Internacional

Polônia faz maior parada militar em décadas enquanto aumenta tensão em 'calcanhar de Aquiles' da Otan

Para comemorar o 103º aniversário da vitória polonesa contra a União Soviética na Batalha de Varsóvia, 2 mil de soldados poloneses e de outros países da Otan marcharam pela capital

Agência O Globo - 15/08/2023
Polônia faz maior parada militar em décadas enquanto aumenta tensão em 'calcanhar de Aquiles' da Otan
Polônia faz maior parada militar em décadas enquanto aumenta tensão em 'calcanhar de Aquiles' da Otan - Foto: Reprodução

A Polônia realiza nesta terça-feira sua maior parada militar em décadas, em uma clara exibição dos investimentos pesados para reforçar suas capacidades militares desde a anexação ilegal da Península da Crimeia pelo Kremlin, em 2014, e uma mostra de força à Rússia e à vizinha Bielorrússia – aliada de primeira hora de Moscou e abrigo de homens do Grupo Wagner, o que aumentou a tensão com Varsóvia nas últimas semanas.

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A mensagem não podia ser mais simbólica. Para marcar o 103º aniversário da vitória polonesa sobre a União Soviética na Batalha de Varsóvia, 2 mil soldados poloneses e de outros países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, liderada pelos EUA) marcharam pela capital polonesa. Também desfilaram mais de 200 equipamentos militares, entre tanques americanos M1A1 Abrams, sistemas de defesa com mísseis Patriot, lançadores de foguetes HIMARS, além de 92 aeronaves, incluindo jatos F-16 e helicópteros Black Hawks, segundo a agência de notícias Reuters.

Mas o deslocamento dos mercenários russos para a Bielorrússia – como parte de um acordo que pôs fim a um motim contra o Kremlin em junho – não é o único ponto de inquietação entre os dois países.

Na fronteira tripartite das duas nações com a Lituânia, há o corredor de Suwalki, que, com menos de 100 km, é apontado como o “calcanhar de Aquiles” da Otan e um “barril de pólvora” onde qualquer erro de cálculo pode detonar um conflito de potencial proporção nuclear. Saindo do território bielorrusso, o corredor, cujo controle se divide entre Varsóvia e Vilna, termina às portas do enclave russo de Kaliningrado, no Mar Báltico.

Há semanas, os dois países – que são integrantes da Otan – alertam que a Bielorrússia vem aumentando as provocações com a realização de exercícios militares e a aproximação de mercenários do grupo Wagner de áreas da fronteira. A movimentação motivou Varsóvia a enviar 10 mil soldados para a divisa entre os dois países, medida também adotada pela Lituânia, que prometeu dois mil homens.

Potencial de confronto

Cercado pela Polônia e a Lituânia, Kaliningrado fazia parte da Alemanha antes de ficar sob o controle soviético após a Segunda Guerra Mundial. Com o fim da Guerra Fria, Moscou manteve, com forte presença militar, a posse do território de aproximadamente 15 mil km². O enclave é estratégico pela saída para o Mar Báltico, crucial para as rotas navais russas.

De acordo com o Centro de Análises Navais (CNA), além de sediar a frota naval báltica russa, Kaliningrado conta com um extenso sistema terrestre de lançamento de mísseis, entre eles os Iskander, com capacidade nuclear e alcance de mais de 480 km. Embora Moscou não confirme o posicionamento de ogivas na região, muitos analistas acreditam que elas estão lá.

O CNA relata que a Rússia fez investimentos militares pesados na área desde 2021, incluindo o envio de armamentos como mísseis, navios de guerra, veículos blindados e também reforço de tropas, como um batalhão com entre 12 mil e 18 mil soldados que teria sido deslocado para o combate na Ucrânia.

Segundo o governo americano, este foi um dos batalhões que sofreram fortes perdas no conflito, inflingindo um desgaste para as capacidades militares em Kaliningrado. Dessa forma, apontam analistas, a necessidade de manter o equilíbrio de dissuasão na região poderia explicar a escalada de tensão atual.

– Isso é parte da equação de dissuasão. [Os países] escalam um pouco, distendem, movimentam as forças, fazem exercícios [militares]. Essas manobras são uma demonstração de força muito importante – disse ao GLOBO Salvador Raza, diretor do Centro de Tecnologia, Relações Internacionais e Segurança (Cetris), acrescentando: – Lembrando que a invasão da Ucrânia se desdobrou na região norte, a partir da Bielorrússia, de um exercício que estava sendo conduzido [em 2022].

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Um dos temores é de que, a partir de Kaliningrado, Moscou decida fechar o corredor de Suwalki com apoio das forças bielorrussas, isolando os países bálticos – compostos, além da Lituânia, pelas também ex-repúblicas soviéticas da Letônia e Estônia – da Polônia e do resto da Europa. O fechamento seria um teste para avaliar a disposição da Otan de fazer valer o artigo 5º de seu tratado de fundação, que estipula que um ataque a um integrante é uma agressão a toda aliança militar.

Embora a maior parte dos especialistas não acredite que haveria interesse de Moscou em um confronto direto, há a percepção de que, se o Kremlin quiser experimentar o apetite de defesa coletiva da aliança, o local escolhido seria o Suwalki.

– Putin tem apostado na desunião do Ocidente. Causaria consternação se a Otan não respondesse [a uma eventual incursão na região]. Destruiria toda a credibilidade da dissuasão – afirmou Daniel Hamilton, pesquisador não residente da Brookings Institution, em entrevista ao podcast The Current.

Os comentários de Hamilton foram feitos logo depois de a Lituânia fechar o comércio de itens de abastecimento para Kaliningrado pelo corredor no ano passado, alegando a necessidade de cumprir as sanções impostas pelo Ocidente à Rússia. Moscou chegou a ameaçar retaliar o governo lituano.

Raza também não aposta em uma escalada que arraste a Otan para um conflito direto, mas afirma que os ingredientes para um conflito estão dados.

– Aquilo ali é um barril de pólvora, e a situação tende a ser uma evolução da Ucrânia. Eles estão em um infraconflito. Ou seja, o conflito já existe, mas não se tornou visível, não acontece de fato. Mas a tensão existe – analisa Raza, com a ressalva: – Aquela região é um caldeirão de variáveis, tem vários fatores conjugados simultaneamente, mas nenhum passou a ser considerado uma ameaça real iminente, que justifique o que se chama de ataque preventivo.