Internacional
Argentina: Milei aposta na dolarização para vencer, mas falta de equipe e base são fraquezas
Economista outsider é favorito no pleito e tem a seu favor o fato de não ter integrado governos anteriores, que fracassaram em recuperar a economia argentina
Tsunami, furacão, tempestade e terremoto. Depois de ser o candidato mais votado nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) de domingo, com 30% dos votos, o líder da extrema direita argentina, Javier Milei, passou a ser comparado com episódios climáticos extremos. Milei estremeceu o sistema político local, com um desempenho nas urnas muito diferente do que previam as pesquisas de opinião. Superado um primeiro momento de comoção nacional, todas as análises estão centradas em suas fortalezas e fraquezas, ou seja, em suas chances de se eleger presidente da Argentina em 22 de outubro — e eventual segundo turno em 19 de novembro — e assumir o poder em 10 de dezembro, quando a democracia do país completa 40 anos.
Contexto: Quem é Javier Milei, candidato de extrema direita que sai na frente nas eleições da Argentina
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O admirador de Jair Bolsonaro e Donald Trump é favorito no pleito e tem a seu favor o fato de ser um outsider, algo que hoje é uma enorme vantagem. Milei, que é economista, não integrou governos que fracassaram em recuperar de forma sólida a economia nacional — todos os que passaram pela Casa Rosada desde a redemocratização, em 1983 —, teve passagem efêmera por partidos do sistema e foi o único que apresentou à sociedade argentina uma proposta econômica que despertou entusiasmo: a dolarização. Seja viável ou não, o candidato é visto por milhões de argentinos como uma esperança após décadas de atraso e decadência.
Essa fortaleza vem acompanhada de um de seus pontos fracos: a ausência de uma equipe de colaboradores visível, que dê credibilidade a seu programa de governo. Milei é conhecido por seu hermetismo, personalismo e egolatria.
Longe dos holofotes, conversa com outros economistas e fundações que defendem as ideias apresentadas como libertárias (livre mercado, Estado enxuto e uma economia totalmente aberta, entre outras). Mas a campanha até agora mostra um candidato sem equipe, o que desperta dúvidas entre alguns eleitores — segundo as pesquisas (que erraram nas prévias), como a da Universidade de San Andrés, ele tem uma rejeição de 58%.
Corte no funcionalismo
Uma das fundações que entregaram propostas de governo a Milei foi a Liberdade e Progresso. Seu diretor executivo, Aldo Abram, explica ao GLOBO que “Milei não mostra seus colaboradores porque ele acha que deve ser o centro de tudo, faz parte de sua personalidade, que não é fácil. Mas muitos entregamos propostas à campanha de Milei”.
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Os comentários sobre seu estilo e de seus colaboradores mais próximos, com destaque para sua irmã — que ele, em uma clara fala polêmica, chama de “futura primeira-dama” — Karina Milei, são um aspecto negativo da candidatura. Ex-colaboradores do candidato ouvidos pelo GLOBO descrevem uma pessoa instável, que se irrita facilmente, e com dificuldade de tolerar críticas. Os escândalos internos durante a campanha — seu partido foi acusado de vender vagas para candidatos — tiveram repercussão na mídia, mas não afetaram seu desempenho eleitoral.
Uma das ideias que a Liberdade e Progresso defende, e que Abram diz que Milei adotou, é a redução drástica do Estado.
— Pensamos em oito, talvez até seis ministérios (hoje são 21), sem secretarias. Reduziríamos em 30% o número de servidores públicos do país — disse o diretor da fundação.
Centralização
Milei também é próximo da Universidade do Cema e de economistas da instituição que participaram do governo do peronista de direita de Carlos Menem (1989-1999), famoso por ter contido a hiperinflação com o plano de conversibilidade, que atrelou o peso ao dólar. O problema foi sair da conversibilidade, em 2001, o que desencadeou a desvalorização do peso, confisco de depósitos e calote da dívida pública.
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O candidato da extrema direita mantém todos os que colaboram direta ou indiretamente com sua campanha nas sombras. Essa decisão é vista com desconfiança por alguns, mas para a grande maioria de seus eleitores o que importa é a palavra dele. Para esses eleitores, a Argentina já teve muitos superministros da Economia e nenhum deles tirou o país do buraco.
Isolado
Na visão de Agustín Etchebarne, diretor geral da fundação, “a principal fortaleza de Milei é ser quem melhor compreendeu os problemas do país. Sua maior fraqueza é ser o líder de um partido novo, ainda não consolidado, e que deverá, se chegar ao poder, encarar negociações para aprovar as reformas que considera essenciais no Congresso”.
— A dolarização não é uma varinha de condão, não vai resolver tudo. Serão necessárias reformas profundas, e Milei não terá uma bancada grande, talvez não terá sequer a primeira minoria — disse.
Para ele, o programa de governo de Milei só dará certo se a Argentina, rapidamente, entrar para a lista dos dez países com maior liberdade econômica do mundo. Para isso, as reformas que devem passar pelo Congresso (tributária, trabalhista e do Estado, entre outras) são fundamentais, frisa o economista, que, em caso de vitória de Milei, aposta numa parceria com um setor amplo da aliança opositora Juntos pela Mudança. O ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), assegura, será o negociador desse acordo.
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O candidato não conseguiu eleger governadores, não tem prefeitos e a presença de seu jovem partido, A Liberdade Avança, é pequena no Congresso. A legenda ainda não obteve resultados significativos. Isso é visto como fraqueza por analistas como Nicolás Solari, da Universidade del Salvador. Milei ainda não tem o respaldo de grandes empresários ou sindicatos — mais vinculados ao peronismo:
— Mas a lógica do eleitor argentino mudou, votou num emergente diferente a tudo o que já vimos.
Para ele, a principal fortaleza de Milei é ter sabido interpretar o momento histórico da Argentina. Milei, enfatizou o analista, “representa a ira dos eleitores zangados”. Se daria certo ou não como presidente, concluiu, é outra história.
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