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Como o escândalo envolvendo seu filho e o narcotráfico pode afetar o presidente colombiano? Entenda

Acusado de enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro durante a campanha do pai, Nicolás Petro firmou acordo para colaborar com o Ministério Público colombiano e fez declarações comprometedoras

Agência O Globo - 04/08/2023
Como o escândalo envolvendo seu filho e o narcotráfico pode afetar o presidente colombiano? Entenda

Quase um ano após a chegada de Gustavo Petro à Presidência da Colômbia, seu filho, Nicolás Petro, preso desde sábado por enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro, soltou uma bomba. Segundo afirmou na quinta-feira o promotor responsável pelo caso, Mario Andrés Burgos, o réu informou que a campanha presidencial do ano passado, que elegeu o primeiro presidente de esquerda da Colômbia, recebeu dinheiro ilegalmente de pessoas acusadas ​​de tráfico e contrabando de drogas.

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De acordo com o promotor, Nicolás admitiu que, além de ir para a campanha – supostamente financiada acima dos limites permitidos pela lei eleitoral –, o dinheiro também serviu para seu próprio enriquecimento. O filho de Petro decidiu colaborar com o Ministério Público, que é chefiado por um opositor do presidente, em troca da prisão domiciliar. Ele nega que tenha sido pressionado para implicar o pai no caso.

Petro reagiu na quinta-feira: negou ter dado ordens para a realização de crimes, comparou o caso com as prisões e torturas que sofreu quando era guerrilheiro e atribuiu o caso à "perseguição" que o "governo da mudança" sofre por parte de poderes tradicionais. Nesta sexta, Petro cancelou sua agenda pública.

— Este governo só acaba por mandato popular, por mais ninguém mais; não há quem possa acabar com este governo senão o próprio povo, e o mesmo povo deu ordem por maioria nas urnas: vamos ficar até o ano de 2026 — disse sob aplausos, durante uma reunião com camponeses.

Entenda o caso:

Quem é Nicolás Petro?

Aos 37 anos, Nicolás Petro era uma figura em ascensão na política no departamento do Atlântico, o mais rico do Caribe colombiano e palco do clientelismo e da corrupção política e eleitoral no país.

Ele nasceu no município de Ciénaga de Oro, na savana caribenha, do casamento de Petro com Katia Burgos, sua primeira esposa. Embora eles tenham desenvolvido uma relação próxima quando adultos, o próprio presidente admitiu que não esteve presente durante a criação do filho, já que vivia de maneira clandestina durante seu tempo como guerrilheiro do M-19.

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Nicolás cresceu no Caribe colombiano, onde Petro nunca viveu. Lá estudou Direito e se especializou em Meio Ambiente. Concorreu ao cargo de governador pelo movimento político do presidente, o Pacto Histórico, mas perdeu. Como segundo colocado, no entanto, entrou para a Assembleia Departamental e se tornou uma das figuras-chave na região durante o crescente movimento petrista.

Durante a última campanha presidencial — a terceira em que Petro participou —, Nicolás desempenhou um papel central na busca de financiamentos, o que na região inevitavelmente implica fazer alianças com poderes questionáveis. A costa caribenha é uma região historicamente relutante à esquerda.

Como o caso veio à tona?

No início deste ano, em entrevista à revista Semana, a ex-mulher de Nicolás, Day Vásquez, acusou-o de receber dinheiro de empresários que pensavam estar contribuindo para a campanha presidencial do pai, em 2022.

Segundo ela, no entanto, Petro não sabia dos encontros e o dinheiro recebido não ia para a campanha, mas para a vida de luxo que Nicolás mantinha: carros e apartamentos suntuosos e grandes gastos em lojas de luxo. O Ministério Público abriu inquérito em março sobre as denúncias.

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Na terça, o promotor do caso listou por horas os gastos de Nicolás em 2022, que somaram 1,6 bilhão de pesos (cerca de R$ 1,9 milhão) e incluíam duas casas, uma Mercedes Benz e produtos de luxo em lojas como Salvatore Ferragamo e Carolina Herrera. Os valores são incompatíveis com seu salário de deputado, que lhe rendeu 220 milhões de pesos ao longo do ano (cerca de R$ 266 mil).

Prisão

No último sábado, Nicolás e a ex-mulher foram presos. No Twitter, Petro reagiu à prisão e garantiu que não interviria nas investigações:

"Como pessoa e como pai, me machuca muito tanta autodestruição e o fato de um dos meus filhos ir para a cadeia. Desejo sorte e força ao meu filho. Que esses acontecimentos forjem seu caráter e que ele reflita sobre seus próprios erros", escreveu. "Como presidente da República, asseguro que o Ministério Público tem todas as garantias da minha parte para proceder nos termos da lei. Como afirmei perante o procurador-geral, não vou intervir ou pressionar suas decisões; deixe a lei guiar livremente o processo."

Nicolás, por sua vez, recusou-se a receber a visita do pai esta semana na sede do Ministério Público, onde está detido provisoriamente. O filho do presidente também prometeu apresentar provas e renunciar ao cargo de deputado na Assembleia Departamental de Atlântico.

Quais são as acusações?

Nicolás é acusado por enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro. Segundo o promotor do caso, o filho do presidente colombiano teria recebido até 1 bilhão de pesos (cerca de R$ 1,5 milhão) durante a campanha de 2022 de dois homens. Um deles é Samuel Santander Lopesierra, conhecido como "O Homem de Marlboro". Extraditado para os Estados Unidos por tráfico e contrabando de drogas, cumpriu pena e voltou ao país em 2021. O outro é Gabriel Hilsaca, filho de "El turco" Hilsaca, empresário investigado por ligações com grupos armados.

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O promotor sustentou que "parte desse dinheiro foi usado por Nicolás Petro e seu sócio em benefício próprio e outra parte foi investida na campanha presidencial".

Por quanto tempo ele pode ficar preso?

Estima-se que o filho do presidente poderia ser sentenciado a entre 10 e 30 anos, dependendo da eficiência de sua colaboração e da gravidade dos crimes comprovados. O procurador, no entanto, havia deixado claro que a colaboração com o Ministério Público traria importantes benefícios quanto à redução da pena.

— Digamos que são 14 anos [de prisão]. Se eles aceitarem as acusações agora, uma redução de sete anos pode ser concedida — disse.

Confissão

Inicialmente, Nicolás e sua ex-esposa se declararam inocentes. No entanto, a estratégia tomou um rumo inesperado: o filho do presidente e seus advogados descobriram que havia uma série de provas sobre atos criminosos recentes, segundo reportagem do jornalista Daniel Coronell da W Radio. Cada vez mais encurralado, Nicolás anunciou sua intenção de conversar com o Ministério Público e denunciar novos atos de corrupção.

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— Faço isso pela minha família e pelo meu bebê, que está a caminho — disse o filho do presidente.

Como o caso pode afetar o presidente?

O caso de financiamento ilegal, além de ser investigado pelo Ministério Público, passará pelo Conselho Nacional Eleitoral e pela Comissão de Denúncias do Senado. Na primeira, não há hipótese de Petro ser sancionado, uma vez que a investigação do órgão eleitoral só pode implicar dirigentes de campanha.

No Senado a situação é diferente: como ocorreu durante o governo de Ernesto Samper (1994-1998), a comissão pode levar o presidente a um julgamento político, em que poderia ser investigado se sabia ou não da entrada de dinheiro ilegal como recursos de campanha. Samper foi absolvido pelo Senado.

Agora que o caso atingiu o presidente, levanta-se a questão de quando e como será investigada a campanha presidencial. O senador do partido Alianza Verde Jota Pe Hernández apresentou uma denúncia contra Petro perante a comissão da Casa, único órgão que pode investigar judicialmente o presidente.

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— Todas as provas que Nicolás Petro está entregando à promotoria neste momento devem ser compiladas pela Comissão — disse a denúncia. — Não é alguém da oposição que o está denunciando, seu próprio filho o está denunciando.

Outros envolvidos

Durante esses meses, o caso cresceu. De acordo com o site La Silla Vacía, cerca de 15 funcionários e políticos do movimento petrista estão sendo investigados, não apenas por recebimento de dinheiro ilegal, mas também por acordos políticos que possam ter surgido com as transações.

Em junho, a revista Semana publicou gravações de áudio privadas do homem mais próximo do Petro durante a campanha, Armando Benedetti, nas quais apontava para o possível recebimento de até 15 bilhões de pesos (US$ 20 milhões) para a campanha, cifra três vezes maior do que o estabelecido pela lei eleitoral.

Bendetti foi nomeado embaixador na Venezuela pelo Petro, mas teve de renunciar devido ao escândalo. Sua colaboração com a justiça pode trazer novas revelações.