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Tibete, Curdistão e Caxemira: conheça as seleções da ‘FIFA dos excluídos’, que completa 10 anos

Estados e minorias étnicas sem reconhecimento internacional usam futebol como instrumento de luta geopolítica

Agência O Globo - 15/08/2023
Tibete, Curdistão e Caxemira: conheça as seleções da ‘FIFA dos excluídos’, que completa 10 anos
Foto: Fernando Torres/CBF/Direitos Reservados

Quantos países existem no mundo? Embora esta pareça ser uma pergunta simples, não há apenas uma resposta certa. Tibete, Curdistão e Caxemira, por exemplo, são alguns dos territórios que não figuram nas listas das Nações Unidas (ONU) e de organizações como a FIFA, mas existem para a Confederação de Futebol de Associações Independentes (Conifa) — federação sem fins lucrativos formada por seleções de Estados e povos sem reconhecimento da comunidade internacional. Nesta terça-feira, a entidade completa uma década de história.

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Embora a FIFA se orgulhe de ter 25 países a mais do que os 193 reconhecidos pela ONU, quase uma centena de seleções ao redor do mundo são proibidas de participar da maior competição de futebol do planeta. Para este grupo de Estados não reconhecidos, repúblicas autônomas, micronações, diásporas e minorias étnicas, a única saída foi criar federações esportivas alternativas, como a Conifa. Segundo a organização, seu objetivo é “construir pontes entre povos, nações, minorias e regiões isoladas de todo o mundo através da amizade, da cultura e da alegria de jogar futebol”.

Mas a luta por reconhecimento identitário através do futebol vem de muito tempo. Em 2003, ela começou a se organizar de fato com a fundação da NF-Board, a primeira federação desportiva para os "excluídos" pela FIFA. Após sua extinção em 2013, a Conifa surgiu em seu lugar em 15 de agosto daquele ano — depois de uma série de extinções e fusões internas —, tornando-se a principal federação para povos e nações que não existem para a comunidade internacional do mundo.

Hoje, 43 seleções fazem parte da Conifa e há inclusive uma associada brasileira, a FAD do Estado de São Paulo, criada em 2018 para celebrar a cultura do maior estado do país. Além das competições masculinas, a Conifa também organiza competições de futebol feminino (a Copa das mulheres aconteceu no ano passado) e tem um projeto para atletas com deficiência.

No ano que vem, a Copa masculina será disputada no Curdistão iraquiano, Estado do Oriente Médio não reconhecido que abriga a maior população apátrida do mundo.

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— Muitas pessoas me param para tirar foto durante as partidas e eu pergunto o porquê — conta Alberto Rischio, presidente da Conifa na Europa e natural da Padânia, região no norte da Itália que também tem uma seleção própria — Eles me respondem: “Hoje é o melhor dia da minha vida. Pela primeira vez, vão reconhecer meu povo lá fora” — acrescenta, destacando a importância da transmissão das partidas pela TV e internet, algo que não acontecia antes da federação.

Para Gabriel Kuhn, jornalista austríaco e autor do livro “Futebol versus Poder”, a popularidade mundial do futebol o transforma em um importante pilar de representação cultural.

— Se olharmos para as equipes representadas nos torneios da Conifa, imagino que até as pessoas que sabem muito sobre política internacional se deparam com certas seleções e pensam: “quem são essas pessoas?” — afirma. — É certamente a primeira vez que muita gente toma conhecimento dessas comunidades que carecem de um Estado próprio, mas têm uma identidade cultural.

De acordo com Kuhn, muitos países historicamente usaram a representação no futebol em sua luta por autonomia, que, inclusive, ocupou “papel importante no processo de conquista de independências”.

— O exemplo mais proeminente é a Argélia, que antes de se tornar independente da França, durante a luta por autonomia, já havia formado sua própria seleção nacional — explica. — Isso foi muito importante diplomaticamente.

Às vezes, o próprio direito de jogar uma partida, sobretudo no exterior, já é o vislumbre de esperança que Estados e povos invisíveis aos olhos do mundo precisam para resistir.

— Em 2014, no nosso primeiro campeonato mundial, na Suécia, conseguimos arrecadar dinheiro para pagar todos os custos de passagem, hospedagem e alimentação para o time de Darfur [região no oeste do Sudão que desde 2003 vive uma guerra civil] — disse Rischio, presidente da Conifa na Europa. — Todos eram de um campo de refugiados e poder levá-los para a nossa primeira Copa do Mundo foi muito gratificante.