Internacional

Brasil e Colômbia têm de atuar para garantir eleições limpas na Venezuela, diz relatório

Lula e Petro vinham tentando solução dialogada, mas medidas cada vez mais autoritárias de Maduro afastam outros governos da região, aponta Crisis Group

Agência O Globo - 16/08/2023
Brasil e Colômbia têm de atuar para garantir eleições limpas na Venezuela, diz relatório

O papel dos atores internacionais, principalmente na América Latina, será crucial para a realização de eleições justas na Venezuela. Por isso, Brasil e Colômbia devem atuar em conjunto para tentar reativar as negociações entre governo e oposição e pressionar o governo de Nicolás Maduro a fazer concessões, aponta um relatório do Crisis Group publicado nesta terça-feira. O caminho, no entanto, não será simples. No caso do Brasil, as críticas às recentes declarações de Lula — que chamou de "narrativas" as acusações de que a Venezuela não vive sob um regime democrático — fizeram com que a Venezuela ficasse em um segundo plano, pelo menos por enquanto. Na Colômbia, Maduro também deixou de ser uma prioridade na agenda do presidente Gustavo Petro, que tem que lidar com uma crise interna após a prisão do próprio filho.

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A Venezuela se prepara para realizar eleições presidenciais e legislativas em 2024 e 2025, respectivamente, em condições claramente favoráveis ​​ao governo. As negociações entre o governo e a oposição estão mais uma vez congeladas, e Maduro vem tomando, nos últimos meses, medidas cada vez mais autoritárias. Para retomar o diálogo, a oposição pede, entre outras coisas, a libertação dos presos políticos, o fim das inabilitações impostas a alguns candidatos da oposição e garantias de que o órgão eleitoral irá convidar especialistas internacionais para observar as eleições presidenciais. Em troca, Maduro quer o alívio das sanções dos EUA.

Mas, um dos principais motivos para o estancamento das negociações, segundo o relatório, é a atual ambiguidade do papel dos Estados Unidos, que impedem uma resolução do impasse.

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"Estados latino-americanos e potências estrangeiras devem pressionar pela retomada urgente das negociações com o objetivo de chegar a acordos concretos. Washington deve intensificar a diplomacia bilateral com Caracas e oferecer alívio tangível nas sanções a tentar persuadir Maduro a voltar às negociações e fazer concessões e assim evitar o aprofundamento do conflito", aponta o documento.

Conversas secretas entre Washington e Caracas vinham acontecendo nos últimos meses. Uma delegação dos EUA visitou Maduro em março do ano passado, a primeira viagem de alto nível em cinco anos. Jornais americanos também relataram reuniões recentes no Catar entre Juan González, diretor do Conselho de Segurança Nacional para o Hemisfério Ocidental dos EUA, e Jorge Rodríguez, presidente da Assembleia Nacional da Venezuela.

Internamente, no entanto, o presidente Joe Biden teme ser visto como indulgente com o regime de Maduro, o que lhe poderia custar votos em uma provável disputa no ano que vem contra Donald Trump — congressistas republicanos (e alguns democratas) estão preparados para qualificar qualquer concessão como demonstração de fraqueza. Externamente, a crescente desconfiança entre os EUA e a Rússia por causa da guerra na Ucrânia reforçou o status quo da Venezuela ao impedir a cooperação entre os dois.

"Dada a debilidade da oposição e o limitado espaço de manobra dos governos Maduro e Biden, o papel dos vizinhos latino-americanos da Venezuela, em particular a Colômbia e o Brasil, como facilitadores de qualquer acordo, serão cruciais", aponta o texto, lembrando que, até agora os esforços diplomáticos dos governos latino-americanos de esquerda para criar aberturas não deram frutos.

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No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vinha tentando uma aproximação. Em maio, ao receber Maduro com honras de chefe de Estado, Lula classificou o encontro de "histórico" e fez fortes críticas aos EUA pelo embargo econômico ao país, afirmando que as sanções econômicas são "pior do que uma guerra". Também chamou de "narrativas" as acusações de que a Venezuela não vive sob um regime democrático.

"O potencial papel de Lula no apoio a um acordo entre o governo venezuelano e a oposição já desperta preocupação em pelo menos alguns setores da oposição, por sua aparente afinidade com o chavismo, embora o Brasil tenha sublinhado seu apoio a uma solução democrática para o conflito", ressalta o documento.

Após ser alvo de críticas, o brasileiro esperava que a presença de Maduro na Cúpula da Amazônia, na semana passada, fosse um ambiente menos hostil para tentar uma aproximação do venezuelano dos demais líderes regionais. Mas Maduro cancelou em cima da hora sua participação no encontro, em Belém, e limitou-se a enviar a vice, Delcy Rodríguez. Oficialmente, teria tido uma otite. O governo brasileiro não foi informado oficialmente sobre a não participação do venezuelano.

No caso da Colômbia, Petro apostou praticamente toda as fichas iniciais de sua política externa no restabelecimento das relações com Caracas e na aproximação com Maduro, para tentar trazê-lo de volta ao cenário internacional e dialogar com a oposição. Maduro, no entanto, não cedeu um milímetro em sua estratégia, e ignorou todos os conselhos de seu amigo colombiano. Agora, Petro está afundado em uma crise política após a prisão do filho, Nicolás, por lavagem de dinheiro. Ele afirma que campanha do presidente usou dinheiro do narcotráfico, mas garante que o pai não sabia do esquema.

Medidas autoritárias

O relatório do Crisis Group sugere como uma possível solução a formação de um "grupo de amigos" entre os governos da região, "que ofereceriam um forte apoio diplomático para uma solução negociada". Mas os desentendimentos sobre qual abordagem adotar são cada vez mais visíveis. Tanto o Chile, de Gabriel Boric, de esquerda, quanto o Uruguai, de Luis Calle Pou, de direita, exigem um posicionamento mais crítico em relação à restauração da democracia e ao respeito aos direitos humanos no país vizinho como medida para retomar o diálogo.

"Petro, sem dúvidas, tem estado na vanguarda na busca de uma saída para o impasse venezuelano, mas também depende da boa vontade de Caracas para as negociações de paz com os guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional (ELN) e para aumentar a segurança transfronteiriça", aponta o informe. "O Brasil, por sua vez, continua muito preocupado com a crise venezuelana, mas até agora parece relutante em assumir um papel de liderança na negociação de uma resolução".

E apesar dos esforços dos líderes vizinhos, no últimos meses, Caracas vêm tomando uma série de medidas autoritárias que vão de encontro ao objetivo de Lula e Petro. A ex-deputada María Corina Machado, principal candidata da oposição segundo as pesquisas mais recentes, foi inabilitada politicamente no fim de junho, medida que a deixa inelegível por 15 anos. Ela aparecia com mais de 50% das intenções de votos nas primárias opositoras, que acontecerão em outubro, à frente do candidato Henrique Capriles, mais moderado, e também inabilitado.

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O governo também anunciou, em julho, que não vai autorizar a presença de observadores da União Europeia (UE) nas eleições presidenciais de 2024, mais um retrocesso na tentativa de aproximação do regime de Maduro com a comunidade internacional.

O Parlamento, controlado pelos chavistas, ainda precisa designar novos integrantes do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) após a renúncia coletiva da diretoria, em junho, a mais equilibrada dos últimos anos. Os boatos indicam que a equipe será substituída por nomes da linha-dura do chavismo.

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Diante de um cenário cada vez mais perigoso para a realização de um pleito justo, no ano que vem, o relatório do Crisis Group sugere três ações conjuntas: instar os dois lados envolvidos nas negociações a resolverem suas diferenças (e com Washington) na medida do possível nos próximos meses; pressionar Caracas a tomar medidas em direção a eleições genuinamente competitivas, como por exemplo, libertando presos políticos, suspendendo as inabilitações de candidatos da oposição e convocando missões internacionais de observação; e, por último, persuadir os EUA a intensificar sua diplomacia bilateral e apresentar um roteiro para alívio de sanções.

Com alguns dos principais políticos da oposição desabilitados, e sem a presença de observadores eleitorais profissionais, uma eleição realizada nas condições atuais não ajudaria a solucionar a crise, e ainda manteria em vigor a maioria das sanções dos Estados Unidos, o que ameaça piorar a difícil situação econômica do país. "O impacto pode continuar a ser sentidos em toda a região, especialmente na vizinha Colômbia", conclui o documento.