem infringir a norma constitucional que impede a candidatura de familiares próximos aos presidentes em exercício, mas foi impedida pela Justiça. Torres foi candidata em 2015 e 2019, sendo derrotada em ambas.

Licenciada em Comunicação e empresária têxtil, ela fundou a Unidade Nacional da Esperança, sigla pela qual seu ex-marido foi eleito e que ela dirige com mãos de ferro. Ela esteve presa em 2019 por suposto financiamento irregular na UNE, mas o caso foi concluído em 2022. Candidata mais votada no 1º turno, com 15,8% dos votos, Torres prometeu auxílios em dinheiro, alimentos e outros subsídios. Em uma coletiva de imprensa anterior ao encerramento de sua campanha, ela questionou a lisura das eleições.

— Nós colocamos em dúvida esse processo eleitoral, nos preocupa muitíssimo qualquer alteração de dados. O Tribunal Supremo Eleitoral é imparcial, é objetivo, ou é do [Movimento] Semente? — afirmou. — Não posso confiar em um sistema onde há digitalizadores afiliados a outro partido.

Em um país fortemente conservador e religioso, nem Arévalo nem Torres promovem a legalização do casamento homoafetivo, ou do aborto, permitido apenas se houver risco para a mãe.

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A Missão de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (MOE/OEA) reiterou, na sexta-feira, a preocupação com a judicialização do 2° turno na Guatemala, Em meio a uma polêmica ação do Ministério Público contra o Movimento Semente, e após o promotor Rafael Curruchiche, que lidera a investigação, declarar que não descarta novas medidas contra o partido após a eleição, .

"A poucas horas do início da jornada eleitoral, a missão expressa sua preocupação diante do anúncio do MP de uma série de ações que persistem em judicializar o processo eleitoral na Guatemala ", expressou a entidade da OEA. "A MOE/OEA reitera que essas ações interferem no andamento natural do processo eleitoral, em detrimento de toda uma nação que deseja se expressar livremente nas urnas. A Missão faz um chamado a toda a sociedade guatemalteca e aos órgãos do Estado para que propiciem a estabilidade e tranquilidade antes das eleições de domingo", expressou a entidade.

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Em 12 de julho, a pedido de Curruchiche, o juiz Fredy Orellana inabilitou o partido. A acusação, que questiona o processo de inscrição do partido, em 2017, colocou em xeque o segundo turno e gerou uma onda de indignação no país e no exterior, embora a Justiça tenha deixado a medida em suspenso.

Também na sexta-feira, a Corte Suprema de Justiça da Guatemala anulou, por unanimidade, a ordem de um polêmico juiz que inabilitou temporariamente o partido.

No primeiro turno, em 25 de junho, 60% do eleitorado votou, mas a participação tradicionalmente diminui no segundo turno, já que não há eleições locais, ou legislativas. Quase 3.500 centros de votação abrirão às 7h locais (10h em Brasília) e fecharão às 18h (21h). Os primeiros resultados oficiais serão conhecidos em torno de três horas depois.

Também haverá votação para prefeitos e vereadores em cinco municípios onde a eleição foi suspensa no primeiro turno, devido a tumultos. O novo presidente tomará posse em 14 de janeiro de 2024.

(Com AFP)